Empresários ajustam estratégia e reforçam aposta na diversificação à espera de onda protecionista de Trump
Os setores da economia com maior exposição aos EUA, o quarto maior parceira comercial de Portugal, têm estado a reequacionar estratégias comerciais e a apostar na adoção de medidas de diversificação.
Donald Trump toma posse como 47.º Presidente dos Estados Unidos na segunda-feira, dia 20 de janeiro. O republicano regressa à Casa Branca com a promessa de maior protecionismo e um agravamento de até 10% das tarifas sobre as importações globais. Uma ameaça que está a ser encarada com cautela e apreensão pelos empresários portugueses com negócios no país, que estão, no entanto, a tomar medidas para amortecer o impacto de uma onda protecionista norte-americana.
Os riscos geopolíticos assumem uma grande importância na estratégia exportadora das empresas, sobretudo quando está em causa a maior economia do mundo e, no caso, o quarto maior cliente das exportações portuguesas de bens, com uma quota de 6,8%, no final de 2023. Ainda assim, José Eduardo Carvalho, presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP), nota que “é fundamental perceber as diferenças entre os discursos e a prática“, ainda que assuma que, “num mundo global, o protecionismo é sempre inimigo da competitividade das economias, especialmente das pequenas economias e com elevado grau de abertura como é o nosso caso“.
As empresas nacionais estão a adotar medidas de diversificação e a avaliar a competitividade dos seus produtos mediante a tipologia de agravamento das taxas, que em muitos setores aliás já existem.
José Eduardo Carvalho explica que “os setores exportadores estão naturalmente na expectativa, a aguardar a forma como se poderão traduzir na prática as que parecem ser as novas diretrizes”, acrescentando que “as empresas nacionais estão a adotar medidas de diversificação e a avaliar a competitividade dos seus produtos mediante a tipologia de agravamento das taxas, que em muitos setores aliás já existem”.
O representante daquela que é a mais antiga associação empresarial portuguesa, realça a evolução registada pelas exportações para os EUA nos últimos cinco anos, com as vendas para este país a dispararem mais de 73% no período de 2019 a 2023. “Nos produtos que Portugal mais exporta para os Estados Unidos, estão os Produtos Químicos (26,7%), incluindo a indústria farmacêutica, Combustíveis Minerais (17,9%), Máquinas e Aparelhos (10,2%), Plásticos e Borracha (7,2%), nomeadamente Pneus, e os Metais Comuns (6,2%)”, detalha.
“Sendo os Estados Unidos o quarto maior parceiro para a exportação de bens nacionais (2023) é natural que haja uma grande expectativa, sobretudo naqueles setores onde se têm vindo a registar ganhos de quota, como é o caso da indústria farmacêutica“, alerta, adiantando que, no caso concreto deste setor, “não nos parece muito credível que esta seja uma das indústrias mais penalizadas, dado o setor em que opera e que se prende com a saúde e o tratamento de doentes nos EUA”.
José Eduardo Carvalho refere ainda que “devemos estar também muito atentos à evolução das novas dinâmicas produtivas, e protecionistas, dos EUA nas áreas tecnológicas, da saúde e automóvel e perceber qual o impacto que isso vai ter na nossa indústria, especialmente a de componentes, quer na ótica dos produtos quer nos serviços às empresas”. “O fundamental é que esse protecionismo não prejudique a nossa entrada e manutenção nas cadeias de valor internacional”, defende.
Rafael Alves Rocha diz que “ainda há um elevado grau de incerteza sobre quais serão, concretamente, as medidas de política comercial que a nova administração norte-americana irá adotar”, realçando que, “na campanha eleitoral, Donald Trump mostrou a intenção de impor tarifas entre 10 e 20% sobre todas as importações, para além de aumentos mais drásticos para os produtos provenientes do México, Canadá e China”.
No entanto, o futuro presidente dos EUA tem dado indicações que “a ameaça de um aumento generalizado de tarifas pode, de alguma forma, ser relativizada como uma arma negocial com o objetivo de obter cedências por parte da União Europeia, nomeadamente um aumento das aquisições de petróleo, gás natural e equipamento militar”. “Os últimos desenvolvimentos parecem dar mais força a este cenário”, acredita o diretor-geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).
Mesmo que as ameaças de Trump não se venham a materializar na íntegra, as empresas não estão a menosprezar as palavras do novo líder norte-americano. “As empresas estão preocupadas, reequacionando estratégias comerciais neste mercado e, sobretudo, intensificando esforços para uma maior diversificação de mercados de exportação”, explica Rafael Alves Rocha.
“Naturalmente, terão multiplicado os contactos com os seus clientes nos Estados Unidos para melhor se prepararem para eventuais reações, terem uma melhor perceção dos impactos e alinharem respostas”, acrescenta, referindo que “é fundamental apostar na relação de confiança que as empresas mantêm com os seus clientes”.
A estrutura das exportações portuguesas de mercadorias para os Estados Unidos da América é relativamente diversificada, pelo que a generalidade dos setores industriais portugueses sofreria os efeitos de um eventual aumento de tarifas. Mesmo setores em que o mercado norte-americano tem pouca expressão não deixariam de ser afetados pelo impacto que tal agravamento teria sobre a indústria europeia.
A preocupação não é exclusiva de quem vende para os EUA. Os importadores americanos também estão preocupados “e há casos de antecipação de encomendas para reforço de stocks, antes de eventuais aumentos de tarifas“, aponta o diretor-geral da CIP.
Quanto ao impacto de um aumento de tarifas, Rafael Alves Rocha considera que “a estrutura das exportações portuguesas de mercadorias para os Estados Unidos da América é relativamente diversificada, pelo que a generalidade dos setores industriais portugueses sofreria os efeitos de um eventual aumento de tarifas. Mesmo setores em que o mercado norte-americano tem pouca expressão não deixariam de ser afetados pelo impacto que tal agravamento teria sobre a indústria europeia”.
O responsável destaca, porém, “a indústria farmacêutica, que, entre os principais setores exportadores, é o que regista uma maior exposição direta ao mercado dos Estados Unidos, que absorveu 48% do total das suas exportações em 2023 e 33% nos primeiros 11 meses de 2024“.
O diretor-geral da CIP alerta ainda que “o impacto de uma guerra comercial entre a Europa e os Estados Unidos seria enorme, muito superior à redução do PIB da zona euro em 1% decorrente de uma tarifa geral de 10%, estimado pela Goldman Sachs”. E, mesmo num cenário em que a Europa não venha a ser diretamente visada, “a eventualidade de uma escalada protecionista e de um aumento da fragmentação da economia mundial trará sempre consequências acopladas“.
Ramiro Brito, presidente da AEMinho, concorda que “o regresso de Trump à Casa Branca gera, acima de tudo, um clima de incerteza pela aparente volatilidade e imprevisibilidade do seu estilo de governação. As empresas estão conscientes que este é um momento e será um ciclo que exige redobrada atenção e monitorização”.
Se produtos de maior diferenciação como o vinho ou o azeite podem ser menos afetados, porque se tratam de produtos específicos não produzidos nos mesmos padrões de qualidade noutros países, reduzindo assim a exposição à concorrência, nos setores têxtil e tecnológico podem ter um impacto mais evidente.
O líder da associação que representa os patrões do Minho destaca que “não sabemos bem os impactos que as suas políticas irão ter na economia”, mas há já coisas que se sabem. Desde logo que Washington vai apertar o cerco à China. “Prevê-se mais protecionismo em relação à China o que colocará a Europa numa posição delicada e a ser gerida com pinças, tentando não beliscar a tradicional aliança entre Europa e EUA, sem prejudicar o comércio com os países mais a Oriente”, explica Ramiro Brito.
No que diz respeito ao caso concreto das empresas portuguesas, o presidente da AEMinho refere que “o agravamento das tarifas pode ter um impacto na competitividade das empresas portuguesas naquele mercado. Se produtos de maior diferenciação como o vinho ou o azeite podem ser menos afetados, porque se tratam de produtos específicos não produzidos nos mesmos padrões de qualidade noutros países, reduzindo assim a exposição à concorrência, nos setores têxtil e tecnológico podem ter um impacto mais evidente”.
“As empresas terão de apostar na competitividade produtiva para baixar custos de produção, não pela diminuição da qualidade dos seus produtos, mas pela maior eficiência produtiva, ou seja, pelo aumento da produtividade e continuar a apostar na diferenciação dos seus produtos de forma a que o fator ‘preço’ perca preponderância na hora da decisão”, argumenta o empresário, reforçando que mantém uma postura “expectante” e “cautelosa”: “Não é líquido que o impacto seja negativo”.
Mas, se Trump for mesmo para a frente com as suas ameaças e implementar as medidas que prometeu, “desestabilizará o comércio internacional, promoverá a desglobalização económica e dará gás aos movimentos populistas um pouco por todo o mundo“, avisa Rafael Alves Rocha. “Há o risco de o agravamento do protecionismo aumentar as pressões inflacionistas, levando à persistência de taxas de juro elevadas e a uma forte degradação das condições económicas à escala global”, conclui.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Empresários ajustam estratégia e reforçam aposta na diversificação à espera de onda protecionista de Trump
{{ noCommentsLabel }}