Famílias arriscam continuar a pagar taxa municipal de gás natural apesar do Orçamento do Estado proibir

Governo diz que está a preparar uma solução mais justa, mas não respondeu ao ECO se vai impedir que os operadores continuem a imputar este custo aos clientes finais, como determina o Orçamento.

As famílias arriscam continuar a pagar a taxa municipal de ocupação do subsolo (TOS) pela passagem do gás natural, apesar do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) proibir a repercussão desse custo na fatura.

O Governo revelou que está a estudar “uma proposta de modelo que introduz uma maior justiça na sua aplicação, com vista a poder ter condições para avançar do ponto de vista legislativo”, adiantou fonte oficial do Ministério do Ambiente. Contudo, a tutela não respondeu ao ECO se vai impedir de continuar a onerar os contribuintes com uma despesa que é devida pelos operadores às autarquias.

A fatura com a TOS pode chegar, este ano, aos 8,84 euros por mês, no Barreiro, no caso de um consumo médio de 200 kWh, em baixa pressão, segundo o simulador da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) para 2025. Évora, a cobrar 4,88 euros mensais, e Cascais, com um custo de 3,96 euros, completam o pódio dos municípios com as taxas mais elevadas (ver tabela em baixo). Das 130 câmaras servidas por gás natural, cerca de 60 cobram TOS aos operadores que depois repercutem essa despesa sobre o cliente final.

Desde o Orçamento do Estado para 2017 que o assunto se tem vindo a arrastar sem solução à vista. Na altura, e sob a batuta do então secretário de Estado da Energia, João Galamba, do primeiro Governo socialista de António Costa, foi inscrita uma norma na lei orçamental que considerou ilegal a repercussão da TOS sobre o consumidor final. Mas como a regulamentação nunca chegou a ver a luz do dia, as empresas responsáveis pela operação das redes de distribuição de gás natural continuaram a imputar aos clientes finais cerca de 25 milhões de euros por ano relativos à TOS.

Decorridos oito anos, e depois de vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) terem dado razão aos consumidores que se queixam da ilegalidade da taxa, o Parlamento voltou a inscrever no OE2025 que os operadores estão proibidos de repercutir esse custo junto do consumidor final, através de uma proposta de alteração do PCP, aprovada com os votos favoráveis de toda a esquerda (PS, BE, PCP e Livre), do Chega e do PAN e votos contra de PSD, CDS e IL. De assinalar a mudança de posicionamento dos socialistas. Na era de maioria absoluta de António Costa, a bancada rosa rejeitou a mesma iniciativa dos comunistas que pretendia determinar, no Orçamento do Estado para 2024, que a TOS não deveria ser paga pelos consumidores de gás natural.

O PS mudou de líder e, já com Pedro Nuno Santos ao leme do partido, o grupo parlamentar ajudou a aprovar a proposta do PCP. Assim, e de acordo com o artigo 149.º do OE2025, “a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores.

Artigo 149.º da Lei do Orçamento do Estado para 2025

No ano passado, o Ministério do Ambiente, de Maria Graça Carvalho, já tinha sinalizado que tinha como objetivo rever a TOS para “garantir proporcionalidade na aplicação”, estando em cima da mesa a introdução de limites máximos que podem ser cobrados pelas autarquias, de modo a minimizar as disparidades entre municípios. Por exemplo, se o Barreiro cobra cerca de nove euros numa fatura média mensal, já, em Braga, o valor é de apenas 18 cêntimos para o mesmo consumo de 200 kWh. O Governo quer acabar ou pelo menos atenuar esta discrepância. Mas não se compromete com a eliminação da TOS da fatura do consumidor.

“A temática da TOS, e respetiva adequabilidade e aplicação, tem sido especialmente complexa, estando a situação por resolver há sete anos”, começa por reconhecer a tutela. Neste sentido, indica, “o Governo tem procurado desenvolver uma solução sólida, viável e permanente para esta temática, que se traduza em proporcionalidade e racionalidade para a TOS”, estando a estruturar “uma proposta de modelo que introduz uma maior justiça na sua aplicação”.

“Estão, neste momento, a ser desenvolvidos esforços de auscultação junto de várias entidades”, desde a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) às concessionárias que transportam o gás natural e que têm de pagar a TOS às autarquias, “com vista a poder ter condições para avançar do ponto de vista legislativo”, indica ao ECO o Ministério do Ambiente. Contudo, nada diz sobre a proibição em refletir a TOS sobre as famílias como determina novamente o Orçamento do Estado para 2025.

Sobre esta matéria e tendo em conta que vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) julgaram pela ilegalidade da repercussão da TOS no consumidor final, Dulce Neto, ex-presidente e juíza conselheira desta instância judicial, já alertou para a importância destas decisões do Supremo. “É desejável que todos prestem particular atenção à jurisprudência que emerge do pleno do STA, não porque ela seja vinculativa, ao contrário dos antigos assentos que fixavam doutrina com força obrigatória geral, mas porque constitui uma jurisprudência qualificada, que todos aqueles que interpretam e aplicam a lei – sejam juízes, árbitros, ou decisores administrativos – só devem deixar de seguir quando existam razões suficientemente fortes e convincentes para tal, como é o caso de alterações legislativas”, afirmou durante as Jornadas de Jurisprudência Fiscal, que decorreram esta terça-feira, na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

De salientar que este processo também tem tido o envolvimento da secretaria de Estado da Administração Local, por via do diálogo com as câmaras. Este cargo, que faz parte do Ministério da Coesão Territorial, de Manuel Castro Almeida, ficou agora vago com a demissão de Hernâni Dias. Aguarda-se pelo nome que o irá substituir e que deverá prosseguir as negociações com as autarquias no que diz respeito à possibilidade de fixar tetos máximos da TOS que pode ser cobrada aos operadores.

Das 130 autarquias servidas por gás natural, 57 cobram TOS e os valores podem oscilar entre um máximo de 8,84 euros e um mínimo de 18 cêntimos para um consumo médio mensal de 200 kWh em baixa pressão, de acordo com a ERSE. O valor da taxa é decidido anualmente em Assembleia Municipal, não havendo qualquer baliza para a sua fixação.

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