Tribunal de Contas europeu alerta para cheques da bazuca pagos indevidamente
Tribunal de Contas Europeu concluiu que “há pagamentos que não cumpriram todas as condições e falhas nos sistemas de controlo dos países da UE” relativamente aos 48 mil milhões de euros do MRR.
O Tribunal de Contas europeu está “preocupado” com o aumento dos erros nas despesas do orçamento europeu, diz o Tribunal de Contas no relatório anual de 2023.
A instituição liderada por Tony Murphy emitiu “uma opinião adversa sobre a legalidade e regularidade das despesas orçamentais da UE” e “uma opinião com reservas sobre a legalidade e regularidade das despesas ao abrigo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência” (MRR), ou seja, a bazuca europeia que financia os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR). Uma opinião exatamente idêntica à expressa no relatório anterior referente a 2022.
Mas com uma nuance: a situação tem vindo a agravar-se. “Em 2022, havia erros em 4,2% das despesas (3% em 2021), mas em 2023 o valor subiu para 5,6%”. Tal como nos últimos quatro anos, o TCE conclui que “a taxa de erro estimada é generalizada e passa dos limites – por isso, dá uma opinião desfavorável (“adversa”) sobre as despesas da UE em 2023 – e salienta que o “grande aumento desta taxa é principalmente causado pelos erros nas despesas da área da coesão, que atingiram 9,3% (tinham sido 6,4% em 2022)”. Mas, a estimativa de erro da Comissão (risco no momento do pagamento) é de 1,9%, ou seja, significativamente inferior ao intervalo estimado pelo Tribunal.
Um erro não é uma fraude. De acordo com o entendimento do tribunal, os erros referem-se a situações em que os fundos não são utilizados de acordo com as regras europeias ou nacionais, mas também quando uma despesa é paga indevidamente com verbas do orçamento da UE.
O ano passado, o Tribunal comunicou ao Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) 20 casos de suspeita de fraude, mais seis do que em 2022, sendo que o OLAF já deu início a quatro inquéritos. Paralelamente, o Tribunal comunicou 17 destes casos à Procuradoria Europeia, a partir dos quais esta deu início a nove investigações. Durante a auditoria às despesas de 2023, o Tribunal detetou já 12 casos de suspeita de fraude, revela o relatório do guardião das finanças da União Europeia.
O Tribunal reconhece que os Estados-membros estão sob “muita pressão para usarem depressa as verbas de vários fundos da UE, o que lhes pode criar dificuldades em garantir que os projetos de coesão cumprem todas as regras de financiamento”. Por exemplo, Portugal está a concluir a execução do Portugal 2020 – que foi alargada até 2024 –, tem de executar o PRR até final de 2026 e teve de lançar o Portugal 2030, sendo que, em 2025 já está pressionado com os montantes a executar dada a aplicação da regra da guilhotina que determina a percentagem de fundos a executar cada em cada ano.
Ao nível dos fundos de Coesão – que financiam o Portugal 2030, por exemplo –, os erros de elegibilidade foram os que mais contribuíram para o nível de erro estimado nas despesas de risco elevado (53%), seguidos dos erros relacionados com o incumprimento das regras em matéria de contratação pública e de auxílios estatais (31%). Situação idêntica ao que aconteceu em 2022.
“Como os projetos com erros correspondem aos que recebem apoios do MRR e são muitas vezes controlados pelos mesmos organismos nacionais, o TCE considera que podem existir falhas parecidas nas despesas deste Mecanismo. A diferença é que, para receberem pagamentos do MRR, os países não têm de cumprir regras nacionais ou da UE (pelo que ninguém controla sistematicamente se o fazem”, explica o relatório.
Relativamente às despesas do MRR, a coluna dorsal do instrumento da UE para a recuperação da pandemia, em 2023, a Comissão efetuou 23 pagamentos de subvenções aos Estados-membros, relacionados com um total de 542 marcos e a totalidade das 135 metas. Portugal foi um deles, uma vez que submeteu, em simultâneo, o terceiro e quarto pedidos de desembolso em outubro e recebeu 2,46 mil milhões de euros em dezembro, tendo sido retidos 714 milhões por incumprimento de metas e marcos (verba que acabou por ser recebida apenas junho deste ano.
O Tribunal concluiu que “há pagamentos que não cumpriram todas as condições e falhas nos sistemas de controlo dos países da UE” relativamente aos 48 mil milhões de euros do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) e por isso emitiu uma opinião com reservas sobre as despesas do MRR. Isto significa que foram detetados problemas, mas não são generalizados.
Em seis pagamentos foram detetados “erros significativos”, mas também houve casos em que “as medidas e os marcos ou metas relacionados estavam mal pensados, ou em que as informações dadas pelos países nas suas declarações de gestão continuam a não inspirar confiança”.
O Tribunal também faz soar as campainhas de alarme no que diz respeito às autorizações por liquidar – dívidas futuras se não forem anuladas – que atingiram “um nível recorde de 543 mil milhões de euros no final de 2023”, que compararam com os 452,8 mil milhões de euros de 2022.
Em 2023, a própria dívida da UE disparou para 458,5 mil milhões de euros (em 2022 era de 348 mil milhões, uma subida de 32%), sobretudo por causa dos novos empréstimos para o Fundo de Recuperação e Resiliência (268,4 mil milhões de euros). A dívida é agora o dobro face a 2021 (236,7 mil milhões de euros), sublinha o Tribunal. “A UE é a entidade que mais dívida emitiu na Europa e não se sabe se a proposta da Comissão para os recursos próprios lhe dará meios suficientes para saldar as contas do fundo de recuperação da pandemia”, sublinha o relatório. Acrescentando que os novos custos dos empréstimos se devem situar entre 17 e 27 mil milhões de euros.
O Relatório Anual do Tribunal aponta ainda vários riscos e desafios que o orçamento da UE enfrenta: risco de anulação de autorizações, aumento da exposição financeira, inflação e riscos financeiros crescentes devido à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. As novas prioridades como a segurança e a defesa ou o alargamento também vão exigir um aumento significativo do financiamento.
“Os decisores terão de encontrar formas de satisfazer estas necessidades financeiras”, lê-se o relatório. Com o aumento brutal do nível de endividamento, resultado das “crises sucessivas que a União Europeia enfrentou”, é preciso garantir recursos para fazer face à amortização do MRR que se inicia em 2028 –30 mil milhões de euros por ano, isto é, um sexto do orçamento europeu.
Verbas que podem ser asseguradas através de recursos próprios (que ainda não foram materializados) ou do aumento do Orçamento da UE, sublinhou o membro português do Tribunal de Contas europeu. “A dívida passou de 50 mil milhões em 2019 para 458 mil milhões em 2023”, ilustra João Leão, sublinhando que esta situação via criar uma pressão adicional sobre o próximo quadro plurianual 2028-2034.
Um quadro para o qual já está aberta a discussão sobre qual o modelo a seguir em termos de distribuição de fundos, seja através da definição de metas e marcos, como no PRR, cujo cumprimento determina os pedidos de desembolso ou através da lógica atual de pagamento de despesa contra fatura.
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