Porque precisamos de mais e melhor concorrência (I)

O economista Carlos Tavares fez uma análise, no âmbito da SEDES, ao estado da concorrência em Portugal e para o seu impacto na eficiência e competitividade das empresas.

Um ambiente de concorrência é condição do aumento de eficiência das empresas, da defesa dos agentes económicos com menos poder e da maximização do bem-estar social. Ele é também o motor da incessante busca de novos produtos, de novos processos de produção, ou seja, da inovação. A concorrência obriga as empresas instaladas a manter elevados ritmos de inovação e eficiência, sob pena de se verem afastadas do mercado.

Por essas razões, os países com mercados mais concorrenciais apresentam em geral níveis de produtividade e, portanto, de competitividade, mais elevados, existindo abundante evidência empírica que comprova esse facto e permite identificar as causas que o determinam.

As vias identificadas pela literatura através das quais o reforço da concorrência conduz a níveis superiores de produtividade são essencialmente três:

  • (i) efeitos intra-empresa: a concorrência actua como factor de disciplina, pressionando os gestores das empresas a tornarem-se mais eficientes;
  • (ii) efeitos inter-empresas: a concorrência leva a que as empresas de maior produtividade aumentem a sua quota de mercado à custa das menos produtivas, que saem do mercado e são substituídas por empresas de produtividade mais elevada;
  • (iii) inovação: a concorrência leva as empresas a inovar, o que aumenta a eficiência através de melhorias tecnológicas dos processos de produção ou da criação de novos produtos e serviços. O papel relativo de cada uma destas vias tem sido objecto de estudo empírico e de debate, com algumas variantes nas conclusões obtidas, não pondo em causa a sua efectividade na promoção da produtividade e da competitividade das economias.

A questão é que nem sempre a economia de mercado conduz a níveis suficientes de concorrência: pela escassez de recursos, por características tecnológicas propiciadoras do chamado monopólio natural ou, ainda, devido a práticas anti-concorrenciais de operadores fortes e instalados, são afastados do mercado concorrentes mais pequenos, inovadores e ágeis. Estes sofrem ainda as consequências das ineficiências do Estado e dos custos de contexto que limitam o desenvolvimento das empresas ou se traduzem em barreiras à entrada no mercado.

Por isso, é necessária a intervenção directa do Estado, como regulador e protector da concorrência e dos direitos dos consumidores e dos concorrentes com menor poder de mercado. Essa intervenção faz-se, antes do mais, através da produção de boas leis e adequados regulamentos. Faz-se também pela via da regulação dos mercados, função normalmente desempenhada por entidades administrativas independentes. O objectivo dessa intervenção deve ser o de garantir que as empresas desenvolvem a sua actividade em mercados “contestáveis” – aqueles onde não há barreiras à entrada e à saída – e se confrontam no mercado doméstico com níveis de concorrência semelhantes aos que são típicos dos mercados internacionais abertos.

No caso da economia portuguesa, há vários indicadores que indiciam a existência de espaço significativo de melhoria para os níveis de concorrência que as empresas portuguesas encontram no mercado doméstico: a pequena dimensão da generalidade das empresas (quando comparada com o observado em outros mercados europeus), coexistindo com um conjunto restrito de empresas de grande dimensão; a coexistência de empresas bem capitalizadas e rentáveis com um extenso conjunto de empresas descapitalizadas e com resultados sistematicamente negativos; o insuficiente peso dos sectores produtores de bens transacionáveis internacionalmente e onde a concorrência é naturalmente assegurada, com a agravante de, mesmo nestes, haver uma percentagem elevada de empresas com presença reduzida ou nula nos mercados de exportação.

No caso da economia portuguesa, há vários indicadores que indiciam a existência de espaço significativo de melhoria para os níveis de concorrência que as empresas portuguesas encontram no mercado doméstico:

  • A pequena dimensão da generalidade das empresas (quando comparada com o observado em outros mercados europeus), coexistindo com um conjunto restrito de empresas de grande dimensão;
  • A coexistência de empresas bem capitalizadas e rentáveis com um extenso conjunto de empresas descapitalizadas e com resultados sistematicamente negativos;
  • O insuficiente peso dos sectores produtores de bens transacionáveis internacionalmente e onde a concorrência é naturalmente assegurada, com a agravante de, mesmo nestes, haver uma percentagem elevada de empresas com presença reduzida ou nula nos mercados de exportação.

A maior rentabilidade dos sectores de bens não transacionáveis, sobretudo após a integração na área do euro, tem levado à preponderância do investimento nesses sectores que são abrigados da concorrência internacional. A evidência empírica indicia que isso tem resultado em níveis de produtividade mais baixos e preços e margens mais elevados.

Há um vasto conjunto de factores que condicionam os níveis de concorrência, muitos deles para além do campo estrito da regulamentação e da regulação da concorrência. São os casos da informalidade, da subsistência prolongada de empresas inviáveis, os tempos e o não cumprimento dos prazos de licenciamento/autorização de empresas e actividades, a corrupção e o tráfico de influências, os prazos e os critérios de aprovação de programas de apoio público às empresas, os regimes fiscais casuísticos, o não cumprimento dos prazos de pagamento pelas entidades da Administração Pública e os tempos e a incerteza de resultados da chamada “justiça económica”. Todos estes aspectos se reflectem em custos de contexto acrescidos para as empresas portuguesas, com a agravante de isso normalmente se reflectir de forma diferenciada entre elas. O resultado é sempre uma deterioração das condições de concorrência, desde logo com as empresas de outros mercados, mas também entre as empresas que operam no mercado doméstico e sofrem o impacto diferenciado daqueles custos.

A redução/eliminação deste tipo de custos passa por três condições principais:

  1. Boa qualidade das leis e dos regulamentos;
  2. Eficiência e eficácia da Administração Pública na sua aplicação;
  3. Regulação independente e competente da concorrência.

A observação da realidade do nosso País nestes três aspectos mostra a existência de significativo espaço de melhoria, que se reflectirá inevitavelmente em mercados mais concorrenciais e empresas mais competitivas.

Indicadores publicados pela OCDE e pelo Banco Mundial permitem concluir que haverá muito a melhorar na qualidade da regulamentação produzida e do respectivo processo de produção. Mas isso só será traduzido em melhores condições de custos de contexto para as empresas que operam em Portugal se houver uma aplicação eficaz das normas produzidas, o que passa por uma necessária reforma da Administração Pública, com reformulação da sua estrutura, adequada dotação de meios humanos e redesenho/digitalização dos processos.

Existem também indicadores internacionais que mostram que a intensidade da concorrência sobre o mercado doméstico permanece em níveis inferiores aos que podem ser observados em mercados próximos. São ainda observáveis algumas barreiras à entrada no mercado – algumas de direito, outras de facto – sobretudo nos sectores de serviços. O que reforça a necessidade de actuar sobre as três condições referidas, incluindo especificamente a regulamentação e a regulação da Concorrência. Portugal tem um sistema evoluído e conceptualmente apropriado, construído sobretudo em 2003, com uma Lei da Concorrência moderna e a criação da Autoridade da Concorrência, o que se traduziu na “desgovernamentalização” da regulação da Concorrência e na adopção das boas práticas internacionais. Esse quadro conheceu alguns aperfeiçoamentos posteriores, designadamente em 2014, na sequência do diagnóstico feito no quadro do Programa de Assistência Económica e Financeira sobre a necessidade de reforço da concorrência, sobretudo nos sectores de bens não transacionáveis.

Apesar da qualidade da regulamentação da concorrência e do quadro estabelecido para a sua regulação independente, as análises sobre o nosso mercado e as deficiências reveladas mostram, também aqui, claras oportunidades de melhoria, sobretudo nas condições de funcionamento do regulador da concorrência e na aplicação do quadro legal específico da concorrência, que permanece globalmente adequado.

Em suma, a promoção da concorrência forte e efectiva é um objectivo que deverá estar bem presente na formulação e na execução de políticas económicas dirigidas à melhoria da produtividade, do crescimento económico e, em consequência, do bem comum. A realização desse objectivo terá de ser suportada em regulamentação e práticas coerentes em todos os domínios que afectem a actividade das empresas, para além, naturalmente, da regulamentação e da regulação específicas da concorrência.

No entanto, as necessárias acções do Estado terão de ser complementadas por uma actuação convergente de consumidores, empresários e instituições da sociedade civil (por exemplo, Associações e Universidades), de modo a criar uma verdadeira cultura de concorrência no nosso País. Essa actuação deve incluir a sensibilização e a divulgação dos direitos e da protecção que a regulamentação e a regulação da concorrência conferem aos consumidores e às empresas com menor poder de mercado. Mas, acima de tudo, deverá contribuir para que empresários, gestores e agentes da Administração Pública compreendam a importância para a eficiência e a competitividade das empresas da existência de um mercado onde a concorrência leal seja a norma.

1 Por exemplo em actividades que requerem autorizações administrativas, incluindo de reguladores sectoriais.

  • Colunista convidado. Presidente do Conselho de Administração do Banco Montepio e do Banco BEM

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