Aguiar-Branco ataca cultura de cancelamento e pede menos visão conflitual na política

  • Lusa
  • 29 Outubro 2024

"Nunca serei um censor do uso da palavra. O julgamento será sempre dos cidadãos no voto”, disse o presidente a Assembleia da República.

O presidente da Assembleia da República afirmou esta terça-feira que nunca será censor da intervenção dos deputados, pediu mais consensos, sobretudo entre moderados, e insurgiu-se contra a visão conflitual estéril e a cultura de cancelamento na política. José Pedro Aguiar-Branco falava num almoço debate promovido pelo International Club of Portugal, em Lisboa, numa intervenção inicial subordinada ao tema “Bom e mau parlamentarismo”.

Na sua intervenção, o antigo ministro social-democrata defendeu o valor cimeiro da liberdade de expressão e salientou que o parlamento “é o lugar de debate e de expressão das diferenças, em que cada um assume em plenitude a responsabilidade do que pensa e do que diz”.

“O julgamento político da apreciação, de aprovação ou de repúdio pelo discurso político que é expresso por um deputado é dado pelo povo português, através do voto em eleições livres, diretas e universais. Nunca serei um censor do uso da palavra. O julgamento será sempre dos cidadãos no voto”, frisou.

No seu discurso, o presidente da Assembleia da República assinalou também que os principais avanços na democracia portuguesa se fizeram com amplos consensos envolvendo as principais forças políticas, apontando como exemplos as revisões constitucionais, a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia ou as leis estruturantes em setores como a justiça, saúde ou a defesa.

Neste contexto, partilhou com os presentes no almoço-debate que um estudante de Vila Real o questionou na segunda-feira sobre como foi possível uma discussão tão acesa entre PSD e PS, no âmbito do Orçamento do Estado para 2025, por causa da descida de um ponto percentual no IRC.

Esse estudante fez uma constatação óbvia. E nós, às vezes, aqui, na bolha em que nos movemos, não temos a perceção exata do que os cidadãos pensam. Ou seja, o país real, o país concreto, não percebe aquilo que afasta quem, durante tantos anos, foi capaz até de acabar com o Conselho da Revolução, provavelmente um acordo mais difícil de se fazer do que uma reforma fiscal para os próximos cinco anos”, comentou. Depois, deixou um aviso: “Creio sinceramente que o país está cansado de uma visão conflitual estéril da política”.

“Uma visão em que o debate ganha apenas uma conotação moral e em que deixamos de dizer que não concordamos com o adversário e passamos a assumir que ele tem más intenções, que ele está capturado por interesses, que não é legítimo, que é pouco ético. Em suma, que não se pode conversar com o nosso adversário”, completou. O antigo ministro social-democrata lamentou neste contexto que se gaste “muito tempo a caricaturar as intenções dos adversários e pouco tempo a construir pontes para acordos”.

“A teoria do cancelamento é uma aberração em democracia pela censura que faz ao que considera politicamente incorreto, ou pela sistemática tentativa de obstrução das boas condições à livre exposição de ideias diferentes”, rematou, recebendo uma salva de palmas. José Pedro Aguiar-Branco defendeu em contraponto que se deve encarar “com naturalidade democrática a fragmentação das representações parlamentares” – fenómeno que “muitos receavam ser bloqueadora do funcionamento da Assembleia da República”.

“Mas a que o sistema constitucional tem sabido responder. Temos de conviver bem com a diferença quando ela é fruto da legitimidade democrática”, acrescentou.

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