Zona Franca da Madeira perde benefícios fiscais para novas empresas em 2025

A não prorrogação do regime fiscal preferencial na Zona Franca da Madeira para novas empresas no Orçamento para 2025 ameaça o futuro desta offshore criada em 1980 por Sá Carneiro.

O Orçamento de Estado para 2025 (OE2025) poderá marcar o fim de uma era para a Zona Franca da Madeira, com o Governo a não incluir na Proposta do OE2025 a prorrogação do regime fiscal preferencial que tem sido a pedra angular deste centro internacional de negócios.

Esta decisão significa que, a partir de 1 de janeiro de 2025, as novas empresas que se estabelecerem na offshore da Zona Franca da Madeira passarão a ser tributadas à taxa geral de IRC da Região Autónoma, atualmente fixada em 14,7%, em vez dos 5% que vigoram atualmente. “É uma decisão expressa de não permitir novos licenciados de novas empresas a partir de 31 de dezembro de 2024”, refere Bruna Melo, consultora da EY ao ECO, notando que este regime fiscal preferencial continuará a ser aplicado até 31 de dezembro de 2028 para as empresas que estejam registadas na Zona Franca da Madeira até ao final deste ano, se nada for feito em contrário.

A reação do Governo Regional da Madeira não se fez esperar. Rogério Gouveia, secretário regional das Finanças, em declarações ao ECO, refere que “o Governo Regional lamenta que a prorrogação do regime da Zona Franca da Madeira (ZFM) não conste da versão inicial da proposta de Orçamento do Estado para 2025, frustrando-se, consequentemente, não só as reivindicações da Região Autónoma da Madeira, como as expectativas das entidades que operam no âmbito desta Zona Franca.”

No entanto, o governante mantém uma réstia de esperança, afirmando que, “espera-se, contudo, que a prorrogação do regime da ZFM, no sentido de se admitir o licenciamento de novas entidades até 31 de dezembro de 2026 e de se prorrogar os efeitos do regime até ao final de 2033, venha a ser viabilizada em sede de especialidade, à semelhança do sucedido aquando da discussão e aprovação do Orçamento do Estado para 2024.”

Igualmente desapontado com a decisão do Governo de Luís Montenegro está Miguel Albuquerque, presidente do Governo da Madeira. No dia seguinte à apresentação da Proposta do OE2025, Miguel Albuquerque, em declarações à imprensa, caracterizou a Proposta do OE2025 como um “balde de água fria” por, além de não incluir a prorrogação do regime fiscal preferencial da Zona Franca da Madeira, o documento considerar ainda uma redução de 8,3% do montante enviado do Orçamento de Estado para a Região Autónoma da Madeira ao abrigo da Lei das Finanças Regionais, passando de 305 milhões de euros em 2024 para 279,8 milhões de euros em 2025.

O presidente do executivo madeirense sublinhou ainda que a orientação de voto dos deputados madeirenses vai depender “daquilo que for consagrado” no debate na especialidade, mantendo a esperança de que “haverá alterações” nessa fase — o PSD/Madeira elegeu três deputados para a atual legislatura, num círculo eleitoral com seis representantes, em que se contam dois deputados do PS e um do Chega.

Rogério Gouveia, secretário regional das Finanças do Governo Regional da Madeira, defende que prorrogação da vigência do regime fiscal preferencial na Zona Franca da Madeira é “não apenas um desígnio regional, como é nacional”, por considerar que “a Zona Franca da Madeira é um dos mais competitivos instrumentos de captação de investimento estrangeiro de que Portugal dispõe.” HOMEM DE GOUVEIA/LUSAHOMEM DE GOUVEIA/LUSA 2024

Pressão de Bruxelas empurra decisão do Governo

A não inclusão da prorrogação do regime fiscal preferencial da Zona Franca da Madeira na proposta do OE2025 não surge isolada, mas no contexto de uma longa pressão exercida por Bruxelas sobre o regime fiscal da Zona Franca da Madeira. O ponto de viragem remonta a dezembro de 2020, quando a Comissão Europeia declarou ilegal a forma como Portugal executou o chamado “regime III” da Zona Franca da Madeira.

Entre 2007 e 2014, as empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira puderam usufruir de uma tributação de IRC mais baixa sobre os seus lucros entre 2007 e 2020 (com taxas de 3% de 2007 a 2009, de 4% de 2010 a 2012, e de 5% de 2013 a 2020). Este incentivo estava previsto na lei mas pressupunha o cumprimento de uma série de condições.

Segundo a equipa de técnicos da Comissão Europeia liderada na altura por Margrethe Vestager, o regime fiscal preferencial aplicado na Zona Franca da Madeira ou Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), tal como aplicado por Portugal, não estava em conformidade com as decisões da Comissão de 2007 e 2013, nem com as orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período 2007-2013, nomeadamente em relação a duas questões principais:

  • A origem geográfica dos lucros que beneficiavam da redução do imposto não estava conforme as decisões aprovadas.
  • Havia uma falta de ligação entre o montante de auxílio e a criação/manutenção de empregos efetivos na região.

A Comissão Europeia argumentou que as empresas que não exerciam as suas atividades na Madeira não suportavam custos adicionais decorrentes do exercício de atividades numa região ultraperiférica e, portanto, não podiam ser consideradas beneficiárias legítimas do regime. Além disso, Margrethe Vestager questionou o método de cálculo dos postos de trabalho criados e mantidos na região, considerando que não cumpria as definições e princípios estabelecidos nas orientações relativas aos auxílios estatais.

Em 2009, 91% das 2.981 empresas instaladas na Zona Franca da Madeira não tinha trabalhadores e apenas 51 liquidaram IRC, mesmo beneficiando de um regime fiscal preferencial, relata o economista João Pedro Martins no livro “Suite 605”, que assenta numa grade investigação à Zona Franca da Madeira.

A decisão da Comissão Europeia obrigou então Portugal a recuperar cerca de 840 milhões de euros de auxílios atribuídos de forma irregular a 302 empresas. No entanto, passados quase quatro anos desde a decisão de 2020 da Comissão Europeia, a Autoridade Tributária só recuperou 8% destas ajudas ilegais, cerca de 66 milhões de euros, segundo o parecer da Conta Geral do Estado de 2023 do Tribunal de Contas, publicado este mês.

Desde 2020 que Governo central e o governo regional da Madeira têm travado uma batalha legal para reverter esta situação, mas sem sucesso. Depois de em setembro de 2022 o Tribunal Geral da União Europeia ter rejeitado o primeiro recurso de Portugal, confirmando a decisão de Bruxelas que considerou incompatíveis com o mercado interno as ajudas estatais concedidas, já este ano o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu a decisão final, negando provimento ao recurso do Estado português.

O tribunal considerou “parcialmente inadmissíveis e parcialmente improcedentes todas as alegações de Portugal”, confirmando que o regime, conforme aplicado, constituía um novo auxílio executado em violação do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Esta decisão marca o fim de uma longa batalha legal, deixando Portugal e a Madeira sem mais opções de recurso para contornar o fim do regime fiscal favorável da Zona Franca da Madeira.

Zona Franca da Madeira com os dias contados

O impacto da pressão de Bruxelas é visível não apenas nas políticas, mas também nas contas das empresas envolvidas e localizadas na Zona Franca da Madeira, que no final do ano passado contabilizam 2.643 entidades registadas no CINM.

Em julho, Tânia Castro, presidente da mesa do CINM da Associação Comercial e Industrial do Funchal, referiu ao Jornal Económico que a “maioria” das empresas da Zona Franca da Madeira que foram notificadas pela Autoridade Tributária (AT) para devolver os apoios ilegais, resultantes da investigação da Comissão Europeia “está insolvente” ou “não tem capacidade” para pagar.

“A dimensão e a forma em que este processo de recuperação de auxílios continuará a ser conduzido pelo Estado português, pela Comissão Europeia e, muito provavelmente, pelos tribunais nacionais e europeus determinará o nível de estragos e prejuízos que venham a ser causados ao CINM em termos de perda de empresas com o consequente impacto negativo nas receitas fiscais e no emprego gerados na economia regional”, refere a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), responsável pela gestão da Zona Franca, no relatório e contas de 2023 da empresa.

Desde 2021 que a SDM é uma empresa pública detida integralmente pelo Governo Regional da Madeira, após o grupo Pestana ter acordado a venda da sua posição de 48% na SDM por 6,8 milhões de euros ao governo regional. No entanto, o pagamento que deveria ser realizado em duas tranches por iguais montantes (a 30 de junho de 2022 e 30 de junho de 2023) permanece por se regularizar, segundo o relatório e contas de 2023 do grupo Pestana.

É absolutamente fundamental concluir quanto antes as conversações com os serviços da Comissão Europeia com o objetivo de consensualizar e acordar os termos do novo regime, o qual se deverá aplicar a novas entidades licenciadas já a partir de 2024 e com produção de efeitos para além de 2028.

Administração da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira

Relatório e contas de 2023

O impacto da pressão de Bruxelas é de tal forma significativo para o presente e para o futuro da Zona Franca da Madeira que a SDM apresentou em 2023 custos extraordinários de cerca de 500 mil euros relacionados com a contratação da Oxera, uma consultora especializada em assessoria económica no relacionamento com as instituições europeias, revela a administração da SDM no relatório e contas de 2023.

É absolutamente fundamental concluir quanto antes as conversações com os serviços da Comissão Europeia com o objetivo de consensualizar e acordar os termos do novo regime, o qual se deverá aplicar a novas entidades licenciadas já a partir de 2024 e com produção de efeitos para além de 2028”, refere a SDM no último relatório e contas, sublinhando a ideia de ser “imprescindível que o referido novo regime possa entrar em vigor com a maior brevidade na medida em que qualquer interrupção ou disrupção do normal funcionamento do CINM gera dúvidas e incertezas no mercado que prejudicam a sua credibilidade e competitividade.”

A história da Zona Franca da Madeira remonta a 1980, quando foi criada pelo Governo de Sá Carneiro para promover o desenvolvimento económico e social da região. Ao longo dos anos, o regime evoluiu e adaptou-se, mas sempre manteve como característica central os benefícios fiscais para as empresas ali estabelecidas. A decisão de não prorrogar o regime fiscal preferencial no OE2025 marca, portanto, o fim de uma era para a Zona Franca da Madeira.

No entanto, o secretário regional das Finanças “está convicto de que não existem quaisquer circunstâncias, de facto ou de direito, que inviabilizem que esta prorrogação venha a ser introduzida e aprovada em sede de especialidade.” Rogério Gouveia considera inclusive que “prorrogar a vigência do regime é não apenas um desígnio regional, como é nacional”, por considerar que “a Zona Franca da Madeira é um dos mais competitivos instrumentos de captação de investimento estrangeiro de que Portugal dispõe.”

O futuro da Zona Franca da Madeira permanece incerto. Enquanto o Governo Regional mantém a esperança de reverter esta decisão durante o debate na especialidade do Orçamento de Estado, a realidade é que o fim do regime fiscal preferencial parece cada vez mais próximo por força das fortes pressões de Bruxelas.

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