Um Estado grande e fraco

Os sucessivos Governos apoiados pelo PS e PSD (e também pelo CDS) tornaram o Estado omnipresente na nossa economia e sociedade. Mas tornaram também o Estado fraco e vulnerável a interesses privados.

Excetuando o desvario de 2009 e 2010 – que nos conduziu ao pedido de resgate à troika -, desde 2002 que o principal objetivo dos sucessivos Governos, de forma mais ou menos explícita, tem sido o controlo do défice orçamental. Um controlo sempre imposto pelo exterior. Primeiro, por imposição da Comissão Europeia, através do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Depois, desde 2010, por dificuldades de acesso ao endividamento externo.

Ter durante uma década e meia o controlo do défice orçamental como principal objetivo da política económica diz muito da fragilidade do nosso sistema político e da sua incapacidade de responder aos desafios que Portugal enfrenta.

Desde 2002, o Estado português tem vindo a tomar medidas avulsas de redução da despesa e de aumento da carga fiscal. Congelamento nominal e real dos salários dos funcionários públicos. Corte de salários e pensões. Congelamento das carreiras. Redução do número de funcionários públicos. Redução de benefícios sociais. Redução do investimento público. Aumento do IVA. Alteração de escalões e aumento das taxas marginais do IRS. Aumento de vários impostos indiretos. Privatizações. Renegociação de contratos de PPPs. E uma panóplia de medidas extraordinárias de aumento das receitas (umas reais e outras virtuais) e de esquemas de desorçamentação de despesas. Muitas destas medidas mais não são do que uma tentativa de compensar o aumento da despesa com as prestações sociais.

Quinze anos depois, o resultado é pífio. O peso das receitas e das despesas do Estado na economia aumentou. A dívida pública é a mais elevada da nossa história. Portugal continua a ser ‘lixo’ para as principais agências de rating. Nada disto é bom para a confiança no Estado. Nada disto é bom para a competitividade da economia. O fim do crescimento e do acesso ao endividamento externo expuseram a insustentabilidade das finanças públicas.

Em 2005, perguntei a um responsável do Ministério das Finanças do Governo chefiado por José Sócrates se o processo de consolidação orçamental não seria mais eficaz se tivesse como ponto de partida a definição clara das funções do Estado. Respondeu-me que não havia tempo para um exercício desse tipo. E, pelos vistos, como se viu com a gestão das cativações em 2016, ainda hoje não há.

O tempo do ciclo eleitoral (assumo que era esse o tempo a que se referia o representante do Ministério das Finanças) é uma variável muito importante num processo de consolidação orçamental. Mas o que continua a faltar é também a visão de um mínimo denominador comum sobre as funções em que o Estado não pode falhar.

No fundo, é esta a questão primordial: qual é o papel do Estado?
O Estado português cresceu com o regime democrático, com promessas eleitorais e distribuição de recursos. O Estado promoveu a democratização do acesso à edução. A universalização do acesso aos cuidados de saúde e às prestações sociais. A construção de infraestruturas e uma rede de serviços públicos. A promoção do sistema científico e tecnológico. O fornecimento de bens e serviços através de um dos maiores setores empresariais do Estado da OCDE e de muitas parcerias público-privadas.

Os sucessivos Governos apoiados pelo PS e PSD (e também pelo CDS) tornaram o Estado omnipresente na nossa economia e sociedade. Mas tornaram também o Estado fraco e vulnerável a interesses privados. À medida que o Estado aumentava de peso a sua autoridade, diminuía na mesma proporção. Hoje, a autoridade do Estado está espartilhada e manietada por um miríade de institutos, direções gerais, entidades reguladoras e outras, em muitos casos sem qualquer utilidade social ou económica. Aqueles partidos, com quem o Estado cresceu, parecem continuar sem ‘tempo’ para definir o que o Estado tem mesmo de fazer e de fazer bem.

Por seu turno, os partidos da extrema-esquerda consideram que o Estado deve e pode estar em todo o lado. Mais despesa é sempre bom – nem que seja para alimentar rendas privadas, como descrevo aqui – e menos despesa é sempre mau. Agora que fazem parte da solução governativa, era bom que contribuíssem para que o Estado não falhasse em áreas essenciais. Mas isso, obriga a fazer escolhas.

O Estado tem um papel essencial em qualquer processo de desenvolvimento. Um processo de consolidação orçamental que garanta a sustentabilidade das contas públicas tem de assentar numa reflexão sobre o papel do Estado. Se houver engenho, a reforma do Estado é possível, e criará as condições para um crescimento sustentado da economia.

Por outro lado, se insistirmos em medidas avulsas de redução da despesa e de aumentos de impostos, aumentarão os riscos de o Estado continuar a falhar os compromissos fundamentais que assumiu com os portugueses. Como fez com os cortes de salários e pensões, com a tragédia de Pedrógão Grande ou com o assalto ao paiol de Tancos.

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