Prémio de risco de França dispara e revive trauma da crise da Zona Euro

O spread das obrigações francesas a 10 anos face às alemãs disparou para níveis da crise de 2012, e nas maturidades mais curtas, França já é vista como mais arriscada que a Grécia.

O mercado de dívida soberana francesa está a atravessar um período de grande turbulência, com os investidores a demonstrarem crescente preocupação face à instabilidade política que se vive no país desde as últimas eleições legislativas.

O prémio de risco exigido para deter obrigações francesas face às alemãs (Bunds) atingiu níveis não vistos desde a crise da dívida soberana na Zona Euro, refletindo os receios dos investidores quanto à capacidade do governo de Michel Barnier para aprovar o Orçamento do Estado para 2025.

O spread entre as yields das obrigações francesas a 10 anos e as suas congéneres alemãs já chegou a subir até aos 89 pontos base, o nível mais elevado desde 2012, colocando o prémio de risco de França praticamente ao mesmo nível da Grécia, algo inédito na história da Zona Euro. Esta pressão dos mercados é ainda mais visível nas maturidades mais curtas de dois e cinco anos, em que o spread das obrigações francesas (face às Bunds) já supera o das obrigações gregas.

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Esta situação reflete a crescente apreensão dos investidores face à instabilidade política em França, resultante do governo que saiu das eleições legislativas realizadas a 30 de julho e 7 de julho. O governo de coligação liderado por Michel Barnier não dispõe de maioria absoluta no parlamento, o que dificulta a aprovação de medidas cruciais, como o Orçamento do Estado do próximo ano.

O caso ganhou uma dimensão tal que, na terça-feira, numa entrevista ao canal TF1, o primeiro-ministro francês alertou para o risco de “turbulência orçamental grave” caso o seu governo caia na sequência de um eventual chumbo do Orçamento para 2025. Barnier afirmou inclusive que “haverá uma grande tempestade e turbulência muito séria nos mercados financeiros” se o Orçamento não for aprovado.

“Os mercados estão muito preocupados”, refere Bruno Cavalier, economista-chefe da Oddo BHF, citado pelo Le Monde. “O equilíbrio das contas públicas exige medidas a longo prazo”, destacou ainda o especialista.

Este cenário de incerteza está a gerar uma onda vendedora sobre os títulos de dívida francesa, com os investidores a apostarem no colapso do governo e na possibilidade de uma mudança governamental que poderá resultar em políticas orçamentais ainda mais expansionistas, gerando uma pressão adicional sobre as finanças públicas francesas.

Michel Barnier, primeiro-ministro francês, vaticina “uma tempestade bastante grave” nos mercados financeiros caso o seu governo colapse no seguimento do chumbo do Orçamento do Estado para o próximo ano.David Fitzgerald/Web Summit/Flickr

Governador do Banco de França pede clareza

Perante este cenário de instabilidade, que desde esta manhã se tem também traduzido numa queda de quase 1% do principal índice da Euronext Paris (CAC40) e com quase todos os setores em terreno negativo, o governador do Banco de França, François Villeroy de Galhau, pediu clareza em redor dos planos para corrigir as finanças do país enquanto o governo luta para aprovar o Orçamento no parlamento.

O apelo do governador surge num momento crítico para as finanças públicas francesas. O défice orçamental do país deverá atingir 6,1% do PIB este ano, muito acima do limite de 3% estabelecido pelas regras orçamentais europeias. A dívida pública, por sua vez, atingiu 112% do PIB no final de junho, um nível considerado “colossal” por muitos analistas.

“É difícil estar muito otimista com a trajetória de França”, referiu Mark Dowding, responsável do departamento de investimento do RBC BlueBay Asset Management, citado pelo Financial Times.

O plano orçamental apresentado por Barnier para 2025 prevê um corte de 60 mil milhões de euros, dos quais 40 mil milhões em reduções de despesa e 20 mil milhões em aumentos de impostos sobre grandes fortunas e empresas. O objetivo é reduzir o défice para 5% do PIB no próximo ano, uma meta que muitos consideram ambiciosa dado o atual contexto político e económico.

A aprovação do Orçamento do Estado para o próximo ano revela-se crucial não só para a estabilidade financeira de França, mas também para a sua credibilidade junto dos parceiros europeus e dos mercados internacionais. Em outubro, apesar de manter o rating inalterado em “AA-”, os analistas da Fitch reviram para “negativo” o outlook da economia francesa por conta de todas estas dificuldades.

O primeiro-ministro francês enfrenta assim um duplo desafio: por um lado, precisa de convencer os partidos da sua coligação e a oposição a apoiarem o Orçamento; por outro, tem de evitar medidas demasiado austeras que possam desencadear protestos sociais, como os que marcaram o movimento dos “coletes amarelos” no passado.

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