Exposição à dívida pública tirou 3 mil milhões à almofada da Segurança Social desde 2018

A entidade responsável pela gestão do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social estima que a aposta em títulos de dívida pública penalizou o fundo em mais de 2% por ano entre 2018 e 2023.

A forte concentração em títulos de dívida pública da carteira do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) está longe de ser uma opção benéfica para o desempenho deste fundo que foi constituído em 1989 como salvaguarda de uma situação deficitária da Segurança Social.

O reconhecimento desta realidade, feito no passado pelo Tribunal de Contas e pelo Conselho de Finanças Públicas, é também agora defendido pelo Instituto de Gestão do Fundo de Capitalização da Segurança Social (IGFCSS), entidade responsável pela gestão do FEFSS, em resposta a uma de nove perguntas colocadas ao IGFSS pelo grupo parlamentar do CDS-PP, que o ECO teve acesso.

Segundo o IGFSS, a obrigação legal de o FEFSS manter pelo menos 50% da sua carteira em títulos de dívida pública portuguesa custou à almofada financeira da Segurança Social mais de 2% por ano nos últimos cinco anos terminados em 2023.

Os cálculos da entidade liderada por José Vidrago apontam para um custo de oportunidade histórica desta restrição em cerca de 3 mil milhões de euros, somente considerando o período entre 31 de dezembro de 2018 e final de 2023. “Este valor correspondia a aproximadamente 11% do valor do FEFSS”, refere o IGFCSS.

Isto significa que se não fosse esta restrição de exposição à dívida pública, em vez de contabilizar uma rendibilidade anualizada de 1,97% entre 2018 e 2023 e fechado o ano com um património de 29,8 mil milhões de euros, o FEFSS teria alcançado uma rendibilidade aproximada de 4% por ano, fechando 2023 com quase 33 mil milhões de euros.

Os números do IGFCSS têm em conta a hipótese de, a 31 de dezembro de 2018, o FEFSS ter alienado a parcela do fundo investida em dívida pública portuguesa e esse montante ter sido investido nos restantes ativos do FEFSS (ações e dívida pública OCDE).

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Dívida pública atrasa crescimento do FEFSS

Esta não é a primeira vez que o IGFCSS critica a forte exposição do FEFSS a títulos de dívida pública. A 22 de julho de 2021 “submeteu à Tutela para apreciação e discussão uma proposta de reflexão sobre a estratégia de investimento a longo prazo do FEFSS”, refere o Tribunal de Contas no parecer relativo à Conta Geral do Estado de 2021.

No entanto, desta vez, em resposta à pergunta do grupo parlamentar do CDS-PP, o IGFCSS foi ainda mais longe ao sublinhar que “a compra de dívida pública portuguesa acima do limite mínimo estipulado por lei constitui um investimento tecnicamente inadequado” para o fundo de reserva da Segurança Social.

Esta afirmação ganha particular relevância considerando que, em 2023, a carteira do FEFSS terminou o ano com uma exposição de 54,25% a títulos de dívida pública, ultrapassando em 4,25 pontos percentuais o limite mínimo exigido.

O IGFCSS apresenta várias razões para considerar inadequado o investimento em títulos de dívida pública acima do limite mínimo que vão para lá de o FEFSS ser um investidor de longo prazo com responsabilidades definidas legalmente.

  1. A carteira de investimento do fundo deve promover a geração de um spread positivo entre o retorno do fundo e o custo de financiamento do Estado, e o aumento do investimento da carteira de dívida garantida pelo Estado estreita este diferencial.
  2. Sendo o Estado responsável em última análise pelas responsabilidades a que o FEFSS visa acudir, o investimento em títulos de dívida pública constitui uma incontornável contradição de gestão financeira (ao concentrar o investimento de um ativo, o FEFSS, no passivo da entidade responsável, a carteira de dívida pública;
  3. A concentração em títulos de dívida pública reduz o grau de diversificação da carteira de investimento e esta concentração também “reduz o grau de liquidez da carteira de investimento.”

Além de todos os condicionalismos e maleitas que a restrição legal impõe à gestão do FEFSS para deter pelo menos metade da sua carteira em títulos de dívida da República, o IGFCSS sublinha que a concentração de carteira do FEFSS em títulos de dívida pública, “e em particular o respetivo reforço acima do limite mínimo, é contrária às melhores práticas e exemplos internacionais”.

O IGFCSS cita as diretrizes da International Social Security Association (ISSA) para investimento de fundos de Segurança Social e as diretrizes da OCDE para governança de fundos de pensões como exemplos de boas práticas que não são seguidas neste caso. Além disso, compara também a situação do FEFSS com fundos semelhantes de outros países, como o fundo norueguês, francês ou finlandês, sugerindo que estes seguem estratégias de investimento mais diversificadas e potencialmente mais rentáveis.

Esta revelação levanta questões sobre a gestão e as restrições impostas ao FEFSS, que é o segundo maior investidor em dívida pública portuguesa, depois do Sistema Europeu de Bancos Centrais.

A gestão do FEFSS encontra-se numa encruzilhada crítica. As restrições atuais à equipa de José Vidrago têm custado milhares de milhões de euros em rendimentos potenciais, comprometendo a eficácia do fundo como salvaguarda financeira para a Segurança Social.

O IGFCSS argumenta ainda que a dívida pública portuguesa tem-se caracterizado por ser comparativamente cara e significativamente menos líquida, o que dificulta a venda em montantes significativos sem incorrer em custos elevados, reconhecendo ainda que “conseguem-se fazer investimentos de risco comparável com retornos esperados melhores”.

A entidade responsável pela gestão do FEFSS estima que, devido à sua importância nas compras e vendas no mercado de dívida pública portuguesa, o impacto do FEFSS no mercado é significativo: em 2023, na maturidade dos 10 anos, o IGFCSS estima que a sua atuação levou a uma redução da yield entre 0,1% e 0,2% das obrigações do Tesouro, efetivamente empurrando as yields para baixo e fazendo subir os preços dos títulos de dívida — que nas contas do FEFSS se traduziu num encarecimento sucessivo da sua carteira de dívida pública, “gerando um retorno de médio e longo prazo cada vez mais baixo (devido à reduzida liquidez do mercado em causa relativamente às operações do FEFSS).”

Reconhecendo estes desafios, o Governo planeia promover alterações na gestão do FEFSS para melhorar a sua gestão. Conforme descrito no anexo “Elementos Informativos e Complementares” ao relatório da Proposta do Orçamento do Estado para 2025, o objetivo é introduzir mudanças para “evitar a sobre-exposição à dívida pública portuguesa [do FEFSS], em linha com o parecer do Tribunal de Contas e o posicionamento do Conselho de Finanças Públicas”.

Mas até que a vontade do Governo não se traduza verdadeiramente, a gestão do FEFSS encontra-se numa encruzilhada crítica. As restrições atuais à equipa de José Vidrago têm custado milhares de milhões de euros em rendimentos potenciais, comprometendo a eficácia do fundo como salvaguarda financeira para a Segurança Social, como expõem os cálculos do IGFCSS.

As mudanças propostas pelo Governo representam um passo importante para alinhar a gestão do fundo com as melhores práticas internacionais. A implementação bem-sucedida destas alterações será crucial para garantir a sustentabilidade a longo prazo do sistema de Segurança Social. O desafio agora é equilibrar a necessidade de diversificação e rendibilidade com a responsabilidade do fundo perante o Estado e os contribuintes.

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