Até onde pode ir o BCE no corte de juros?

Há argumentos para o BCE cortar os juros em 50 pontos base. Mas o mercado aposta que, para já, o Conselho opte por uma solução de compromisso com uma descida de apenas 25 pontos base.

O Banco Central Europeu (BCE) deve voltar a cortar os juros esta quinta-feira, a quarta descida desde que iniciou o ciclo de desagravamento das taxas de referência no passado mês de junho. Com as incertezas económicas e financeiras a adensarem-se na Zona Euro, e ao mesmo tempo que a inflação continua perto da meta de 2%, restam poucas alternativas à instituição liderada por Christine Lagarde a não ser aliviar novamente os juros, tendência que deverá continuar a verificar-se em 2025.

Para a reunião desta quinta-feira, o consenso do mercado aponta para uma descida de 25 pontos base. Dessa forma, a taxa da facilidade permanente de depósito – através da qual o Conselho do BCE define a orientação da política monetária – deverá baixar para 3%. No entanto, o cenário de um corte de 50 pontos base não está totalmente excluído, apesar de os economistas lhe atribuírem uma baixa probabilidade.

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Os dados vindos do mercado aparentam refletir essa possibilidade, já que as taxas Euribor e o euro tiveram quedas, sinalizando a convicção dos investidores que os juros na Zona Euro continuarão a descer. No entanto, o consenso dos analistas aponta para que o BCE não opte já por uma redução mais agressiva. Uma sondagem realizada no início do mês pela Reuters junto de 75 economistas demonstrou que apenas dois apostavam numa redução de 50 pontos base. Os restantes previam uma baixa de 25 pontos base.

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No outro lado do Atlântico, por exemplo, a Reserva Federal dos EUA não se coibiu em avançar com uma descida de meio ponto percentual no passado mês de setembro. Porém, tradicionalmente, o BCE tende a evitar estas descidas mais bruscas das taxas. Contudo, isso não seria totalmente inédito, já que na grande crise financeira de 2008 a autoridade monetária fez vários cortes dessa dimensão. Também nos primeiros tempos do euro, entre 1999 e 2001, existiram algumas descidas de 50 pontos base.

Há motivos para um corte de 50 pontos base?

Os riscos que envolvem a economia da Zona Euro e os dados que foram surgindo desde a última reunião podem ser usados como argumentos a favor de um corte de juros de maior magnitude que o habitual. “Apesar de existir um forte caso para o BCE acelerar o ritmo de alívio da política monetária, proporcionando um corte de 50 pontos base, a maioria do do Conselho de Governadores aparenta preferir 25 pontos base”, afirma Andrew Kenningham, economista-chefe da Capital Economics para a Europa, num relatório a que o Eco teve acesso.

Aliás, não faltam focos de risco e de incerteza para a economia. Em França, além da crise política, os investidores dão sinais de nervosismo sobre as frágeis contas públicas do país. Também a Alemanha passa por um período de incerteza governativa, a que se junta o preocupante arrefecimento da sua economia. “Os responsáveis de política monetária estarão muito mais preocupados com os riscos descendentes para a atividade, particularmente na França e na Alemanha”, salienta Kenningham.

Carsten Brzeski salienta que “desde a reunião de outubro, os riscos negativos aumentaram de forma muito clara”. O diretor de análise macro do banco ING exemplifica não só com “os potenciais efeitos adversos das políticas económicas dos EUA nos próximos meses”, mas também com “a instabilidade política nas duas maiores economias da Zona Euro e agora também com uma crise de finanças públicas em França”.

Aliás, a situação financeira de alguns estados-membros tem preocupado o próprio BCE. No último relatório de estabilidade financeira, os economistas de Frankfurt avisaram que “a incerteza política, os fracos indicadores orçamentais em alguns países e o fraco crescimento aumentam as preocupações sobre a sustentabilidade da dívida soberana”.

Além disso, os indicadores económicos continuam a dar sinais de fragilidade. “Os dados mais recentes da zona euro sugerem que a atividade económica está a abrandar no quarto trimestre de 2024. Os inquéritos à atividade industrial continuam fracos e o setor dos serviços também apresenta sinais de fragilidade. A confiança dos consumidores está a diminuir e os dados laborais mostram alguma deterioração, com as auscultações a traçarem um quadro de abrandamento no crescimento do emprego”, salienta Michael Krautzberger, diretor de investimento global em obrigações da Allianz Global Investors, numa nota a que o Eco teve acesso.

Por outro lado, apesar de a inflação ter acelerado em novembro para 2,3%, esse aumento já era esperado devido a efeitos base relacionados com a energia. A evolução do índice de preços continua perto do objetivo do BCE e as previsões são de que em 2025 esse indicador baixe para a meta de 2%.

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Uma solução de compromisso

Os sinais de preocupação vindos das duas maiores economias da Zona Euro poderiam aconselhar o BCE a tomar uma decisão mais assertiva, baixando as taxas de forma mais significativa. O governador do banco central francês, François Villeroy de Galhau, defendeu recentemente que Frankfurt deveria deixar a porta aberta a um corte de maior magnitude. Também o líder do banco central italiano, Fabio Panetta, disse que se devia baixar os juros de forma mais rápida.

Essa perspetiva tem sido apoiada também por Mário Centeno. Em outubro, o governador do Banco de Portugal tinha afirmado que “não precisamos de nos restringir a uma métrica de avançar apenas em passos de um quarto de ponto”. No final de novembro, Centeno salientou que essa decisão deveria ser equacionada caso se começassem a materializar os riscos para o crescimento.

Galhau, Panetta e Centeno fazem parte do grupo das “pombas” do BCE, defendendo uma orientação da política monetária menos restritiva. No entanto, no jogo de forças do Conselho de Governadores do BCE, os “falcões” têm também uma palavra a dizer. O presidente do Bundesbank, Joachim Nagel, argumentou, no final de novembro, que mesmo com a fraqueza da economia germânica, os cortes de juros deveriam ser apenas graduais. Assim, “com as novas tensões entre falcões e pombas, um corte de 25 pontos base parece ser um típico compromisso europeu”, considera Carsten Brzeski.

Quanto podem descer os juros em 2025?

Nesta que é a última reunião de política monetária do BCE em 2024, os decisores terão disponíveis atualizações feitas pelo staff do banco central às projeções económicas. No entanto, os bancos de investimento não esperam grandes alterações, apontando para ligeiras revisões em baixa para a taxa de crescimento. Essas estimativas foram feitas antes ainda da crise política em França e não incluem os choques que poderão ser causados pela nova administração Trump.

Assim, mesmo que não vá além de uma descida de 25 pontos base esta quinta-feira, o BCE deverá continuar a carregar no acelerador dos cortes de juros nos próximos meses. “Esperamos que a presidente Lagarde sinalize na conferência de imprensa que as taxas podem continuar a descer caso a inflação continue a caminhar para os 2% no próximo ano, com o ritmo e a intensidade das reduções determinados pelos dados económicos”, afirma a equipa de economistas do Goldman Sachs, num relatório a que o Eco teve acesso.

O mercado tentará retirar pistas nas entrelinhas do discurso de Lagarde para calibrar as estimativas sobre o número e a dimensão de cortes de juros ao longo do próximo ano. Dessa forma, caso o BCE retire do seu comunicado a expressão de que “manterá as taxas de juro diretoras suficientemente restritivas enquanto for necessário”, isso será interpretado como um claro sinal de mais descidas significativas de juros nos próximos meses.

Com os dados existentes antes da reunião, os analistas do Goldman Sachs, por exemplo, têm como cenário base descidas sequenciais de 25 pontos base na taxa de referência até 1,75% em julho do próximo ano. Mas admitem que os juros possam descer ainda mais, tendo em conta os riscos que pairam sobre a economia da Zona Euro.

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