Inverno demográfico, trabalho e reformas sustentáveis. Missão impossível?
Do mesmo modo que há muito convivemos e bem com a figura do trabalhador estudante, teremos de nos habituar a viver com a ideia de uma generalização do pensionista em atividade.
Já nos vamos habituando a ouvir falar no envelhecimento das sociedades ocidentais (estando Portugal no “pelotão da frente”) e da perigosa pressão que, combinado com o aumento da esperança de vida, continuará a colocar sobre os sistemas de saúde e segurança social
As sociedades resistem ao adiamento da idade normal da reforma, pelo que o futuro não é difícil de prever: cada vez mais idosos, a receber pensões de velhice durante mais anos.
Dir-se-á que a imigração poderá ser a solução. A questão, porém, é que a imigração vem tornando uma questão mais política, do que meramente demográfica e económica, pelo que estamos perante uma solução de cariz contingente e cuja dimensão futura não pode ser tida como previsível. Além de tudo o mais, não basta um saldo migratório positivo, pois que importa que seja capaz de gerar receitas contributivas aptas a compensar o crescimento contínuo com pensões (o que suporia uma imigração massiva e/ou de salários elevados).
Acresce que a imigração não resolve a dimensão humana e sanitária do envelhecimento massivo: estamos prontos para aceitar ter, a curto ou médio prazo, a maior parte da população potencialmente inativa (com a potencial deterioração do seu estado de saúde) entre os 66 e os 80 ou 85 anos?
Admito que não.
Mas para que assim não seja, é todo um paradigma – o do trabalho e da reforma como compartimentos estanques – que tem de ser superado.
Do mesmo modo que há muito convivemos e bem com a figura do trabalhador estudante, teremos de nos habituar a viver com a ideia de uma generalização do pensionista em atividade, figura que, naturalmente já existe (até com regime contributivo próprio), mas é ainda tratada como excecional, ou minoritária, mais como possibilidade do que como necessidade.
Mas a necessidade está aí – desde logo a dos pensionistas, seja em complementar as suas pensões (já desde há muito sujeitas à erosão do fator de sustentabilidade), seja em manterem algum nível de atividade, que lhes permita sonhar com um prolongamento da sua saúde e qualidade de vida. É certamente a “esperança de vida” que mais desejam…
E quanto à necessidade do sistema de Segurança Social, nem se fala: somar ao fator de sustentabilidade uma generalização do trabalho sénior permite simultaneamente atenuar a subida da despesa e encontrar alguma receita compensatória para os crescentes encargos.
Este autêntico elefante que está no meio da nossa sala civilizacional pode ainda provocar a mudança de um paradigma em termos de empregabilidade, pois que parece cada vez mais evidente haver posições nas organizações em que o trabalho sénior pode ter um papel inigualável a desempenhar – vejam-se funções ou tarefas de formação, compliance, responsabilidade social, fiscalização, consultoria, entre tantas outras.
Numa sociedade em que somos ainda bombardeados pelo modelo da eterna e perfeita juventude, a realidade parece pedir que olhemos com mais atenção para os fenómenos de equilíbrio e conciliação em torno do trabalho em todas as fases da vida.
Se já nos acostumamos a pensar assim a respeito da conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal, por exemplo de forma a reconhecer a importância de fomentar a repartição das responsabilidades parentais e a igualdade entre mulheres e homens, falta alargar esse modo de pensar aos mais velhos.
Para tanto, o trabalho sénior a tempo parcial e as reformas parciais terão de estar em cima da mesa, ainda que com algum encargo orçamental incentivador da mudança, mas que será, inevitavelmente, mais um investimento do que um custo.
Investimento em mais receita contributiva, mas também investimento em menor peso sobre o SNS e em maior inclusão da população mais idosa.
Tratar-se-á, no fim de contas, de não excluir os mais velhos (mesmo que mais discretos e menos reivindicativos) do advento de tanta realidade positiva que hoje muito se valoriza (e bem) nas sociedades ocidentais: sustentabilidade, responsabilidade social, inclusão e, já agora, igualdade. Também em matéria demográfica, há uma reciclagem de mentalidades a fazer.
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