OE 2025: Uma oportunidade perdida

  • António Mendonça Mendes
  • 30 Outubro 2024

Corremos sérios riscos, a prazo, de voltar a ter uma situação orçamental difícil. E a maior expressão deste desafio é a projeção do próprio governo para que em 2027 e 2028.

Tem início esta quarta-feira a discussão da Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2025 (OE 2025). O País assistiu durante meses a uma discussão (mais ou menos apaixonada) sobre a sua viabilização, muitos admitindo que os partidos poderiam tomar uma decisão sobre o seu sentido de voto, independentemente do conteúdo do OE 2025. Este argumento não é, aliás, novo – o atual primeiro-ministro, antes mesmo de ser líder do PSD, dizia que não precisava de ver um orçamento apresentado pelo PS para determinar o seu sentido de voto contrário. Mudam-se os tempos, as afirmações do passado perdem validade.

Não é esse, porém, o foco deste artigo de opinião. Gostaria, antes, de aproveitar esta oportunidade para partilhar algumas preocupações que me suscita o atual contexto político para a evolução das contas públicas do País.

Todos reconhecem que a precariedade do apoio parlamentar ao governo torna a situação política propícia a decisões de curto prazo. Estas decisões de curto prazo têm a tentação de agradar a diferentes segmentos eleitorais. As mais das vezes são decisões que descuram o interesse coletivo de médio prazo.

É verdade que a situação orçamental herdada pelo atual governo foi uma situação confortável e que há muito que o PSD reivindicava o direito de governar em tempos de normalidade orçamental, isto é, o contrário daquilo que foi o seu último ciclo de governação, marcado pela intervenção da troika. Não pretendo retomar a discussão sobre se a intervenção do então governo PSD/CDS teve ou não uma componente de escolha, mais do que do que uma componente de condicionamento do programa de ajustamento então imposto. Apenas quero com este ponto sublinhar que o PSD, em muitas ocasiões, verbalizou a frustração de não ter tido oportunidade de governar, nas últimas décadas, sem restrições orçamentais.

Aqui chegados, com uma boa situação orçamental herdada de 8 anos de governação PS (que é indesmentível, apesar da tentativa inicial deste governo para o negar), confesso que a minha expetativa em relação ao compromisso do PSD para com o País era, apesar de tudo, diferente.

Surpreendeu-me – e admito que tenha surpreendido a grande parte da sua base de apoio – a propensão do governo para a total ausência de compromisso com o futuro nas decisões que tem vindo a tomar.

O governo limitou-se, nestes primeiros meses, a distribuir a margem orçamental deixada por diferentes grupos profissionais e por diferentes segmentos da sociedade. Podemos argumentar que encontrou problemas para os quais se impunham respostas. Concedo em parte, até porque o anterior governo viu o seu mandato interrompido antes de completar metade, e seria expectável que respondesse a muitos dos desafios a que este governo respondeu. Já tenho a maior das dúvidas que essas respostas se fizessem da forma como se fizeram e, essencialmente, numa forma tão concentrada no tempo. E não se tenha a tentação de argumentar que assim foi porque este governo tem um sentido de urgência que os anteriores governos do PS não tinham. Não me parece que o critério de avaliação possa ser esse.

O que me parece é que a frágil situação de apoio parlamentar deste governo o levou a adotar o caminho mais fácil. E é o caminho fácil que optou trilhar – como estando em constante preparação de um ato eleitoral a curto prazo – que me preocupa, pelas consequências que terá para o País a médio e longo prazo.

Todos sabemos que enquanto existir folga orçamental haverá uma aparência de que há caminho para responder a tudo e a todos. Mas haverá o tempo em que a folga orçamental acaba.

Há duas dimensões que têm suportado o crescimento da nossa economia em convergência com a União Europeia nos últimos 8 anos: o mercado de trabalho e as exportações: o peso dos salários e o peso das exportações no PIB suportam a nossa situação económica. Decorre daqui uma situação orçamental equilibrada, com as receitas fiscais a acompanharem o bom momento do ciclo económico (veja-se as receitas de IRC e de IVA) e as receitas contributivas a acompanhar o bom momento do mercado de trabalho (as contribuições sociais têm crescido a dois dígitos).

Ora, há sinais de aumento de despesa que se justificam, em grande medida, pelo período de inflação que vivemos no pós-pandemia e das consequências dos choques geopolíticos recentes. E quando nos encontramos em níveis de inflação mais consentâneos com a normalidade económica (como estamos a chegar), não é justificado – e principalmente não é avisado – que a despesa nominal do Estado continue a crescer a um ritmo superior ao do crescimento do PIB.

É bom que tenhamos todos a consciência que o nosso excedente orçamental está assente em grande medida na receita contributiva e menos na receita fiscal. Numa altura em que os riscos globais são conhecidos – e com isso os riscos para as nossas exportações – estamos totalmente dependentes da continuação do bom desempenho do nosso mercado de trabalho. Ora, cada vez mais se torna evidente que o saldo orçamental se vai tornando dependente das contribuições sociais para assegurar o equilíbrio. Daí que não seja de estranhar que as necessidades de endividamento do Estado aumentem.

Exaurir bases tributárias – como é a receita do governo neste orçamento – e manter uma trajetória de despesa como a que se encontra no OE 2025 (acima do referencial médio de crescimento da despesa primária líquida traçado pela Comissão Europeia) não é seguramente, do meu ponto de vista, a forma mais adequada de gerir o orçamento e o ciclo económico.

Corremos sérios riscos, a prazo, de voltar a ter uma situação orçamental difícil. E a maior expressão deste desafio é a projeção do próprio governo para que em 2027 e 2028, anos em que estima que o crescimento económico abrande, a capacidade de medidas discricionárias, seja do lado da receita ou do lado da despesa, estará mais limitada, tal como é evidenciado no plano orçamental de médio prazo. Ou seja, estamos no presente a limitar a capacidade de lidar com um período do ciclo económico menos favorável que o atual.

Este é, do meu ponto de vista, o traço mais preocupante do OE 2025: um exercício assente numa visão de curto prazo, que gasta em termos de maior abundância e retira margem para responder a tempos de maior dificuldade. Uma oportunidade perdida. Os portugueses não o mereciam.

  • António Mendonça Mendes
  • Membro do Secretariado Nacional do PS

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