Propostas recorde da oposição ameaçam desvirtuar primeiro orçamento do Governo

O primeiro Orçamento do Governo de Montenegro começa hoje a ser votado. No Parlamento, deram entrada mais de duas mil propostas de alteração, e os partidos prometem fazer finca-pé nas suas bandeiras.

A proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025) vai começar a ser votada esta sexta-feira na Assembleia da República. O documento, apresentado foi escrutinado e dissecado pelo Parlamento desde outubro mas, como esperado, não convenceu a oposição. No total, foram entregues mais de duas mil propostas de alteração, ameaçando desvirtuar a primeira proposta de orçamento de Luís Montenegro.

Uma proposta de orçamento sofrer alterações até ao último momento da votação, não é novidade. Aliás, é bastante expectável que assim aconteça por ser um documento que é votado no Parlamento e por não haver uma maioria absoluta. A grande diferença entre esta legislatura e as anteriores é que houve uma maior exposição pública sobre a discussão da proposta — que, este ano, começou em julho — e uma maior pressão sobre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos face ao risco de eleições antecipadas.

Sendo um Governo minoritário foi muito mais pressionado a fazer entendimentos com o maior partido da oposição“, diz Paula Espírito Santo, politóloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP). Mas o PS não é a única peça crítica na discussão do OE 2025.

O número recorde pode ser interpretado como os partidos a quererem recordar o peso da nova composição do Parlamento e uma tentativa de tentar impor propostas que vão ao arrepio do documento original”, considera ao ECO Bruno Ferreira da Costa, professor de Ciência Política na Universidade da Beira Interior, admitindo ser real o risco de o documento final poder divergir, da proposta do Governo, sobretudo nas principais bandeiras.

“Há alguma margem para que se repitam as coligações negativas que fomos vendo nos últimos meses, em determinados pontos, e os partidos da oposição consigam unir um conjunto de propostas que vão acarretar um peso adicional no OE”, prevê o politólogo, sobretudo na área social e setorial.

Desde a tomada de posse do novo Governo, foram várias as propostas adotadas à revelia do Executivo – entre elas, o fim das portagens nas ex-SCUT, o alargamento do IVA a 6% na eletricidade e a descida do IRSpondo em causa o programa e a força do Governo. PS e Chega foram os principais protagonistas tendo na altura o PSD anunciado que ia lançar um site com o custo total das propostas aprovadas pela oposição – uma tentativa de atirar para o outro lado da barricada a responsabilidade de eventuais falhas na concretização das promessas eleitorais.

Embora a plataforma ainda não tenha vindo a público, o Governo e os partidos que o suportam têm deixado sucessivos avisos em relação às consequências para um orçamento desvirtuado. Sobretudo ao PS que, depois de sucessivos dias a negociar “linhas vermelhas” com o Executivo, em setembro, anunciou que se ia abster da votação, permitindo que o documento fosse viabilizado na generalidade.

"A melhor solução para o país é ter um Orçamento do Estado aprovado, que siga o Programa do Governo, que não seja nem chumbado, nem desvirtuado”

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças

Na especialidade, a realidade será outra, uma vez que os socialistas vão para o debate preparados para defender as suas bandeiras, à semelhança das restantes bancadas. Seja no que toca às pensões, ou nas áreas da saúde, a habitação e a educação, os partidos já apresentaram as suas ideias e os custos que representam. Já o PS — um elemento chave para a viabilização do documento, dada a composição do Parlamento — promete que as propostas que vai defender no hemiciclo não vão pôr em causa as contas públicas. Até porque isso, seria usado como munição pelo próprio Executivo.

O próprio Governo poderá clamar, publicamente, que queria ir mais longe [nas reformas] mas estabeleceu-se um equilíbrio negativo que não permitiu que isso acontecesse. Se a proposta inicial, tal como ela chegou o Parlamento, não for por diante, poderá levar a que o [Executivo] use esse trunfo”, considera Paula Espírito Santo.

“O PS terá, certamente, a consciência de quais são as linhas vermelhas do ponto de vista do desvirtuamento do orçamento que podem conduzir o Governo a assumir uma estratégia de vitimização, dizendo que perante isto não querem governar”, analisa o politólogo, sugerindo a título de exemplo, que a proposta socialista para as pensões dificilmente será adotada, tal como tem sido sinalizado pelo Governo, isto depois de o Executivo já ter modelado a proposta do IRS Jovem na sequência das negociações “muito duras” com o PS.

“O processo de negociação já obrigou o Governo a alterar algumas medidas. Acomodar novas propostas, ou desvirtuar o orçamento nem que seja em duas ou três medidas, acrescenta dificuldades ao Governo ainda que permita continuar a mandar a mensagem de que em determinados setores não consegue ir mais além por força do Parlamento“, reitera Bruno Ferreira da Costa, recordando uma mensagem difundida pelos ministros: será difícil apostar no crescimento da economia se grande parte da despesa orçamental continuar a ser para despesa social. “E isso limita a ação do Governo”, avisa.

Mas não é líquido de que essa narrativa chegue com sucesso ao público, seja por “dificuldades de comunicação política” ou até mesmo pela natureza das próprias propostas que são aprovadas, uma vez que algumas “alimentam setores importantes do eleitorado”.

Não me parece que o Governo, e mesmo o líder parlamentar Hugo Soares, consiga transmitir essa mensagem e até mesmo criar um elo de ligação emocional com o eleitorado para explicar o que se passa”, aponta o politólogo. “O eleitorado acaba por compreender as coligações negativas se isso significar um aumento progressivo das pensões, de subsídios, apoios ou melhores condições laborais”, diz.

Risco de eleições ainda não está “completamente” mitigado

Assim sendo, a questão que se coloca é se será mais politicamente rentável para Luís Montenegro governar com uma proposta orçamental que diverge do documento original ou forçar eleições antecipadas — um cenário que “não está completamente afastado”.

“Teoricamente, eleições antecipadas podem favorecer um Governo que acredita que nos últimos meses tem criado um conjunto de iniciativas reformistas e que isso são provas de que está a trabalhar”, sugere o politólogo, acrescentando que num cenário de “desvirtuamento profundo” do orçamento, essa será a narrativa do Executivo de Montenegro.

"Se houver um desvirtuamento profundo do orçamento, a narrativa de que Luís Montenegro não aceita governar com um orçamento do Governo seria adotada para forçar, no próximo ano, face aos limites constitucionais, um cenário de eleições antecipadas.”

Bruno Ferreira da Costa, professor de Ciência Política na Universidade da Beira Interior.

Mas ir por essa via seria um “risco muito significativo”, não só porque as últimas sondagens não comprovam a existência de uma distância folgada entre o PS e a Aliança Democrática (coligação que junta PSD e CDS-PP), mas também porque o último mês não tem sido “particularmente positivo” para a imagem do Governo devido às polémicas na administração interna (com a morte de Odair Moniz) e na saúde (as alegadas mortes que resultaram por falhas no INEM). “Áreas muito sensíveis para a população, sobretudo para a população mais velha”, salienta Paula Espírito Santo.

Assim, a falta de saldo político é o que poderá impedir o Governo de contestar governar com um orçamento que não seja inteiramente do próprio. “Nenhum partido está com vantagem política o suficiente para forçar eleições“, sublinha a politóloga. “Particularmente o PSD e CDS-PP. O tempo que passou [desde as últimas eleições] é pouco”, argumenta

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