Há que incentivar fundos de investimento institucionais a investir em venture capital. Atrair capital privado não pode ser só através do SIFIDE ou golden visa, diz Stephan Morais da Indico e APCRI.
O Governo português anunciou, na edição deste ano na Web Summit, um fundo de mais de 100 milhões para investir em deeptech. E o Fundo de Investimento Europeu (FEI) avançou com um apoio de 90 milhões a três fundos nacionais, que o FEI espera que mobilize mais de 400 milhões de euros para o ecossistema europeu de capital de risco.
Stephan Morais, sócio-fundador da Indico Capital e presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI), comenta esta potencial liquidez a chegar ao mercado nacional, mas deixa alertas.
Fundos terão desafios em mãos na angariação de capital privado. E há que incentivar fundos de investimento institucionais a investir em venture capital. O ecossistema não tem saúde se depender apenas de programas públicos.
Foi quase uma cascata de anúncios esta Web Summit. O Fundo de Investimento Europeu anunciou 90 milhões para três fundos nacionais. O ministro da Economia mais de 100 milhões para deeptech. Como olha para esta liquidez a chegar ao mercado português?
É muito importante que o Fundo Europeu de Investimento (FEI) continue a confiar em fundos portugueses, para que possam levantar capital privado. Os fundos selecionados pelo FEI têm que levantar capital privado para poderem realmente ter acesso aos fundos do FEI. Esperamos que os fundos agora anunciados tenham sucesso em conseguir captar investimento privado. É super positivo e mostra que há uma geração de fundos portugueses que estão a consolidar-se, a ficar cada vez mais estáveis, estabelecidos e com um futuro pela frente.
Em relação ao fundo de deeptech é positivo, só está por clarificar quem vai gerir o fundo. (…) Não há track record de entidades públicas conseguirem captar capital privado.
Em relação ao fundo de deeptech é positivo, só está por clarificar quem vai gerir o fundo e se inclui capital privado por matching de outros fundos no mercado, ou se é a própria entidade gestora, que não sabemos se é pública ou privada, que vai captar capital privado para gerir conjuntamente com o capital público.
Não há track record de entidades públicas conseguirem captar capital privado. Não temos ainda indicação, mas, em todo caso, havendo capital disponível para as empresas portuguesas deeptech aumenta o perfil da nossa economia e a competitividade das empresas que sejam apoiadas por fundos privados que, segundo entendo, terão hipótese de aceder a esse capital público.
É a aposta certa? Era já altura de um fundo do Estado, com alguma dimensão, dirigido a esta área?
O deepetch é muito abrangente. Ou seja, hoje em dia é quase tudo deeptech. O que não é? Talvez marketplaces dirigidos ao consumidor final, mas tudo que envolva inteligência artificial, cibersegurança, novos materiais, biotecnologia, space tech… É quase tudo exceto aplicações para telemóveis e gaming ou, se calhar, até isso.
É positivo que se continue a investir em empresas de elevado conteúdo tecnológico, pois temos de criar empresas em Portugal que não são as mesmas de há dez anos, empresas de cloud, software as a service (SaaS) para determinados verticais que, se calhar, hoje em dia também está dentro do deeptech. Já não é a mesma coisa que fazer aplicações para telemóveis.
A Web Summit serve para isso. Não é só para anúncios, não é só para captar investimento para delegações de países. Pelos números que ouvi, 71.000 participantes e 3.000 empresas a expor, a quantidade de encontros bilaterais, em grupos, provavelmente a Web Summit nunca esteve tão forte em termos de criação de oportunidades de negócio.
Há que dar um passo em frente, é isso?
São coisas mais complexas. E aí a Europa está muito atrás dos Estados Unidos neste momento. Portanto, é positivo que haja esforços no sentido do Governo e do Estado de quererem incentivar de alguma maneira que essas empresas tenham a hipótese de vingar.
E a chegada deste dinheiro dos fundos às startups? Acompanhou esta edição da Web Summit. Houve negócios a serem fechados?
Contrariamente às expectativas que a Web Summit estava a perder algum gás, não é isso que está a acontecer. Aliás, houve um enfoque da equipa da Web Summit em proporcionar cada vez mais fóruns de encontro entre os investidores — coisas simples como um grupo WhatsApp para os investidores poderem falar, combinar, ir a eventos uns dos outros, estabelecer relações.
Foram criados também os Meet Ups, encontros de tecnologias específicas para que quem tenha esse interesse — seja startups, seja investidores — irem lá conversarem, conhecerem-se.
Muitos unicórnios eram uma pequena banquinha de um metro em 2017, 2015, 2014 e hoje em dia são empresas que valem bilhões de dólares e estão a dominar alguns mercados. Mostra que é importante haver eventos desta natureza e que é muito importante para Portugal que isto continue a ser aqui em Portugal.
Voltou-se a fomentar, em grande escala, mas de uma forma distribuída, que as pessoas falem umas com as outras. A Web Summit serve para isso. Não é só para anúncios, não é só para captar investimento para delegações de países. Pelos números que ouvi, 71.000 participantes e 3.000 empresas a expor, a quantidade de encontros bilaterais, em grupos, provavelmente a Web Summit nunca esteve tão forte em termos de criação de oportunidades de negócio.
Uma das coisas que achei muito impressionante terem feito este ano foi relembrar que empresas como a Revolut, a Uber foram pequenas empresas que se mostraram ao público pela primeira vez há sete, nove, dez anos na Web Summit. Muitos unicórnios eram uma pequena banquinha de um metro em 2017, 2015, 2014 e hoje em dia são empresas que valem biliões de dólares e estão a dominar alguns mercados. Mostra que é importante haver eventos desta natureza e que é muito importante para Portugal que isto continue a ser aqui em Portugal.
O ministro das Finanças já disse que vão fazer “todo o possível” para que se mantenha no pós-2028, ano em que termina o contrato.
Acho que é positivo. O investimento que Portugal possa fazer neste certame seguramente é mais do que compensado pela atividade económica direta ou indireta que é feita. Até há muitos patrocinadores, há muitos eventos. Há um valor económico de curto prazo óbvio e imediato para a cidade, mas depois também há, não só um branding para o país, porque muita gente continua a vir pela primeira vez.
Depois para o ecossistema nacional, para startups portuguesas e para os investidores nacionais é muito importante que estejam cá, porque estamos a jogar em casa.
Quando falo de capital privado, não estou a incluir nem SIFIDE, nem golden visa porque apesar de ser capital privado tem muitas restrições. (…) É um capital que cujos incentivos, de alguma forma, por vezes distorcem o mercado.
Como presidente da APCRI defende a necessidade de trazer mais capital privado para o venture capital. Estes fundos vão ter de levantar esse capital privado, terão um trabalho fácil pela frente?
Não é um trabalho fácil. A APCRI tem defendido junto do Estado e dos governos sucessivos que tem que haver um trabalho, por exemplo, como o que se está a fazer em Inglaterra, como já se fez em França e se está agora a fazer na Alemanha: um grande incentivo a que os fundos de capital institucional nacionais invistam, nem que seja uma muito pequena parte, nesta classe de ativos.
Hoje em dia isso não acontece. O Estado ou o FEI pode, obviamente, anunciar e pôr em prática, programas de investimento em fundos, mas nunca passam de metade do fundo ou algo parecido. A outra metade tem que vir dos privados. E Portugal é dos países que está mais no fundo da tabela em termos de capital privado a investir nesta classe de ativos.
Quando falo de capital privado, não estou a incluir nem SIFIDE, nem golden visa, porque, apesar de ser capital privado — é capital útil e tem feito com que a indústria exista e possa investir em PME e startups de sucesso — tem muitas restrições. Tem restrições temporais, de percentagens, certificações várias, burocráticas. Não é um capital disponível para investir só nas melhores oportunidades. É um capital que cujos incentivos, de alguma forma, por vezes distorcem o mercado. Portanto, é melhor que nada, mas está longe de ser ideal.
Temos que passar para o patamar seguinte, como indústria e como país, que é ter capital institucional constante a entrar no mercado todos os anos, tal como fazem em todos os outros países da Europa e nos Estados Unidos. Programas em que, tal como os grandes detentores de capital em Portugal, investem em empresas cotadas, em obrigações de grandes empresas, em mobiliário e noutras classes ativas, que também dediquem uma pequena parte dos seus ativos sob gestão à indústria do venture capital e do private equity.
O private equity tem um bocadinho mais de acesso — é uma indústria mais conhecida, com maior longevidade —, mas na realidade, para se mudar o perfil da economia portuguesa, também precisamos de investimento institucional privado em venture capital. E isso hoje em dia não existe. Daí o sucesso de captação dos fundos de capital SIFIDE ou de golden visas, quando conseguem, porque não há mais nada. É isto que tem que mudar.
Tem de haver maior diversidade de fontes de capital.
Tem que haver capital profissional, de fontes normais como existe nos outros países. Não vamos ter um ecossistema sustentável com programas apenas do Estado ou com programas que têm a ver com incentivos fiscais.
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“Não teremos um ecossistema sustentável com programas de financiamento apenas do Estado”
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