FMI alerta para deterioração “significativa” da acessibilidade à habitação em Portugal
O FMI aponta para situações de sobrelotação nas cidades, lembrando que um rendimento mediano deixou de ser elegível para comprar uma casa de preço médio e pede agilidade do Governo.
A habitação tornou-se um fardo cada vez mais pesado para os portugueses, alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI) no seu mais recente relatório sobre Portugal.
Entre preços de casas a disparar, rendas a subir e taxas de juro a apertar e salários baixos para acompanhar esta escalada, o sonho de ter casa própria está cada vez mais distante para muitas famílias.
“A acessibilidade à habitação deteriorou-se significativamente durante a última década”, afirma o FMI, pintando um cenário preocupante para proprietários, inquilinos e potenciais compradores.
Para quem já tem casa própria, a subida das taxas de juro veio trazer ainda mais dores de cabeça. A análise do Fundo revela que “os pagamentos médios das hipotecas representam agora 32,8% do rendimento médio, acima dos 23,8% de há quatro anos”.
Mas se a vida não está fácil para quem já tem casa, para quem sonha comprar o cenário é ainda mais negro. Segundo o FMI, “um agregado familiar com um rendimento mediano deixou de ser elegível para um empréstimo hipotecário para comprar uma casa de preço médio em 2023, ao contrário do que acontecia no passado recente”, notando ainda que, “refletindo a rápida subida dos preços da habitação, até ao segundo trimestre de 2023, era necessário 1,5 vezes o rendimento mediano para obter uma hipoteca para uma casa de preço médio”.
Os inquilinos também não escapam à pressão da crise da habitação. O FMI destaca que “o preço mediano dos novos contratos de arrendamento aumentou para 7,46 euros por metro quadrado no primeiro trimestre de 2024, um aumento real de 12% em três anos”.
Face a esta realidade, muitas famílias estão a optar por soluções menos desejáveis, alertam os analistas do FMI. “A sobrelotação está a tornar-se mais prevalente, especialmente em áreas urbanas, à medida que as famílias ajustam-se aos custos mais elevados reduzindo o espaço”, lê-se no relatório do Fundo.
O relatório aponta ainda para grandes disparidades regionais, com Lisboa a destacar-se pelos piores motivos: “Tanto compradores como inquilinos pagam duas vezes mais por metro quadrado em Lisboa do que os seus pares no Alentejo”, com os analistas do FMI a sublinharem ainda que “a diferença aumentou nos últimos três anos”.
O FMI não descarta o papel dos vistos gold na pressão dos preços nos últimos anos, notando que estes “desempenharam um papel pequeno, mas não negligenciável, no mercado imobiliário.” Apesar destes investidores representaram cerca de 1% das transações e cerca de 2% dos valores das transações, uma vez que operavam num segmento alto do mercado, “é provável que a procura de investidores estrangeiros estivesse altamente concentrada nas cidades, principalmente em Lisboa, afetando estes mercados específicos de forma mais acentuada.”
Nesse sentido, o FMI acredita que a abolição das novas autorizações de residência para atividade de investimento (conhecidos por vistos gold) imobiliário em Portugal a partir de outubro do ano passado, o FMI acredita que, “dado o alcance limitado destes compradores no conjunto do mercado, é improvável que esta mudança tenha um impacto significativo no geral, mas poderá afetar alguns mercados específicos.”
Soluções do FMI para a crise na habitação
Apesar de algumas medidas recentes do atual e do anterior Governo para tentar aliviar a situação, como a limitação do aumento das rendas ou subsídios às taxas de juro, o FMI considera que os resultados têm sido “mistos”.
Os analistas salientam que “a melhoria contínua da oferta de habitação, onde é necessária, continua a ser crucial para resolver os problemas de habitação”, não deixando ainda de apontar caminhos para corrigir a deterioração “significativa” da acessibilidade à habitação em Portugal.
Do lado da oferta, o FMI defende que é “essencial abordar a escassez local de oferta habitacional para corresponder à procura das famílias”. Para isso, recomenda “ações necessárias para reduzir barreiras regulatórias e administrativas e resolver a escassez de mão-de-obra no setor da construção”.
O Fundo elogia algumas medidas recentes do Governo, como o programa “Construir Portugal”, que “pode ajudar a abordar algumas das causas fundamentais da escassez habitacional se for bem-sucedido na redução de barreiras regulatórias à construção”.
Quanto aos apoios à procura, os analistas do Fundo consideram que “os subsídios e as subvenções para vários grupos demográficos seriam úteis se forem devidamente direcionados para famílias vulneráveis”. No entanto, alerta que medidas baseadas na idade, como a garantia pública para jovens compradores de primeira habitação, “são propensas a questões de limiar”.
O relatório sublinha ainda a importância de resolver a escassez de mão-de-obra no setor da construção, que é apontada como “um fator-chave que limita a atividade de construção”. Os analistas do FMI defendem que “os esforços para aliviar esta situação permanecem importantes, tanto, em geral, como no setor da construção, onde a escassez parece ser particularmente aguda”.
Os desafios da crise na habitação em Portugal são tão grandes que merecem não uma solução, mas várias devidamente articuladas. Segundo os técnicos do FMI, é crucial adotar uma abordagem abrangente que combine medidas para aumentar a oferta de habitação, apoios bem direcionados à procura e ações para resolver os estrangulamentos no setor da construção. Só assim, defende o Fundo, será possível corrigir a deterioração da acessibilidade à habitação em Portugal.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
FMI alerta para deterioração “significativa” da acessibilidade à habitação em Portugal
{{ noCommentsLabel }}