Equilíbrio com a vida pessoal ultrapassa salário pela primeira vez como motivação na escolha de emprego
Num país cujos salários comparam mal com o cenário europeu, os vencimentos continuam a ter muito peso na escolha de um emprego. Mas, pela primeira vez, o equilíbrio da vida pessoal é mais valorizado.
Na hora de escolher um novo emprego, os portugueses já valorizam mais o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional do que o salário. Há duas décadas que a Randstad realiza um inquérito anual aos trabalhadores de vários países e, pela primeira vez, o vencimento não é o fator de motivação mais destacado pelos portugueses. A chegada ao mercado de novas gerações ajuda a explicar.
De acordo com a edição deste ano do “Workmonitor” da empresa de recursos humanos Randstad — a que o ECO teve acesso em primeira mão –, o salário continua, sim, a ser um fator de peso entre os portugueses.
Cerca de 90% dos inquiridos consideram-no importante, tanto no seu atual emprego como numa posição futura. E essa fatia continua a ser superior à média global (os tais 90% portugueses comparam com 82% para o conjunto dos 35 países analisados).
Mas, pela primeira vez, há outro fator mais apontado pelos empregados nacionais, como sendo relevante: 91% destacam o equilíbrio com a vida pessoal (a média global ronda os 83%). É uma diferença de apenas um ponto percentual — “não é muito grande”, salienta a diretora de marketing da Randstad, Isabel Roseiro –, mas o facto de o vencimento ter sido ultrapassado pela primeira vez é por si só digna de nota.
Ao longo de muitos anos, vimos que o salário sempre foi o grande motivador para levar as pessoas a escolher um empregador em detrimento de outro. Esta realidade acabou por se ir esbatendo.
“Ao longo de muitos anos, vimos que o salário sempre foi o grande motivador para levar as pessoas a escolher um empregador em detrimento de outro. Esta realidade acabou por se ir esbatendo, com o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional a ganhar cada vez mais relevância“, afirma, assim, a responsável.
Segundo Isabel Roseiro, há dois fatores que ajudam a explicar este cenário. Por um lado, de modo global, os trabalhadores têm valorizado outros fatores que não o ordenado — “globalmente, todos os fatores do salário emocional tiveram um aumento na sua importância. E, por outro, o mercado de trabalho conta agora com uma nova geração (a “Z”), que se mostra mais preocupada com a vida para lá do trabalho e com a conciliação das várias esferas.
A propósito, destaca a diretora de marketing, questionados sobre o que fariam, se o “dinheiro não fosse problema”, quase metade dos portugueses da geração Z (49%) respondeu que optaria por não trabalhar de todos. Em contraste, só 29% dos baby boomers deram essa resposta.
42% recusariam emprego sem flexibilidade horária
Desde a pandemia que a flexibilidade horária e de local de trabalho tem gerado discussão (e, por vezes, até conflitos) entre empregadores e empregados. E o debate não tem fim à vista.
Segundo o novo estudo da Randstad — que tem por base entrevistas a mais de 26 mil pessoas em 35 países –, 24% dos inquiridos em Portugal abandonariam um emprego caso este não oferecesse flexibilidade suficiente. Pior, mais de quatro em cada dez trabalhadores portugueses (42% dos ouvidos em Portugal e 47% dos ouvidos globalmente) recusariam mesmo um emprego se este não oferecesse flexibilidade no horário de trabalho.
“Mesmo os profissionais que têm de estar presentes no local de trabalho, o que vemos é que cada vez mais é que querem ter flexibilidade para conciliarem com a sua vida pessoal. Quer seja flexibilidade na escolha de turnos, quer seja flexibilidade nos horários de entrada e saída”, assinala Isabel Roseiro.
Ora, com o mercado de trabalho praticamente em pleno emprego, a responsável entende que “é natural” que os trabalhadores façam este tipo de exigências.
Já quanto ao teletrabalho, 36% dos portugueses ouvidos não aceitariam um emprego se não oferecesse flexibilidade relativamente ao local de trabalho (neste caso, a média global é de 39%). Este valor é especialmente pertinente, tendo em conta que no último ano várias grandes empresas anunciaram o regresso ao escritório, gerando tensões com os trabalhadores e suscitando a pergunta: afinal, o trabalho remoto veio mesmo para ficar?
Não aceitaria um emprego se este não oferecesse flexibilidade em relação:
– ao meu horário de trabalho (por exemplo, flexibilidade do horário): 42% dos inquiridos em Portugal;
– onde trabalho (por exemplo, trabalhar a partir de casa): 36% dos inquiridos em Portugal.
Na visão de Isabel Roseiro, em Portugal o teletrabalho a 100% já “praticamente não existe” e “muitas empresas sentem agora que precisam de voltar a ter as equipas juntas“. “Os números dizem que os profissionais querem ficar em casa, mas as empresas veem que há vantagens em trazê-los de volta ao para o escritório. O equilíbrio é complicado“, realça.
Dispostos a ter salário menor se tiverem amigos no trabalho
Além da flexibilidade e da conciliação entre a vida pessoal e profissional, há um outro fator a destacar na fidelização do talento às empresas: o sentimento de pertença. Cerca de 46% dos inquiridos em Portugal afirmam que deixariam mesmo um trabalho onde não encontrassem esse sentimento. Mesmo entre quem trabalha à distância esse sentimento é valorizado, destaca Isabel Roseiro.
“Como criar o sentimento de pertença? Cada empresa deve ouvir os seus colaboradores. Muitas vezes não tem só a ver com a empresa como um todo, mas com as lideranças. Cerca de 44% dos profissionais (a nível global) afirma que já abandonou um local de trabalho por sentir que tinha um ambiente de trabalho tóxico. Isto não tem só que ver com as políticas da empresa, mas também com as lideranças”, explica a diretora de marketing da Randstad. Em comparação, em Portugal, 38% já deixaram um emprego por essa razão. E 36% admitem que se demitiriam se não se dessem bem com as chefias.
Não me importaria de ganhar menos dinheiro se:
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– tivesse bons amigos no trabalho: 25% dos inquiridos em Portugal;– o trabalho contribuísse mais para a minha vida social: 29% dos inquiridos em Portugal;
– sentisse que o meu trabalho contribuía de alguma forma para a sociedade/mundo: 31% dos inquiridos em Portugal.
Neste âmbito, outro dado a destacar é que 25% dos trabalhadores portugueses estariam dispostos a ganhar menos dinheiro, se tivessem bons amigos no trabalho, 29% se o trabalho contribuísse mais para a sua vida social e 31% se sentissem que o trabalho contribuía de alguma forma para o mundo.
O crescimento destes fatores espelha, mais uma vez, o aumento da participação da geração Z no mercado de trabalho, já que tipicamente este talento está mais atento ao impacto do seu trabalho no mundo e valoriza o alinhamento dos seus valores com o propósito dos empregadores para os quais trabalham.
Oportunidades de carreira e formação fidelizam
Numa altura marcada pela dificuldade em encontrar mão de obra qualificada, oferecer oportunidades de formação e de carreira é uma das estratégias para atrair e reter os trabalhadores, aponta a diretora de marketing Isabel Roseiro e confirmam os dados do novo estudo da Randstad.
Aliás, segundo essa análise, 41% dos inquiridos em Portugal recusariam um emprego por falta de oportunidades para desenvolver as suas competências e para progredir na carreira. Mais, cerca de 29% admitiriam demitir-se perante esse cenário.
Por outro lado, 54% dos trabalhadores portugueses acreditam que os seus empregadores estão a ajudar no caminho de desenvolvimento de competências preparadas para o futuro e 37% confiam que a sua entidade patronal apostará em aprendizagem contínua, nomeadamente no que diz respeito à inteligência artificial.
Estes dois indicadores têm, contudo, algo em comum: são mais baixos do que a média global, o que mostra que a formação dada aos portugueses sai mal na fotografia mundial. Os dados mais recentes já mostravam que menos de um quinto das empresas garantem formação contínua em Portugal, ainda que, numa altura em que o mercado de trabalho está em profunda transformação, o apelo à aposta na formação se repita.
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