Maioria das famílias deixa as poupanças paradas em depósitos

Os portugueses continuam a poupar muito menos que a média dos seus pares europeus também por conta de hábitos de poupança fortemente penalizados por uma elevada falta de literacia financeira.

A taxa de poupança das famílias portuguesas alcançou os 9,8% no segundo trimestre de 2024, renovando máximos desde o quarto trimestre de 2021, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Apesar desta recuperação, Portugal continua abaixo da média dos países da zona euro, em que a taxa de poupança se situou nos 15,3% no primeiro trimestre e de 15,7% no segundo trimestre, conforme os dados dos oito países que já publicaram esses números, segundo o Eurostat.

Esta evolução recente da poupança das famílias em Portugal reflete uma trajetória marcada por altos e baixos nos últimos anos, que ficou marcada pela taxa de poupança mais elevada desde 2003, quando no final de 2021 atingiu 11,87%, mas também pela taxa de poupança mais baixa desde pelo menos 1953 (início da série do Banco de Portugal), quando em 2022 e 2023 bateu nos 6,3%.

Esta montanha-russa da taxa de poupança está intrinsecamente ligada à evolução da taxa de inflação e às taxas de juros, e isso é novamente visível nos últimos trimestres, em que com o abrandamento da taxa de inflação, particularmente após o início de 2023, tem-se assistido a uma recuperação da taxa de poupança desde o segundo trimestre de 2023.

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Todavia, é incontornável a linha de tendência de longo prazo de queda da taxa de poupança em Portugal. Como destaca o estudo “A Poupança em Portugal”, publicado em 2011 e feito por Fernando Alexandre (atual ministro da Educação), Luís Aguiar-Conraria, Pedro Bação e Miguel Portela do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas da Universidade do Minho, “a taxa de poupança das famílias em Portugal tem diminuído de forma acentuada desde meados da década de 1980, tendo atingido valores historicamente baixos nos últimos anos”.

Esta queda acentuada da taxa de poupança a partir de meados da década de 1980 está associada a vários fatores estruturais que marcaram a economia portuguesa nas últimas décadas:

  1. Liberalização financeira: O processo de liberalização do setor financeiro português, iniciado em meados dos anos da década de 1980, levou a um aumento da concorrência nos mercados financeiros e a uma maior inovação e acesso das famílias a novos produtos financeiros. Como refere o estudo da Universidade do Minho, “a liberalização financeira e a maior facilidade de acesso ao crédito permitiram às famílias antecipar consumo, reduzindo assim a necessidade de poupança prévia”.
  2. A entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia em 1986 e a posterior adesão ao euro trouxeram um período de convergência económica e de taxas de juro historicamente baixas. Isto permitiu às famílias aumentarem o seu endividamento e reduzirem a poupança. “A liberalização do setor financeiro e a maior estabilidade nominal traduziram-se num acesso mais alargado ao crédito por parte das famílias, implicando uma redução das restrições de liquidez para alguns agentes” arrastando a uma queda da poupança das famílias, destacam Nuno Alves e Fátima Cardoso no estudo “A poupança das famílias em Portugal: evidência micro e macroeconómica” do Banco de Portugal, publicado em 2010.
  3. Efeito riqueza: O aumento significativo do valor dos ativos, nomeadamente imobiliários, durante várias décadas levou muitas famílias a sentirem-se mais ricas e, consequentemente, a pouparem menos.
  4. Expectativas de rendimento futuro: O período de crescimento económico e de convergência com a Europa alimentou expectativas otimistas sobre rendimentos futuros, levando muitas famílias a anteciparem consumo.
  5. Sistema de Segurança Social: O desenvolvimento do sistema de Segurança Social português reduziu a necessidade percebida de poupança privada para a reforma, incutindo ainda mais a ideia de não ser necessário poupar para a reforma por o Estado ser visto como garante da velhice, como explica Francisca Guedes de Oliveira, administrador do Banco de Portugal, num debate promovido pelo ECO com os três reguladores financeiros.

O estudo da Universidade do Minho destaca ainda que “a queda da taxa de poupança das famílias em Portugal foi mais acentuada do que na generalidade dos países da OCDE, tendo sido particularmente pronunciada no período que antecedeu a adesão ao euro.”

O estudo do Banco de Portugal destaca também que “a evolução da taxa de poupança em Portugal é captada de forma assinalável por um modelo em forma de mecanismo corretor do erro estimado para o período 1985-2009. Neste modelo, a taxa de poupança encontra-se positivamente relacionada no longo prazo com a taxa de juro nominal e com o crescimento do PIB, e negativamente com o saldo orçamental”.

A pouca proatividade na aplicação da poupança em produtos financeiros é, aliás, outro resultado menos positivo do inquérito [4.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa], com a maioria dos entrevistados a referir que deixa as suas poupanças na conta de depósito à ordem.

Conselho Nacional de Supervisores Financeiros

4.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa

Esta relação entre a taxa de poupança e variáveis macroeconómicas ajuda a explicar algumas flutuações observadas ao longo das últimas décadas. Por exemplo, períodos de maior crescimento económico ou de taxas de juro mais elevadas tendem a estar associados a um aumento da poupança. Por outro lado, períodos de deterioração das contas públicas podem levar a um aumento da poupança privada, numa lógica de “equivalência ricardiana”.

Esta evolução da taxa de poupança tem implicações importantes para a economia portuguesa. Como refere o estudo da Universidade do Minho, “a baixa taxa de poupança das famílias tem contribuído para o persistente défice externo da economia portuguesa e para a acumulação de dívida externa”.

Portugueses poupam pouco e com pouca orientação

Apesar da recente recuperação da taxa de poupança, os hábitos de poupança dos portugueses continuam a revelar algumas fragilidades. O 4.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa, realizado em 2023 pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiro no âmbito do Plano Nacional de Formação Financeira, revela que apenas 53,9% dos entrevistados afirmam ter poupado no último ano, uma percentagem inferior às registadas em 2020 (65%) e 2015 (68,3%).

Este inquérito revela ainda que, entre os que poupam, a maioria (84%) deixa o dinheiro na conta à ordem e 7,7% referem que guardaram o dinheiro em casa — ambas as opções são práticas que não maximizam em nada o retorno da poupança por não terem qualquer remuneração associada.

Em oposição, apenas 33,9% dos entrevistados aplicam o dinheiro em depósitos a prazo e somente 5,2% investem em ações, obrigações ou fundos de investimento, ativos esses que tendem a valorizar mais no longo prazo.

Estes dados sugerem uma falta de proatividade na gestão da poupança por parte de muitas famílias. Como destacam os membros do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros no relatório, “a pouca proatividade na aplicação da poupança em produtos financeiros é, aliás, outro resultado menos positivo do inquérito, com a maioria dos entrevistados a referir que deixa as suas poupanças na conta de depósito à ordem.”

Esta tendência é particularmente preocupante num contexto de baixas taxas de juro reais, onde a não aplicação das poupanças em produtos financeiros mais rentáveis pode levar a uma erosão do valor real da poupança ao longo do tempo.

Outro aspeto relevante é o desequilíbrio na alocação do património das famílias portuguesas. Segundo dados do Banco Central Europeu, os portugueses continuam a ter uma fixação por betão, alocando mais de dois terços da sua riqueza a ativos imobiliários (muito por conta do crédito à habitação).

A forte concentração do património em imobiliário não é uma particularidade dos portugueses. A média das famílias europeias partilha do mesmo “síndrome”. No entanto, ao contrário da média europeia, as famílias portuguesas deixam grande parte da sua riqueza financeira (extra ativos imobiliários) literalmente parada, sem render qualquer euro.

Desde 2020 que os depósitos representam mais de 50% dos ativos financeiros dos agregados familiares, apesar de, até dezembro de 2022, a taxa de juro dos novos depósitos ter sido inferior a 0,5%, segundo dados do Banco de Portugal.

Esta concentração excessiva no “betão” e em depósitos bancários sugere que a poupança de longo prazo e a diversificação de investimentos são frequentemente relegadas para segundo plano. A excessiva concentração da riqueza num único ativo torna as famílias mais vulneráveis a choques no mercado imobiliário e limita a liquidez e flexibilidade financeira.

Além disso, a baixa proporção de ativos financeiros no património das famílias portuguesas pode estar a limitar o potencial de crescimento da poupança a longo prazo. Instrumentos financeiros como fundos de investimento, ações ou obrigações, apesar de apresentarem maior volatilidade no curto prazo, tendem a oferecer retornos superiores no longo prazo.

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A importância de apostar-se cada vez mais na literacia financeira

O 4.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa revela também algumas lacunas importantes nos conhecimentos financeiros dos portugueses. Por exemplo, “menos de metade dos inquiridos (39,1%) calcula corretamente juros simples e apenas cerca de um quarto (24,2%) responde corretamente às questões sobre juros simples e juros compostos”, lê-se no relatório. Estas lacunas podem estar a limitar a capacidade das famílias de tomarem decisões informadas sobre poupança e investimento.

Outro dado preocupante é que apenas 47,3% dos entrevistados se mostram confiantes no seu planeamento da reforma. Isto sugere que muitas famílias portuguesas podem não estar a poupar o suficiente para garantir um nível de vida adequado quando os “Anos Dourados” chegarem, especialmente num contexto de pressões crescentes sobre o sistema público de pensões.

A evolução recente da taxa de poupança das famílias portuguesas, embora positiva, deve ser vista com cautela. O aumento para 9,8% no segundo trimestre de 2024 é um sinal encorajador, mas continua abaixo da média da Zona Euro e dos níveis históricos de poupança registados em Portugal no passado.

Para reverter a tendência de longo prazo de declínio da poupança e promover uma cultura de poupança mais robusta, serão necessárias ações em várias frentes:

  1. Educação financeira: Reforçar os programas de literacia financeira para dotar as famílias de conhecimentos e ferramentas para gerir melhor as suas finanças e tomar decisões informadas sobre poupança e investimento.
  2. Incentivos fiscais: Considerar a introdução ou reforço de incentivos fiscais à poupança de médio e longo prazo, especialmente para a reforma.
  3. Diversificação de investimentos: Promover uma maior diversificação do património das famílias, incentivando o investimento em ativos financeiros além do imobiliário.
  4. Produtos financeiros adequados: Desenvolver e promover produtos financeiros que atendam às necessidades específicas das famílias portuguesas, combinando segurança e potencial de retorno.
  5. Planeamento da reforma: Sensibilizar para a importância do planeamento financeiro a longo prazo, especialmente para a reforma, face aos desafios demográficos e pressões sobre o sistema de segurança social.

Embora a recente recuperação da taxa de poupança das famílias seja um sinal positivo, há ainda um longo caminho a percorrer para consolidar hábitos de poupança saudáveis e sustentáveis.

A combinação de educação financeira, políticas públicas adequadas e um setor financeiro inovador será crucial para promover uma cultura de poupança que contribua para a resiliência financeira das famílias e para o crescimento sustentável da economia nacional.

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