Solvência 2.1: Como as Novas Regras Impactarão o Setor
Nuno Oliveira Matos, detalha os impactos que as novas regras de Solvência II terão nas empresas europeias. Reforça que maior transparência poderá representar vantagem competitiva.
O Conselho Europeu e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre as alterações à Diretiva Solvência II, com o objetivo de aperfeiçoar o quadro regulatório das empresas de seguros e resseguros (doravante referidas como “empresas de seguros” ou “empresas”) na União Europeia (UE).
O diploma foi formalmente adotado pelo Conselho da União Europeia no passado dia 5 de novembro de 2024. Seguir-se-ão, agora, os trabalhos de revisão jurídica e tradução, prévios à publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Após essa publicação, os Estados-membros terão 24 meses para transpor a diretiva para o ordenamento jurídico interno, pelo que a produção de efeitos da revisão não ocorrerá antes de meados de 2026.
Até essa data, são esperados desenvolvimentos regulatórios adicionais, resultantes dos diversos mandatos conferidos pela proposta de revisão da Diretiva Solvência II à Comissão Europeia e à Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) para a aprovação de regulamentação complementar. Nesse contexto, as recentes consultas públicas da EIOPA sobre um número de normas técnicas representa um passo essencial na implementação da revisão de Solvência II, especialmente em relação às análises macroprudenciais na autoavaliação de risco e solvência (ORSA) e do princípio da pessoa prudente (PPP).
Entre as principais mudanças acordadas, destacam-se a redução do custo de capital de 6% para 4,75% e a introdução do “fator lambda”, que reflete a dependência temporal dos riscos, permitindo uma melhor mensuração da volatilidade ao longo do tempo. Estas alterações projetam uma redução substancial na margem de risco, impactando diretamente a alocação de capital das empresas e potencialmente aumentando a capacidade para investimentos produtivos.
De salientar que, em eventuais revisões futuras, o custo de capital estará delimitado entre 4% e 5%.
No que concerne ao requisito de capital de solvência (SCR), os novos parâmetros de choques de taxas de juro combinam componentes absolutas e relativas, aplicando uma taxa mínima, que varia conforme o prazo. Esta alteração responde à volatilidade nos mercados de taxas de juro, de molde que as empresas de seguros sejam menos vulneráveis a choques económicos inesperados, contribuindo para uma maior resiliência do setor.
Outro avanço importante reside na inclusão, na própria Diretiva, dos critérios de elegibilidade para investimentos em ações a longo prazo, com o ajuste simétrico expandido de 10 para 13 pontos percentuais. Além disso, a remoção do sub-módulo de ações com base na duração e os novos requisitos para modelos internos reforçam o compromisso com uma avaliação mais precisa dos riscos subjacentes aos investimentos, bem como a necessidade de alinhamento com as melhores práticas de gestão do capital.
As mudanças no framework de Solvência II estão em sintonia com a evolução do setor, onde a resiliência financeira se entrelaça com a responsabilidade social e ambiental.
As medidas de garantia de longo prazo (LTG) também foram revistas. A extrapolação das taxas de juro sem risco passará a utilizar uma nova metodologia, com implementação gradual até 2032. O ajuste de volatilidade (VA) terá uma taxa de aplicação geral ampliada e um VA macroeconómico será introduzido para países da Zona Euro, refletindo as condições específicas das economias nacionais. Pequenas clarificações sobre o ajuste de correspondência (MA) e dos critérios de elegibilidade de ativos serão igualmente integradas nos atos delegados, promovendo maior uniformidade e clareza regulatória.
Ainda no âmbito do Pilar 1, a EIOPA será incentivada a reavaliar os parâmetros-padrão para o risco de catástrofes naturais, de modo a considerar o efeito das mudanças climáticas em curso (na frequência e severidade das catástrofes naturais).
No Pilar 2, as novas políticas para diversidade e independência dos órgãos de administração e fiscalização, além das quatro funções-chave, destacam a crescente importância do bom governo corporativo. Adicionalmente, a inclusão de temas como cibersegurança, gestão do risco de liquidez e riscos de sustentabilidade sublinha a necessidade de uma abordagem abrangente e adaptada às novas exigências do mercado.
A autoavaliação do risco e da solvência (ORSA) passará a incorporar análises de cenários macroeconómicos e projeções climáticas, considerando aumentos de temperatura global de até dois graus ou mais. Esta exigência representa uma evolução essencial para que as empresas de seguros compreendam e adaptem as suas políticas de investimento num cenário de transição para uma economia de baixo carbono.
No Pilar 3, os requisitos de relato regulamentar foram ajustados, com prazos alargados para os relatórios anuais e uma nova estrutura para o relatório de solvência e situação financeira (SFCR), que agora incluirá uma secção dedicada ao público geral e outra aos profissionais do mercado. Esta divisão visa democratizar o acesso à informação financeira, reforçando o papel das empresas de seguros como entidades de interesse público e, bem assim, aumentar a transparência junto dos consumidores.
Medidas de proporcionalidade foram integradas para reduzir a carga administrativa das “empresas de seguros pequenas e não complexas”, cuja elegibilidade tem critérios específicos e objetivos. Essas empresas poderão adotar medidas simplificadas de relato regulamentar e de governo corporativo, promovendo-se, assim, um ambiente regulatório mais equilibrado e proporcional.
Finalmente, a revisão reforça a relevância dos investimentos a longo prazo e incentiva alocações em projetos sustentáveis. Não obstante, embora a estabilidade financeira deva prevalecer sobre a sustentabilidade, talvez tivesse sido oportuno introduzir uma carga de capital diferenciada para “investimentos verdes” e “investimentos castanhos”, reconhecendo a importância de uma transição equilibrada para uma economia de baixo carbono, algo que, aliás, chegou a ser cogitado.
Em complemento à revisão de Solvência II, introduzir-se-á um regime específico de recuperação e resolução de empresas de seguros, com o objetivo de proteger o sistema financeiro e os contribuintes, estabelecendo mecanismos para uma intervenção ordenada em situações de insolvência. Esse sistema preenche uma lacuna do atual quadro regulatório, trazendo mais segurança aos consumidores e robustez ao setor.
Em suma, as mudanças no framework de Solvência II estão em sintonia com a evolução do setor, onde a resiliência financeira se entrelaça com a responsabilidade social e ambiental. Como mencionei num artigo de opinião anterior, a transparência regulatória não deve ser vista apenas como uma exigência, mas como uma verdadeira vantagem competitiva. Tal abordagem fortalecerá o papel da indústria seguradora como uma força catalisadora na construção de uma economia mais sustentável e resiliente.
À medida que nos aproximamos de 2026, a questão que se nos coloca é se estarão as empresas de seguros prontas para abraçar esta nova era de resiliência e sustentabilidade ou se serão surpreendidas pelas mudanças que elas próprias ajudaram a moldar?
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