5ª Conferência ECOseguros: Desafios, riscos e oportunidades na transição do Setor

  • Helena Chaves Anjos
  • 7 Novembro 2024

Helena Chaves Anjos, economista especialista em seguros, assistiu à 5ª Conferência ECOseguros, tirou as suas conclusões sobre o que ouviu e partilha-as aqui.

Na 5ª Conferência ECOseguros, realizada no passado dia 30 de outubro em Lisboa, especialistas e líderes do setor reuniram-se para abordar os principais desafios, riscos e oportunidades que impactam o setor segurador em Portugal. Num contexto marcado pela longevidade crescente e pela inovação tecnológica, surgiram múltiplas discussões sobre a importância de estratégias mais robustas de mitigação de risco e resiliência social, cruciais para garantir a sustentabilidade do negócio.

Entre as principais preocupações destacou-se o setor Vida, o qual enfrenta pressões consideráveis, tanto demográficas como financeiras, exigindo uma revisão dos produtos tradicionais, em particular, de poupança e reforma, no contexto de maior volatilidade das taxas de juro e longevidade da população. Fatores em que ressaltam as necessidades de constituição de poupança ao longo do ciclo de vida. Neste âmbito, a revisão dos produtos de poupança reforma, com defesa dos incentivos dos benefícios fiscais assim como limitação de resgates, foi um dos temas abordados, sendo considerado fundamental o reforço da resiliência financeira para apoiar uma sociedade que se encontra em transição para ciclos de vida mais longos.

Nos produtos de risco, uma oferta mais diversificada, em termos de capitais e coberturas de Vida e Saúde, exerce aqui um papel promissor do setor segurador, face a uma menor competitividade do setor bancário e do Estado, nos produtos de poupança, com soluções de depósitos e aforro de rentabilidade mais atrativas.

A área da saúde surgiu igualmente como um desafio central para o setor, especialmente no que respeita à diferenciação entre as respostas pública e privada. Nomeadamente, de acordo com novos operadores de mercado à luz da exigência nacional e experiência estrangeira. Este segmento enfrenta pressões crescentes para oferecer serviços de valor agregado e adaptar-se a novas tecnologias e formas de prestação de cuidados, numa tentativa de acompanhar países como França e Espanha. Um dos temas em destaque foi a tendência para a verticalização, na integração parcial de cadeia de valores, tradicionalmente, nos prestadores de serviços de saúde, a integrar, nas estruturas das próprias seguradoras.

Este modelo, embora promissor para melhorar o acesso e controlar custos, também gera preocupações entre alguns dirigentes, que alertaram para o risco de fragmentação num mercado de menor dimensão como o português. A visão apresentada sugere que o equilíbrio entre integração e independência será crucial para o futuro do setor da saúde, em Portugal, respondendo à pressão por margens e por inovação, mas sem perder a flexibilidade e adaptabilidade.

O setor automóvel que tem registado alguma estabilidade na evolução da atividade, não obstante pressão da inflação social a perdurar nos próximos tempos, enfrenta, por sua vez, desafios específicos relacionados com a transição para veículos elétricos e autónomos, que implicam uma adaptação das tarifas e uma reavaliação da sinistralidade. A frota de veículos elétricos em Portugal, ainda limitada em comparação com
outros países europeus, como França, coloca desafios adicionais aos modelos de tarifação, mas representa também uma oportunidade de inovação no mercado nacional. Por fim, a regulação, surgiu como um tema transversal de preocupação, especialmente a adaptação do setor às normas IFRS 17 (1) e à nova regulamentação DORA (2), que impõem requisitos rigorosos em matéria de supervisão e controlo de risco.

(1) IFRS 17 é “Norma Internacional de Relato Financeiro 17 – Contratos de Seguro”. Esta norma, emitida pelo International Accounting Standards Board (IASB), rege o relato financeiro de contratos de seguro, pretende trazer mais transparência, comparabilidade e consistência dos relatórios financeiros de empresas de seguros, ao padronizar a forma como os passivos de seguro são medidos e divulgados, refletindo melhor os fluxos de caixa esperados e os riscos associados aos contratos. Esta norma tornou-se obrigatória para períodos de reporte com inicio a partir de janeiro de 2023.

(2) DORA é “Regulamento de Resiliência Operacional Digital” (Digital Operational Resilience Act). Esta regulamentação europeia, que faz parte da estratégia de finanças digitais da União Europeia, visa fortalecer a resiliência operacional digital das entidades do setor financeiro, incluindo bancos, seguradoras, e demais instituições financeiras. Entrará em vigor em janeiro de 2025, com o objetivo de melhorar a segurança de riscos digitais.

Por uma regulação mais flexível

No quadro do regime central da Solvência II, os desafios são evidentes, uma vez que muitos operadores defendem uma abordagem que alivie a pressão regulatória e supervisora, de modo a promover investimentos de longo prazo, numa perspetiva macroeconómica mais ampla do papel do setor nos mercados financeiros.

Esta visão estratégica é vista como essencial para que o setor possa desempenhar um papel preponderante no apoio à economia e antecipar riscos emergentes assegurando, contudo, a sua competitividade no longo prazo. Os executivos alertaram para a necessidade de uma regulação mais flexível, que permita ao setor alinhar-se com os riscos reais e que reconheça o papel conservador dos operadores, especialmente como
investidores de longo prazo.

O encontro revelou a importância de um diálogo estruturado, nessa matéria, entre o setor segurador, as autoridades reguladoras e a academia para promover uma regulação mais eficaz e uma gestão mais informada alinhadas com as necessidades e desafios atuais da sociedade e economia, no quadro da Solvência II. Para além das exigências imediatas da regulação de contas e da proteção de dados, o debate do setor aponta para a necessidade de um enquadramento regulatório que promova a inovação e a apoie sustentabilidade a prazo.

Nesse sentido o reforço da governação (3) de riscos pelas empresas de seguros e a definição de prioridades de supervisão (4) são, assim, fundamentais para capacitar o setor na gestão destes riscos sócio e macroeconómicos, num ambiente marcado por elevada incerteza, na transição climática e demográfica. Para enfrentar de forma eficaz estes riscos, uma abordagem integrada que promova o desenvolvimento de
estudos temáticos sobre riscos emergentes e riscos futuros apresenta-se fundamental para antecipar novos riscos e posicionar os vários operadores no contexto de rápidas mudanças, como têm sido os últimos anos, marcados por múltiplas crises a afetar duplamente o setor segurador, quer do lado dos ativos quer do lado dos passivos, no volume de prémios, rentabilidade dos ativos, e nível de sinistros, e correspondente posição de capital e solvência.

(3) Governação de risco refere-se ao conjunto de processos, estruturas e práticas que visam identificar, monitorizar e gerir riscos que possam impactar os objetivos estratégicos de uma organização, garantindo que decisões informadas e medidas adequadas são implementadas para proteger os seus interesses e sustentabilidade.

(4) Supervisão de riscos consiste no acompanhamento contínuo e avaliação dos riscos identificados nas organizações, assegurando que as medidas de controlo são eficazes e estão alinhadas com a tolerância ao risco definida, contribuindo para a estabilidade e resiliência da instituição. Supervisão de risco do setor é o processo de monitorização e avaliação dos riscos sistémicos e específicos que podem afetar o setor, com o objetivo de identificar vulnerabilidades, promover resiliência e assegurar a estabilidade e conformidade das entidades que o compõem, no quadro da regulação e supervisão do regime central setor.

Fatores de melhoria de competitividade

Estudos vários têm contribuído para a consolidação de uma regulação e supervisão do setor mais robusta e uma gestão de seguradoras mais informada, apoiando o desenvolvimento de políticas de supervisão e governação de riscos, que respondam não apenas aos requisitos imediatos da gestão de riscos conjunturais, mas que antecipem também as tendências e oportunidades a prazo, numa estratégia de resposta aos riscos estruturais nacionais. Nomeadamente, com uma visão mais ampla, alinhada com as melhores práticas internacionais, permitindo ao setor segurador português poder alcançar um posicionamento mais competitivo, capacitando-o para apoiar a estabilidade e sustentabilidade financeira e social do país, ao fortalecer o compromisso com a inovação e permitindo-o dar o impulso necessário para o contributo económico necessário na Europa.

Em particular, face aos desafios significativos no futuro próximo, elencados na última intervenção da autoridade, no que diz respeito à sustentabilidade dos sistemas de poupança e reforma, num contexto de envelhecimento populacional, bem como às transformações digitais e aos avanços em tecnologia e inteligência artificial, numa fase de transição climática e demográfica. Áreas que emergem como essenciais
para reforçar a competitividade do setor, que ao promover uma governação e supervisão de riscos, mais robusta e tempestiva, podem posicionar o setor segurador nacional de forma mais competitiva, no cenário global.

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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