Eleições antecipadas podem mudar poder na Alemanha. Como fica a Europa?
Democratas-cristãos lideram sondagens em conjunto com o "irmão gémeo mais conservador" da Baviera. Mesa do Conselho Europeu em risco de ficar com um socialista a menos.
Quando a Alemanha espirra, a Europa constipa-se, diz a velha máxima. Ainda não existem sinais de que a nível económico isso possa vir a acontecer – o primeiro-ministro afasta, para já, esse risco para Portugal – mas a instabilidade política naquela república federal pode afetar o futuro da União Europeia (UE), sobretudo em matérias mais fraturantes, como a imigração e o apoio à Ucrânia. A par de Pedro Sanchéz, Olaf Scholz é um socialista de peso entre os 27 Estados-membros, mas a partir de 2025 a presença do alemão no Conselho Europeu, já presidido por António Costa, pode deixar de ser uma realidade.
“Esta crise na Alemanha não contribui em nada para a estabilidade do projeto europeu“, conclui ao ECO o politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais pela Universidade Lusófona, José Filipe Pinto, apontando para o risco de o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) poder sair beneficiado das próximas eleições, depois de uma vitória nas eleições regionais, no estado da Turíngia, e de um segundo lugar nas europeias, em junho. “Sempre que o populismo cultural e identitário cresce, o projeto europeu retrocede“, diz.
“Enquanto não houver eleições, a União Europeia fica nas boxes“, aponta ao ECO Henrique Burnay, especialista em assuntos europeus, recordando que além da Alemanha também a governação em França “está fragilizada”. “A falta de clarificação sobre estas duas peças não são boas para a Europa”, diz. Mas afinal, o que é que aconteceu?
Na semana em que Donald Trump foi eleito 47º presidente dos Estados Unidos, do outro lado do Atlântico, na Alemanha, a coligação liderada por Olaf Scholz colapsava. O ministro das Finanças, Christian Lindner, líder do Partido Democrático Liberal (FDP) foi demitido, depois de Scholz o ter acusado de quebra de confiança por ter defendido publicamente uma política económica diferente. Scholz quer aumentar a despesa através do aumento da dívida, citando o impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia. Lindner opôs-se a isso, insistindo numa série de cortes nos impostos e nas despesas, nomeadamente, nas pensões.
Momentos mais tarde, o chanceler alemão (SPD) anunciava uma moção de confiança para 15 de janeiro, no Bundestag – um instrumento parlamentar usado para demonstrar apoio a um governo ou a um líder político.
A probabilidade de ser retirada a confiança a Scholz é elevada. A popularidade do chanceler está em mínimos e a chamada ‘coligação semáforo’ (por causa das cores dos partidos) – SPD, FDP e os Verdes – tem mostrado, desde início, dificuldades em manter-se à tona. Caso o chumbo concretize, o presidente Frank-Walter Steinmeier poderá dissolver o Bundestag no prazo de 21 dias, antecipando em seis meses as eleições do próximo outono, para março de 2025. Ou até mais cedo. Friedrich Merz, o líder da União Democrata-Cristã (CDU), partido conservador da oposição e favorito para assumir a chancelaria, pede que a moção seja votada ainda este mês.
No Twitter, Scholz não se compromete com uma data mas deixou um apelo: “Gostaria de realizar novas eleições o mais rápido possível. Deveríamos discutir a data com calma“.
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O cenário traz memórias da década de 1960 aos dois politólogos ouvidos pelo ECO. Se, por um lado, é a primeira vez, desde essa altura, que é formada uma coligação governativa com três partidos, por outro, é apenas a quarta vez na história da Alemanha que o mandato de um Governo é interrompido.
“Toda a situação é muito pouco alemã“, diz Burnay, embora José Filipe Pinto considere o desfecho como “altamente previsível” dado os tumultos entre “três partidos, cujas ideologias nunca eram as mesmas”.
CDU procura maioria com “irmão gémeo conservador”
“Neste momento, as primeiras sondagens, apesar de darem a vitória à CDU, não garantem uma maioria absoluta“, considera o politólogo da Universidade Lusófona, salientando o risco de o cordão sanitário ao partido de extrema-direita poder cair por terra se se concretizarem eleições, em março. Ou no limite, que ocorra, à semelhança do que se verifica em muitos países europeus, um voto de protesto no partido de extrema-direita.
Segundo o agregador de sondagens sobre a Alemanha do site Politico, a CDU está perto de recuperar o eleitorado que tinha aquando da última vitória de Angela Merkel, com as intenções de voto a apontarem para uma média de 32%. Por seu turno, AfD, que ganhou as últimas eleições regionais na Turíngia, e antes, assegurou o segundo lugar nas eleições europeias (à frente dos partidos do Governo), surge em segundo com cerca dos 17% votos.
Já o SPD, de Scholz, aparece em terceiro lugar, com 16% – a sua pior votação desde a Segunda Guerra Mundial. Mais dramática é a situação da Esquerda e do FDP que só reúnem 3% e 4% dos votos, respetivamente. Segundo as regras do parlamento alemão, os partidos precisam de, pelo menos, 5% dos votos para ter assento no hemiciclo. Quem fica acima desse limiar são os Verdes (10%) e o partido de extrema-esquerda, a Aliança Sahra Wagenknecht (7%).
Aos olhos de Filipe Pinto, perante a linha vermelha que a CDU impôs à AfD, o mais provável, e considerando o avanço que tem nas sondagens, será que os democratas-cristãos procurem apoio ao “irmão gémeo” da Baviera, o CSU, “que é muito mais conservador”,.
Mas o politólogo não faz, para já, apostas. “Tenho muitas dificuldades em prever que coligação pode sair do próximo processo eleitoral”, refere ao ECO, embora saliente que: “o eleitorado alemão coloca o interesse nacional acima de tudo”, não estando condicionado por ideologias políticas.
E como fica a Europa?
As eleições europeias permitiram perceber em que direção aponta a bússola política. O aumento do custo de vida, a crise na habitação, a guerra na Ucrânia e um aumento dos fluxos migratórios deverão marcar a campanha eleitoral na Alemanha, à semelhança do que tem acontecido um pouco por toda a Europa.
Em junho, os sociais-democratas (PPE) e os socialistas (S&D) mantiveram os papéis de partidos mais votados para o Parlamento Europeu, mas para surpresa de alguns, houve um crescimento da direita – sobretudo daquela mais extremada. Existem agora três partidos que se sentam mais à direita do PPE, uma realidade nunca antes vista em Estrasburgo, mas que reflete o cenário nos Países Baixos, Hungria, Polónia, Itália e Áustria.
Na mesa redonda do Conselho Europeu, instituição que reúne os chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-membros e que será liderada por António Costa, a maioria dos lugares é ocupado pelos líderes do PPE. Os lugares socialistas de peso são ocupados por Olaf Sholz e Pedro Sanchéz (Espanha).
“Com a eventual saída do chanceler, os socialistas ficam com menos um no Conselho Europeu. A figura mais importante passará a ser o líder espanhol, que, ao contrário de Scholz, não é um socialista moderado“, alerta Henrique Burnay, salientando que, em sentido contrário, o PPE pode passar a estar representado por um grande país. E isso será um desafio para António Costa.
O ex-primeiro-ministro, que se prepara para assumir a presidência da chefia dos 27, em Bruxelas, em dezembro, é conhecido entre os seus pares, em Portugal e na Europa, como uma figura que sabe criar consensos políticos. Mas para José Filipe Pinto, essa aptidão é mais visível e útil em cenários nos quais existe um equilíbrio entre a esquerda e direita.
“António Costa é um político hábil, mas que tem mais facilidade em criar consensos à esquerda e o que acontece é que vai ser obrigado a negociar com mais governos de direita, e até de extrema-direita. Nessa perspetiva, poderá ser difícil e tumultuoso o mandato de António Costa“, prevê o politólogo.
Quem poderá ficar numa posição reforçada será a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que os olhos de Henrique Burnay beneficia da instabilidade governativa dos Estados-membros para fazer valer a sua presidência. “Governos fracos têm ajudado a produzir uma Comissão forte“, diz o especialista em assuntos europeus.
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