• Entrevista por:
  • Alexandre Batista

“Falámos com os bancos e sentimos recetividade para financiar cooperativas”

Filipa Roseta, vereadora em Lisboa e investigadora em arquitetura, é o rosto por detrás do regresso da capital às cooperativas. A ambição para a cidade inclui nova vida para os terrenos do aeroporto.

A um ano do final do atual mandato, a Câmara Municipal de Lisboa ultima o lançamento da primeira cooperativa de habitação direcionada a cidadãos. Estes são desafiados a unirem-se, concorrer à concessão gratuita de um terreno na cidade e construir entre si um lote de apartamentos. O desafio lançado à população para o recrudescimento do modelo de cooperativas percorre apenas três níveis: Descobrir os vizinhos, ir à cooperativa António Sérgio para formar a cooperativa e garantir que têm financiamento”, resume Filipa Roseta, vereadora da Habitação, Obras Municipais e relação com as Juntas e Freguesia na autarquia lisboeta.

Ao que designa de “sonho”, a autarca, que tem no currículo também o papel de investigadora no Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design e o doutoramento sobre “Avenidas Modernas” no Royal College of Art, em Londres, soma projetos oriundos do seu olhar de arquiteta. Entre o que ambiciona para a cidade no médio e longo prazo está uma nova função para os terrenos do aeroporto Humberto Delgado, onde gostaria de ver replicado o modelo de urbanismo do bairro de Alvalade, com harmonia de classes.

Um projeto como o que, na Paris oitocentista, juntou nos mesmos prédio os remediados que viviam na mansarda e os ricos que ocupavam o primeiro piso. “Qual era a coisa maravilhosa? É que punham um pé na rua e a qualidade do espaço urbano era igual para todos. A rua torna-se o grande igualizador“, diz, em entrevista ao ECO.

Filipa Roseta, vereadora da Habitação e das Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, em entrevista ao ECO - 11OUT24
Filipa Roseta, vereadora da Habitação e das Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Mais de duas décadas depois de termos as cooperativas a erguer o Parque das Nações sobre terrenos concessionados pelo município, este modelo está de volta. O que pretendem com esta investida?

Existe um grande desconhecimento sobre o que são cooperativas de habitação, porque não há realmente nenhuma que a Câmara lance há 25 anos. Houve um grande vazio temporal. Achamos que temos de explicar tudo com simplicidade. Quem tem demonstrado mais interesse são pessoas na casa dos 30 anos, e cooperativas também.

Porquê este hiato tão grande?

São dúvidas que tem de colocar ao anterior executivo.

Nestes 25 anos de inação, o PSD também passou pelo poder na capital.

Por que é que não se lançou? Posso tentar responder mais como investigadora. Há várias possibilidades de razões, mas nenhuma que justifique ter ficado 25 anos sem se fazer uma cooperativa.

Deixou de se acreditar no modelo?

Claramente, se se ficou 25 anos sem se lançar uma. Porque é que não fizeram? Houve algumas experiências que correram mal nos anos 90, eventualmente por essas, mas outras correram bem. Achamos que temos de tentar aprender com os correram mal, e fazer bem. E que foi correr mal?

Era o que ia perguntar à investigadora que tenho à frente.

Muito concretamente, em Lisboa, as cooperativas ex-SAAL, que vêm da revolução. Nós temos três cooperativas ex-SAAL, o Bairro Horizonte, Carlos Botelho e Portugal Novo, onde ainda hoje estamos a tentar resolver o problema. É uma matéria que tenho em mãos, de uma coisa construída nos anos 80. As cooperativas construíram e nada foi regularizado. Tinham um empréstimo com o IHRU nos anos 80, entretanto alguns fugiram, desapareceram, deixaram de pagar o empréstimo e aquilo ficou um nó que ainda hoje está por resolver.

Estamos a falar de quase 500 habitações no centro de Lisboa. Correram mal, mas estamos a tentar resolver, regularizar, licenciar. As pessoas não têm documentos a provar que as casas são delas. Nem eu tinha noção de que tínhamos estes bairros por resolver, e eu estudo Lisboa desde a minha tese de mestrado.

Como decorreu esse processo?

Cedeu-se os terrenos municipais e o IHRU concedeu o empréstimo para construção, mas não se legalizou a propriedade. Neste momento, se formos ao notário, o que lá está é um terreno municipal sem nada, como se os edifícios não existissem. Não se fez a divisão das propriedades, não se pôs as propriedades em nome das pessoas nem em nome da cooperativa.

Mas entretanto houve nos anos 90 muitos casos que correram bem. Recordo-me dos terrenos no Parque das Nações aquando da Expo 98.

Exatamente. Esses correram bem.

Era uma cooperativa, mas não no mesmo modelo daquele que a câmara está a implementar.

Era diferente a vários níveis. Na altura houve a Fenache, federação de 30 cooperativas que se juntaram na altura para receber um protocolo da Câmara, para vários terrenos, muitos na Expo, e essas são as que correram bem. É uma boa prova, pode ir a Vale Formoso, 600 habitações construídas no formato de cooperativa. Estão lá, é magnífico, continuam como habitação acessível, não podem ir para mercado livre.

Mas as casas podem ser transacionadas? Ou arrendadas?

Pode ser transacionado pelo valor da venda, mais inflação. Neste formato, não pode arrendar. É para habitação própria. Também temos muitas casas em Telheiras, não no formato de cooperativa, mas no direito de superfície. A câmara cede direito de superfície por 80 anos, e depois, ou os residentes negoceiam a extensão do prazo, ou a câmara fica com o edifício.

Agora, em 2024, pegando no exemplo do primeiro edifício que vai a concurso público em janeiro, no Lumiar, com 18 fogos. Eu junto-me a 17 outros candidatos e concorremos. Temos de formar uma cooperativa?

O primeiro passo é organizarem-se 18 pessoas, escolher os vizinhos. Segundo passo, dirigem-se à Cooperativa António Sérgio, que ajuda as cooperativas a formalizarem a cooperativa. Por lei, é responsável por fiscalizar o cumprimento do código cooperativo. É um processo simples e eles existem para isto, para explicar e orientar as pessoas. Terceiro passo, ver se tem financiamento junto de uma entidade bancária para pagar o custo da construção.

O custo da casa tem três elementos: o terreno, a construção e o que o promotor põe em cima para fazer o processo. Aqui, pagam apenas o custo da construção, pelo que pode ficar a um terço do valor do mercado. Nós achamos que há-de andar entre um terço e metade do valor de mercado, mesmo que o custo de construção seja caro. Estamos a falar de ficar com uma casa para a vida pelo valor da construção no centro de Lisboa ou em sítios muito centrais, perto de bons transportes públicos, estações de metro e caminhos-de-ferro. O sonho é isto.

Estamos a falar de ficar com uma casa para a vida pelo valor da construção no centro de Lisboa ou em sítios muito centrais, perto de bons transportes públicos, estações de metro e caminhos-de-ferro. O sonho é isto

Filipa Roseta

Vereadora da Habitação, Obras Municipais e relação com as Juntas de Freguesia da Câmara Municipal de Lisboa

Soa a sonho, sim. Mas no passado já deu pesadelos.

Tentámos aprender muito com os erros do passado. Por exemplo, nas cooperativas ex-SAAL achamos que o facto de serem muito grandes — eram mais duzentas e tal famílias sem uma organização muito forte a gerir o empreendimento — deu muita dificuldade de estruturação. Nas primeiras, também optámos fazer cooperativas mais pequenas por isso. Não vamos já para duzentas e tal casas, vamos fazer uma coisa pequena. É uma comunidade logo à partida, mais fácil de estar solidamente agregada do que se forem 220.

Falou de assegurar financiamento e a proposta de Orçamento do Estado refere a possibilidade de o Estado ser garante desse financiamento. Imaginando que o Orçamento é aprovado, vê uma janela de oportunidade?

Isso seria ótimo, o plano A. Mas enquanto isso não está em vigor, porque não está, nós já falámos com o Banco de Fomento.

O que é que lhe disseram?

Dizem que sim. Em tese, ainda pode vir a acontecer e se acontecer calha bem a quem ganhar [o concurso público da cooperativa], porque vai ser na altura. Sei que está em negociação, está no pacote do Construir Portugal, do Governo. Se se conseguir levantar e pôr de pé, quem ganhar esta cooperativa ainda vai ter essa linha de crédito mais favorável do que a dos bancos. Mas nós quisemos ter a certeza de que era possível até sem isso, se as pessoas tiverem uma boa base económica entre elas.

Falaram com a banca comercial?

Falámos com toda a banca, literalmente, com todos os bancos, com o Banco de Fomento e com o BEI [Banco Europeu de Investimento] também. Sentimos recetividade para financiar cooperativas. Há uma prova concreta, de uma cooperativa que ainda é dessas da FENACHE, dos anos 90, que esteve no urbanismo à espera, está a ser construída agora, com esta questão do direito de superfície, e teve um empréstimo agora. Foram à Caixa Geral de Depósitos, à agência, apresentaram o projeto e tiveram o empréstimo.

Foi muito bom para nós para saber que a banca funciona. Se acreditar que aquele grupo de pessoas tem a possibilidade de levar o empreendimento até ao fim, funciona na banca normal. Se existir uma linha do Banco de Fomento, melhor ainda.

Falámos com toda a banca, literalmente, com todos os bancos, com o Banco de Fomento e com o BEI [Banco Europeu de Investimento] também. Sentimos recetividade.

Filipa Roseta

Vereadora da Habitação, Obras Municipais e relação com as Juntas de Freguesia da Câmara Municipal de Lisboa

O crédito bancário assegurado é condição para a câmara entregar o terreno para construção?

Antes de assinarmos o contrato, há um número de dias para provar que tem o contrato de financiamento para começar a construção. Não esquecer que o projeto está pronto para começar a construir. E têm que arranjar um gestor de projeto, a não ser que alguém da cooperativa seja gestor de projeto, alguém que perceba de obras e vai ajudar a levar isto até ao fim.

Construir de raiz é um passo, mas mesmo com a entrega do terreno para o primeiro edifício de cooperativa, só em 2026 se poderá esperar que estas famílias tenham casa. E no imediato?

Nós estamos a fazer coisas em várias frentes. O imediato e mais fácil, fizemos em 2022, é o apoio à renda. Mais de mil famílias estão a ser acompanhadas, mas mais importante ainda, todas as famílias que pediram o apoio à renda, tiveram-no. A família paga de renda um terço do rendimento e a câmara paga a diferença entre um terço e o valor de mercado.

Isso não contribui para especulação? Eu, proprietário, sabendo que a câmara paga o remanescente, subo o preço.

Não, porque estão sempre dentro dos limites da renda acessível. A pessoa tem que ter um contrato de arrendamento e estar dentro dos limites do que é considerado renda acessível. Uma coisa interessante que mudámos no apoio à renda é baixar o limiar mínimo. Tínhamos muitas pessoas com reformas baixas, que até não pagam rendas altas, mas as reformas são muito baixas, e não conseguiam pagar a renda. Baixámos o limiar mínimo [de rendimento] para 500 euros por mês.

Também abrange contratos existentes?

Qualquer pessoa que tenha um contrato de arrendamento, pode concorrer. Pelo menos 110 destas são pessoas com rendimento abaixo do salário mínimo. Temos muitas pessoas com reformas baixas e rendas baixas, congeladas, e o apoio à renda consegue garantir-lhes o pagamento.

Filipa Roseta, vereadora da Habitação e das Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, em entrevista ao ECO - 11OUT24
Filipa Roseta, vereadora da Habitação e das Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Recordando o que foi o território onde se erigiu a Expo e depois, de raiz, o Parque das Nações, ainda há em Lisboa espaço livre para grandes empreendimentos?

Nós temos o Vale de Santo António, temos o Casal do Pinto — não se percebe como aquele terreno esteve tanto tempo vazio. Estamos a fazer as obras de urbanização para avançar.

Onde é o Casal do Pinto?

É um terreno absolutamente fantástico, no Beato, todo municipal, com vista espetacular para o Tejo, tem 200 casas, um plano de pormenor feito no século passado, um concurso de 1998 que estava parado, não sei porquê. Se o formato de cooperativa correr bem, pode ser em cooperativa. São 200 casas, se dividirmos em módulos de 50 – temos sempre um bocado de medo destas grandes…

O exemplo de Chelas.

É isso. Se dividirmos em módulos de 50, pode ser que funcione bem. Temos imensos [locais]. Na carta municipal da habitação fizemos um mapa de todas as zonas vazias preparadas para construir, muitas delas há 50 anos. É incompreensível como isto não dá passos em frente. As pessoas dizem que não havia dinheiro para construção pública. Eu percebo, mas por que não se fez isto em cooperativa? Para cooperativa só é preciso terreno. Agora, se calhar, estamos a lançar isto e não aparece ninguém. Dizem-me coisas várias, que Portugal não tem esta cultura, que não faz sentido. Mas tem que se tentar.

Na carta municipal da habitação fizemos um mapa de todas as zonas vazias preparadas para construir, muitas delas há 50 anos. É incompreensível como isto não dá passos em frente

Filipa Roseta

Vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa

Mesmo sem cooperativas, no país continuou-se a construir até à grande crise das dívidas soberanas e não tínhamos uma crise de habitação. O que pergunto é onde estão essas casas em falta que os privados construíram. Já para não falar da inflação de preços que atinge muito mais que a cidade de Lisboa.

Aquilo que nós propomos como resposta é o seguinte: principalmente a partir de 2017, existiu uma pressão muito grande porque houve uma procura global sobre a cidade muito maior do que no passado.

De onde proveio essa procura? Dos vistos gold? Alojamento local?

A imigração no país aumentou muito, e quase tudo em Lisboa. Aumentou a vários níveis. Não é só aquela imigração que as pessoas veem e encontram na rua.

É uma pressão tanto do imigrante em condições precárias como do francês ou americano milionário?

No fundo, é tudo a mesma coisa. Qualquer um dos dois lados traz uma pressão enorme sobre a cidade. Isto subiu particularmente a partir de 2017. Por outro lado, em 2008 houve uma crise enorme, existiam mais casas que pessoas. As construtoras pararam. Houve todo outro contexto.

Quando começou a retoma, Lisboa, que não era parte das cidades globais onde toda a gente queria morar, passou a fazer parte. Há uma pressão muito grande no mercado habitacional. O valor da casa subiu muito acima do rendimento das famílias, e subiu porque há famílias com rendimentos maiores que conseguem pagar. E também há rentabilidades maiores do que havia. Se alugar vários quartos numa casa, acabo por tirar uma renda maior do que se alugar a casa toda a uma família. Estes dois fatores acabam por colocar pressão no mercado.

Qual a solução?

É preciso termos uma política de habitação muito robusta, que consiga fixar as famílias que cá estão, para não serem empurradas para fora com este movimento.

Nós temos o setor público, privado e a parceria, e em todos estamos a fazer incentivos para funcionarem mais e melhor. Nas parcerias, é isto das cooperativas, damos o terreno e alguém constrói. No setor público, temos mil casas em construção, já demos mais de 2.000 chaves.

Onde estão essas casas?

Pela cidade toda. Estamos a acabar Entrecampos, que é o último grande bairro, nos outros que estamos a fazer é espalhado pela cidade. A Quinta do Ferro tem 80 casas, o Bairro da Liberdade 80 casas, em Nova Goa 50 casas, em vários sítios espalhados, tentando não ultrapassar a escala dos 100, para não criar um bairro, mas sim um edifício no meio da cidade. É esse o modelo. E estamos a fazer metade para apoiar pessoas com rendas sociais muito baixas, e outra metade para renda acessível, classe média, pessoas que vivem dos seus rendimentos.

Qual a amplitude de preços de renda?

De todas as rendas, a média de renda social é 80 euros e a média de renda acessível é trezentos e tal euros. É uma média. Na renda social há pessoas praticamente sem rendimentos ou com rendimento mínimo de inserção, que pagam quatro euros por mês. Tipicamente, quem ganha mais de 500 euros por mês, dificilmente consegue ir para rendas sociais. Têm de ser pessoas com muitas carências associadas, está mais associada a fragilidades permanentes. A renda acessível é com base nos rendimentos e há sorteio.

Quantas casas foram lançadas por este executivo e quantas vinham de trás?

Das que entregámos, mais de mil são claramente nossas, porque eram casas da Gebalis, empresa municipal de habitação, que estavam vazias, à espera de dinheiro para obras de reabilitação. Se recuar a janeiro de 2022, literalmente a primeira decisão do engenheiro Carlos Moedas foi pôr 42 milhões de euros na Gebalis, antes de existir sequer PRR, para pôr as casas vazias cá fora.

Quantas casas saíram desses 42 milhões?

Fizemos as mil casas e ainda sete ou oito empreitadas de bairro. Aqui estão juntas as casas vazias, em média 20 mil euros por casa, para mudar cozinhas, janelas, pintar tudo. E depois as obras de lote, que é muito menos, um edifício com coberturas em amianto, por exemplo, como no Bairro Padre Cruz, onde há 11 edifícios a que estamos a tirar essas coberturas e pintar fachadas. Dá muito menos por fogo, varia entre 5.000 a 10.000 por fogo.

Há pouco, perguntou qual a solução imediata. Temos soluções a várias velocidades. A mais rápida é a renda, em três meses. A seguir é a de pôr casas vazias no mercado, num ano, com contratação pública, está cá fora. Depois, é a construção de edifícios, que vai para três anos. Temos mil em pipeline, que estão neste caminho. Há um quarto, mais lento, que é o dos planos, produzir território, como na Expo. Estamos a fazer tudo ao mesmo tempo desde o primeiro dia.

No Casal do Pinto — o nosso sonho era lançar a obra ainda no final deste ano, mas há-de ser para o próximo –, estamos nos projetos de urbanização do plano de pormenor que estava feito desde o século passado. Espero que se consigam lançar as obras de urbanização, as estradas, para a cidade ficar pronta para os edifícios virem a seguir. Aqui já estamos no universo de cinco anos até começar a ver qualquer coisa a sair.

Filipa Roseta, vereadora da Habitação e das Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, em entrevista ao ECO - 11OUT24
Filipa Roseta, vereadora da Habitação e das Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Entre três meses e cinco anos. E no fim quantas pessoas ainda ficarão de fora?

É sempre uma pressão muito grande numa capital europeia. É difícil dizer que toda a gente que sonha morar em Lisboa vai ter uma casa em Lisboa. Isso é difícil, Temos que conseguir uma mistura e um equilíbrio em que haja todos os tipos de pessoas a viver nas mesmas zonas da cidade. Isto é assim desde o século XIX no [George-Eugène] Haussmann, em Paris, em que edifício tinha das pessoas mais pobres na mansarda aos mais ricos no primeiro piso.

Qual era a coisa maravilhosa? Punham um pé na rua e a qualidade do espaço urbano era igual para todos. A rua torna-se o grande igualizador, tenha a pessoa uma casa muito pequenina, ou uma casa muito grande, a rua é para todos da mesma maneira.

É uma grande lição que temos também com Alvalade, de Faria da Costa, em 1945. É um plano feito para todos os níveis, há mercado livre, casas económicas. E depois o espaço público é igual para todos. Eu acho que isto é o sonho. Não quer dizer que toda a gente em Lisboa está a morar em Alvalade, mas quando foi feita, Alvalade era para todos os níveis sociais. Casas mais pequenas, casas enormes, vivendas, para tudo, mas no fim do dia vinham para a rua e tinham o mesmo espaço público.

É um sonho e estamos a tentar chegar lá desta maneira. É a cidade dos 15 minutos, porque tem a escola no centro, está tudo desenhado para as crianças de todo este tipo de casas irem a pé para a escola, que está no meio de cada uma das grandes quadras, e partilharem o espaço público que era a escola. Algumas dessas casas de renda económica, feitas por cooperativas.

Para construir território para o século XXII, Lisboa tem um terreno singular. O do aeroporto, onde, acreditemos, um dia deixará de haver aviões. O que vê a arquiteta Filipa Roseta a nascer ali?

Lá está a dificuldade de perguntar isso a uma arquiteta… é que eu vejo mesmo! Acho que é uma oportunidade incrível que podemos ter ali. O engenheiro Carlos Moedas já disse que será sempre um pulmão verde para a cidade, mas não é só necessariamente isso. Podemos aproveitar para, além do pulmão verde, desenhar ali um bocado de cidade, pode ficar algo completamente magnífico, aquilo que deixaremos como grande bairro do século XXI na cidade. O problema dos arquitetos é que eu ando lá e vejo mesmo o que podia ser. Acho que Alvalade é uma grande lição porque integra tudo, e é capaz de ser o melhor plano que temos na cidade.

  • Alexandre Batista

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