Gestores do SNS podem ser dispensados de devolver salário. Decisão depende de ministra que geriu Santa Maria
Decisão só se aplica se a dívida for inferior a 25 mil euros e a administradores que não tenham tido conhecimento da anulação ilegal do corte de 5%. Ministra da Saúde foi gestora do Santa Maria.
Os gestores dos hospitais públicos e dos institutos do Ministério da Saúde que não tiveram conhecimento da anulação ilegal do corte salarial de 5% podem, excecionalmente, ser dispensados de devolver o dinheiro que receberam a mais, caso a dívida não ultrapasse os 25 mil euros, segundo uma circular da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) enviada esta segunda-feira às várias entidades empresariais do SNS e disponível online. A decisão será tomada pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que foi presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, agora designado de Unidade Local de Saúde (ULS) de Santa Maria.
O Ministério da Saúde foi questionado pelo ECO se Ana Paula Martins beneficiou do fim da redução de 5% sobre o seu ordenado, enquanto foi gestora do Santa Maria, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2024, e se iria devolver os montantes recebidos indevidamente, e ainda não obteve resposta.
Também perguntou, sem sucesso, à ULS de Santa Maria se a entidade pública seguiu a orientação da ACSS de 2020 que indicava que deveriam ser eliminados os cortes salariais. Ou seja, poderá haver um potencial conflito de interesses se a ministra da Saúde estiver a decidir em causa própria.
“Em casos excecionais, devidamente justificados, quando o interessado não teve conhecimento, quando recebeu as quantias em causa, de que esse recebimento era indevido, pode ser determinada a relevação, total ou parcial, da reposição das quantias recebidas, por decisão da ministra da Saúde ou do ministro das Finanças, consoante o valor total das quantias a relevar no mesmo ministério e ano económico não exceda ou ultrapasse 25 mil euros, respetivamente”, segundo o mesmo documento.
Isto é, se o montante em dívida exceder aquele patamar, caberá ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, dispensar ou não a reposição das remunerações pagas ilegalmente, segundo o decreto-lei que estabelece o regime da administração financeira do Estado, citado pela circular.
A instrução da ACSS sobre as normas a adotar na devolução do dinheiro pelos gestores surge na sequência de uma missiva, assinada pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) e pela ACSS, a determinar a ilicitude do fim da redução do ordenado e a exigir a aplicação do corte com efeitos retroativos, tal como o ECO noticiou.
Essa carta, enviada na semana passada aos vários institutos do SNS e hospitais públicos, chegou nesta altura, porque estava em risco de prescrever o prazo para pedir a devolução dos 5% de salário atribuído mensalmente desde julho de 2020, ou seja, de há quatro anos a esta parte. “Apenas poderão estar em causa os atos de processamento de vencimento ocorridos há menos de cinco anos”, indica a circular da ACSS emitida esta segunda-feira.
Apesar de os gestores poderem, em certos casos, ser dispensados de ressarcir o Estado, o procedimento geral que deve ser adotado é “a regularização poderá ser feita mediante compensação”, desde que “o valor a repor não exceda o limite de um sexto da remuneração mensal”. “Não sendo possível a compensação, a reposição que for devida é feita por meio de guia, a emitir pelo serviço competente no prazo de 30 dias e a notificar ao interessado”, de acordo com a circular.
Já o gestor “que não teve conhecimento, quando recebeu as quantias em causa, de que esse recebimento era indevido, poderá requerer que a reposição se processe em prestações mensais (até ao termo do ano seguinte àquele em que for proferido o despacho que autorize essa modalidade de reposição)”. Ou seja, pode efetuar a devolução através de prestações mensais no prazo máximo de um ano.
Em casos especiais, indica a ACSS, “poderá ser, pelo membro do Governo que tutela o serviço ou do dirigente dos organismos administrativa e financeiramente autónomos, autorizado um número maior de prestações mensais”, de valor inferior, igual ou superior a 5% da dívida, caso o respetivo montante não exceda 30% do vencimento base.
A circular da ACSS também se aplica aos seus gestores que terão agora de devolver os montantes que receberam a mais de forma ilegal, desde 2020, na sequência de um despacho interno também da sua autoria. Essa instrução administrativa deu orientações para acabar com o corte salarial de 5% que se aplica aos administradores públicos desde 1 de junho de 2010, no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) de José Sócrates.
O despacho, assinado por Pedro Alexandre, então vogal do conselho diretivo da ACSS, sustentava a sua decisão num parecer da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), de 2019, e numa norma do decreto-lei de execução do Orçamento do Estado para 2018, segundo o qual “os efeitos temporários das normas e medidas” relativas à redução dos vencimentos brutos em 5%, são “progressivamente eliminados”.
Entretanto, uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) concluiu que essa orientação era ilícita e, na semana passada, a DGTF e a ACSS exigiram a devolução do dinheiro pago a mais aos gestores. Na missiva endereçada aos hospitais públicos e institutos do Ministério das Saúde, as duas entidades reiteram a “necessidade de […] aplicação da redução de 5% da remuneração fixa mensal ilíquida dos gestores públicos […], devendo ser regularizadas todas as situações que estejam em desconformidade com esta determinação, designadamente através do ajustamento retroativo das remunerações entretanto processadas”.
Em causa poderão estar cerca de 200 administradores hospitalares de 39 ULS e de três institutos portugueses de oncologia (IPO).
De lembrar que o Parlamento eliminou este corte de 5% sobre os titulares de cargos políticos e gestores públicos no Orçamento do Estado para 2025, com efeitos imediatos a 1 de janeiro do próximo ano, por proposta do PSD e do CDS e voto favorável do PS e do PAN.
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