Falta “literacia financeira” nos gestores da têxtil, alerta estudo do Ministério da Economia

Ameaçadas por serem pequenas, pouco capitalizadas, sem marcas próprias e dependentes de matérias-primas do Oriente, empresas do têxtil e vestuário empregam 128 mil pessoas e exportam para 208 países.

Ainda que a maioria das médias e grandes empresas do setor tenham um staff técnico de apoio à gestão qualificado, “existe um caminho a percorrer quanto à literacia financeira nos quadros de gestão de muitas das empresas da indústria têxtil e do vestuário (ITV), que lhe permita uma tomada de decisão informada e eficiente sobre investimentos e o recurso a financiamento, bem como na preparação estratégica para dar resposta às mudanças tecnológicas e à sua incorporação nos modelos de negócio”.

O alerta é feito pelo Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) do Ministério da Economia relativamente a um setor com mais de 12.200 empresas que empregam cerca de 128 mil trabalhadores (17,3% do emprego da indústria transformadora) e que representa quase 10% do VAB (gera 2,7 mil milhões de euros) no contexto industrial e 1,3% do PIB nacional. Esta terça-feira, os operadores juntam-se na Casa das Artes, em Famalicão, para o fórum anual organizado pela principal associação patronal (ATP), com o tema “Estratégias para uma parceria eficaz entre marcas e indústria”.

“A resposta aos desafios do setor implica quadros de gestão nas empresas com conhecimento técnico ao nível dos processos de fabricação têxtil e de produção de vestuário, assim como de acompanhamento das últimas tendências de moda, tecnologias têxteis e inovações na indústria, com princípios de sustentabilidade e ética, quer ao nível das práticas sustentáveis da indústria quer ao nível das questões éticas e sociais associada à produção de vestuário, mas também com capacidade de trabalhar em ambientes internacionais”, adverte na 1.ª Edição dos Estudos Setoriais 2030 publicada pelo GEE, dedicada à ITV em Portugal.

Competências ao nível da gestão de topo pressionadas pela urgência de “práticas de produção, materiais e produtos sustentáveis e avanços tecnológicos na produção e distribuição”, mas também pela exposição à concorrência internacional. É que a ITV portuguesa vende para 208 dos 220 mercados de destino dos bens nacionais, ainda que 80% venha dos quatro principais: Espanha, França, Alemanha e EUA.

No ano passado, em que as exportações baixaram mais de 5% para 5.815 milhões de euros, o peso no volume de negócios atingiu 70,2% no vestuário e moda, que valeu seis em cada dez euros faturados pelo setor no exterior. O que mais saiu das fábricas? T-shirts, camisolas interiores e artigos semelhantes de malha (12,1% do total).

No que toca aos trabalhadores, o estudo calcula em 21.252 euros o valor com que cada um deles contribuiu para a riqueza nacional em 2022, com a chamada produtividade aparente do trabalho (VAB por trabalhador) a oscilar entre o máximo de 30,9 mil nos têxteis técnicos e o mínimo de 18,3 mil na moda e vestuário. Um ano antes, o último para o qual dispõe de registos, a remuneração base média mensal dos trabalhadores por conta de outrem ficou-se pelos 840 euros (montante ilíquido, antes da dedução de quaisquer descontos, em dinheiro e/ou géneros, pago com caráter regular e correspondente ao período normal de trabalho).

Na comparação europeia, as remunerações em Portugal foram as que mais subiram na fabricação de têxteis e na indústria do vestuário entre 2015 e 2022.

Ainda assim, na comparação europeia e tendo por base os valores de 2022 face a 2015, um período marcado por sucessivos aumentos do salário mínimo nacional, assinala o mesmo documento que as remunerações em Portugal foram as que mais subiram na fabricação de têxteis e na indústria do vestuário, com acréscimos de 35,8% e 34,8%, respetivamente.

Já o desemprego no setor tem vindo a diminuir desde 2010, com exceção do ano da pandemia, com os dados oficiais a registarem 9.491 pessoas desempregadas neste setor em 2023, equivalente a 3,4% do total no país.

Ambos os segmentos da ITV são intensivos em mão-de-obra, sendo necessárias 51,1 pessoas ao serviço no vestuário e 35,4 no fabrico de têxteis para gerar 1 milhão de euros de VAB, superior à média da indústria transformadora portuguesa (25,9 pessoas).

E evidenciando o problema de dimensão identificado neste estudo, por faltarem empresas de tamanho grande, globais e capazes de atingir economias de escala, ambos “perdem” também para a média da indústria no indicador relativo às vendas médias por empresa (um milhão no vestuário e 2,2 milhões nos têxteis).

Evolução dos principais indicadores das empresas da ITV

Fonte: GEE do Ministério da Economia, com base nas estatísticas das empresas (SCIE/INE)

Por outro lado, os resultados mais recentes do Banco de Portugal indicam que a autonomia financeira das empresas da ITV cresceu na última década (era de 42% em 2022), “o que reconhece o esforço de capitalização pelas empresas do setor”. No entanto, como reconhece num comentário ao estudo o ministro da Economia, Pedro Reis, “persistem dificuldades como a falta de capitalização de algumas empresas, a escassez de mão-de-obra qualificada e uma produtividade ainda relativamente baixa”.

Na análise SWOT, o gabinete ministerial inclui-as na lista de ameaças: empresas pouco capitalizadas, falta de atratividade de funções fabris e baixa produtividade, inferior à média da indústria transformadora.

Outro fator de risco relevado neste documento é a dependência externa da indústria portuguesa ao nível das matérias-primas têxteis, que faz o país “depender largamente dos preços” praticados pelos fornecedores no Oriente.

Aconselha à diversificação das geografias de origem e também com produtos substitutos, notando que “uma das soluções é a produção de materiais de origem bio, que sejam produzidos o mais localmente possível, aproveitando sinergias com outras indústrias, como é o caso da produção de fibras a partir de biomassa, que conta já com duas fábricas em Portugal, ou a experiência que decorre com resíduos de materiais de desperdício da indústria agroalimentar”.

Marcas próprias fora da prateleira industrial

No 26º Fórum da Indústria Têxtil, o principal evento de reflexão estratégica do setor, o foco está este ano no reforço das parcerias entre a indústria e as marcas como forma de ultrapassar os desafios da indústria da moda, com a participação de nomes como Chelsea Franklin (Pangaia), Manuel Lopez Tocci (El Corte Inglés) ou Federico Bigliardi (D.Rt).

Isto porque a atividade da maioria das empresas portuguesas assenta num modelo produtivo de private label e no negócio business-to-business (B2B). São subcontratadas por grandes empresas e continuam fora do circuito das marcas próprias e afastadas do contacto direto com o mercado de retalho.

O GEE do Ministério da Economia adverte que a ITV portuguesa poderia “beneficiar de um maior domínio na cadeia de valor, em especial através de marcas próprias e de redes de distribuição de proximidade do cliente final”, atacando modelos business-to-consumer (B2C), nomeadamente online.

Mas os participantes no focus group identificam barreiras ainda intransponíveis, como o investimento numa marca própria envolver “montantes consideráveis e de retorno de médio/longo prazo”; ou a obrigação de constituir empresas noutros países para venderem em plataformas, como é o caso do marketplace na Alemanha.

“As exportações de produtos com marcas nacionais representam uma reduzida proporção da atividade da ITV nacional, sendo que a estratégia adotada pelas empresas da ITV portuguesa tem passado por investir em multimarcas. No entanto, as empresas não podem assentar a sua estratégia apenas em grandes marcas, sendo igualmente necessárias as de média e baixa gama para um retorno rápido e duradouro”, sublinha este estudo setorial, assinado pelas autoras Sílvia Santos, Vanda Dores, Mariana Areosa Santos e Joana Almodovar.

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