Dívida pública mundial pode ser pior do que parece, alerta FMI. Em 2030 pode já superar 100% do PIB

O Fundo Monetário Internacional adverte para a trajetória insustentável da dívida global, alertando para a necessidade de muitos países terem de promover ajustes orçamentais do valor de 3,8% do PIB.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) lança um alerta preocupante no seu mais recente relatório Fiscal Monitor, publicado esta terça-feira: a dívida pública global pode estar numa trajetória ainda mais insustentável do que as projeções oficiais sugerem.

Segundo o documento produzido pela equipa de analistas do departamento de finanças públicas do FMI liderado por Vítor Gaspar, a dívida pública mundial deverá ultrapassar os 100 biliões de dólares até ao final de 2024, cerca de 93% do PIB global. Mas o cenário piora nas projeções para o final da década, com o rácio da dívida a aproximar-se perigosamente dos 100% do PIB em 2030.

“Este valor é dez pontos percentuais do PIB acima do nível de 2019, ou seja, antes da pandemia”, referem os técnicos do FMI, notando que a situação é particularmente desafiadora em países como França, Itália e Reino Unido, onde a dívida não está projetada para estabilizar nos próximos anos sem ajustes orçamentais adicionais.

O relatório estima que, para estabilizar a dívida com alta probabilidade, seria necessário um ajuste orçamental cumulativo de 3,6% do PIB em média nos países onde a dívida está projetada para estabilizar, e de 4,5% do PIB nos países onde a dívida continua a crescer.

As razões para esta evolução preocupante da dívida pública mundial são várias, mas o Fundo destaca três fatores principais:

  1. Pressões crescentes para aumentar a despesa pública em áreas como a transição verde, cuidados de saúde, envelhecimento da população e defesa;
  2. Um viés de otimismo nas projeções oficiais de dívida, que tendem sistematicamente a subestimar os níveis futuros;
  3. A existência de “dívida não identificada” significativa, sobretudo em economias emergentes, que pode materializar-se de forma abrupta em períodos de stress financeiro.

Embora o panorama não seja homogéneo, com o FMI a prever que a dívida pública estabilize ou diminua em dois terços dos países, o Fiscal Monitor de outubro mostra que “os futuros níveis de dívida poderão ser ainda mais elevados do que o previsto e que são necessários ajustamentos orçamentais muito maiores do que os atualmente projetados para a estabilizar ou reduzir com elevada probabilidade.”

Riscos elevados e assimétricos

Um dos aspetos mais preocupantes da análise da equipa de analistas de Vítor Gaspar é que os riscos em torno das projeções de dívida estão fortemente inclinados para continuarem a crescer.

Utilizando uma nova abordagem denominada debt-at-risk, os economistas do FMI estimam que a dívida global possa atingir 115% do PIB num cenário adverso extremo no espaço de três anos — quase 20 pontos percentuais acima das projeções atuais para 2026 presentes no relatório World Economic Outlook.

O relatório do FMI destaca que os países estão cada vez mais vulneráveis a fatores globais que afetam os seus custos de financiamento, incluindo os efeitos de contágio de uma maior incerteza política em países sistemicamente importantes, como os EUA. O que é uma preocupação, dado que os níveis de dívida de muitos países são elevados, potenciando assim uma amplificação dos efeitos negativos num eventual cenário de crescimento mais fraco ou de condições financeiras mais restritivas sobre os níveis futuros de dívida, alertam os especialistas do Fundo.

A dívida pública elevada é uma preocupação generalizada e mesmo para alguns países onde os níveis de dívida pública parecem gerenciáveis, os riscos são elevados e os resultados efetivos da dívida nos próximos anos podem ser piores do que o projetado.

Face a este cenário, o Fundo defende a necessidade de ajustamentos orçamentais duradouros e cuidadosamente desenhados na maioria dos países para estabilizar ou reduzir os rácios de dívida com uma probabilidade elevada.

No entanto, alerta que “tendo em conta os riscos específicos de cada país em torno das perspetivas da dívida, os ajustamentos orçamentais atuais — em média, de 1% do PIB ao longo de seis anos até 2029 — mesmo que implementados na íntegra, não são suficientes para reduzir ou estabilizar significativamente a dívida com uma alta probabilidade”.

Os cálculos do Fundo apontam para a necessidade de um aperto orçamental cumulativo de cerca de 3,8% do PIB até 2029 para garantir uma alta probabilidade de estabilização da dívida numa economia média. Mas em países onde não se projeta a estabilização da dívida, como a China e os EUA, o FMI refere que “o esforço necessário é substancialmente maior.”

Focando a análise na Zona Euro, o FMI alerta que adiar os ajustes orçamentais necessários seria custoso e arriscado para os países europeus, pois a correção exigida se tornaria ainda maior com o passar do tempo.

Por essa razão, os especialistas recomendam que os governos europeus aproveitem o atual momento de abrandamento da inflação e de corte das taxas diretoras do Banco Central Europeu para implementarem consolidações orçamentais graduais, mas sustentadas nos próximos anos.

Impactos no crescimento económico e na desigualdade

O FMI reconhece que ajustamentos orçamentais desta magnitude, se não forem bem calibrados, terão custos significativos em termos de atividade económica e poderão prejudicar grupos vulneráveis, aumentando assim a desigualdades nas sociedades.

Por isso, o Fundo defende a adoção de um desenho cuidadoso das medidas de consolidação orçamental por parte dos governos nos próximos anos para mitigar os custos do ajustamento e obter apoio público para as reformas necessárias.

“A escolha das medidas orçamentais é importante porque os impactos não são iguais e envolvem trade-offs”, refere o FMI, sublinhando que cortes no investimento público geram fortes perdas no PIB e prejudicam as perspetivas de crescimento de longo prazo, enquanto reduzir as transferências sociais prejudica as famílias vulneráveis e aumenta a desigualdade.

É também nesse sentido que os economistas do Fundo referem que “um ajustamento bem concebido — que combine medidas em matéria de despesas e de receitas — pode atenuar significativamente os efeitos adversos sobre o produto e a desigualdade e é mais suscetível de ser socialmente aceite.” Nesse sentido, o FMI traça recomendações diferenciadas para economias avançadas e emergentes.

  • As economias avançadas devem avançar com reformas dos direitos adquiridos, repriorizar despesas e aumentar receitas onde a tributação é baixa.
  • As economias emergentes e em desenvolvimento têm maior potencial para mobilizar receitas fiscais, alargando as bases tributárias e reforçando a capacidade da administração fiscal, ao mesmo tempo que fortalecem as redes de segurança social e salvaguardam o investimento público para apoiar o crescimento de longo prazo.

O Fundo defende ainda que a velocidade do ajustamento promovido pelos governos também deve ser levada em conta para minguar as pressões sociais e potenciar os efeitos positivos dessas medidas.

Assim, segundo cálculos dos especialistas do FMI, um ritmo de ajustamento “gradual e sustentado será capaz de limiar simultaneamente o impacto negativo no PIB e na desigualdade em cerca de 40%, em comparação com um aperto mais abrupto. “No entanto, alguns países com alto risco de sobre-endividamento precisarão de ajustes antecipados”, ressalva o FMI.

O alerta do Fundo é claro: a dívida pública elevada é uma preocupação generalizada e mesmo para alguns países onde os níveis de dívida pública parecem gerenciáveis, os riscos são elevados e os resultados efetivos da dívida nos próximos anos podem ser piores do que o projetado.

Os especialistas do Fundo consideram que os planos de ajustamento atuais não são suficientes para estabilizar ou reduzir a dívida com confiança na maioria dos países, mas que ajustamentos fiscais bem desenhados podem ajudar a reduzir os riscos da dívida, melhorar as perspetivas da dívida pública e mitigar o impacto adverso na sociedade.

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