IRC obrigatório de 15% vai agravar imposto de empresas portuguesas com grandes benefícios fiscais
O regime internacional, ao qual Portugal também aderiu no ano passado, poderá aumentar a tributação sobre entidades nacionais que gozam de uma taxa abaixo de 15%, concluem vários fiscalistas.
O IRC mínimo e obrigatório de 15%, adotado por cerca de 140 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), incluindo Portugal e os restantes Estados-membros da União Europeia, poderá agravar o imposto a pagar por empresas nacionais que beneficiam de grandes benefícios fiscais e que, por isso, pagam uma taxa abaixo daquele limiar, concluem os fiscalistas consultados pelo ECO.
Portugal transpôs, em novembro passado, a diretiva europeia que regulamenta o regime do imposto mínimo global, designado de Pilar 2. Este mecanismo aplica-se aos grandes grupos multinacionais com volume de negócios igual ou superior a 750 milhões de euros, quando a casa-mãe e as suas sucursais pagam uma taxa efetiva inferior a 15%. A norma determina que o diferencial entre a tributação a que essas empresas estão sujeitas até ao limiar de 15% deve ser entregue no país onde têm atividade ou no território onde está a sede.
“O Pilar 2 visa, de uma forma muito sumária, assegurar a aplicação de um imposto mínimo de 15% aos grupos multinacionais e aos grandes grupos nacionais, isto é, com rendimentos anuais iguais ou superiores a 750 milhões de euros. Se a taxa efetiva aplicável a alguma das entidades constituintes do grupo for inferior a 15%, será necessário pagar um imposto complementar”, indicou ao ECO o professor de Direito Fiscal e Direito Fiscal Internacional da Universidade Católica Portuguesa, Leonardo Marques dos Santos.
Assim, e “uma vez que o Pilar 2 olha às taxas efetivas de imposto, comparando-as com uma taxa mínima de 15%, alguns benefícios fiscais poderão ser afetados na medida em que contribuem para a redução da taxa efetiva”, salienta o fiscalista, acrescentando que, nessa medida, também “as empresas portuguesas podem ser afetadas, à semelhança das restantes empresas de outras jurisdições, nos casos em que a sua taxa efetiva se situe abaixo dos 15%”.
Do mesmo modo, Pedro Almeida Jorge, tax manager da PwC, explica que “os benefícios fiscais reduzem o montante de IRC suportado” e, por isso, “poderão contribuir para baixar a taxa efetiva de um grupo em Portugal, o que poderá levar à necessidade de pagamento do imposto complementar do Pilar 2”. O fiscalista nota ainda que, “num cenário em que a nossa taxa geral de IRC baixe para 15%, como proposto no programa do Governo, estas situações podem passar a ser mais frequentes”.
Leonardo Marques dos Santos refere que “o objetivo do regime não é ‘prejudicar’ empresas, mas assegurar o pagamento de um montante mínimo de imposto, de modo que exista maior igualdade na repartição dos encargos tributários”.
No entanto, ressalva Pedro Almeida Jorge, “este é um dos tópicos que tem gerado mais controvérsia nos EUA a respeito deste regime”, uma vez que “a ala republicana entende que o modelo de incentivos fiscais por via de deduções à coleta de imposto, como deduções por investimentos em investigação e desenvolvimento, sai prejudicado em comparação com modelos de auxílios diretos por via de subsídios, alegadamente mais comuns em economias planificadas como a China”.
“Isto acontece porque os benefícios fiscais reduzem diretamente o imposto (numerador no apuramento da taxa efetiva) ao passo que os subsídios aumentam o rendimento (denominador no apuramento da taxa efetiva)”, esclarece o fiscalista da PwC.
Em Portugal, a Unidade Técnica de Avaliação Tributária e Aduaneira (U-Tax) está a avaliar os mais de 500 benefícios fiscais existentes que devem ser eliminados por não evidenciaram racionalidade económica e social. Lançado em dezembro de 2023 pelo anterior Governo de António Costa, a poucos dias de entrar em gestão, este organismo da Autoridade Tributária (AT) é uma das condições para o pagamento do oitavo cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), em junho.
Este novo organismo da AT foi lançado no seguimento do relatório produzido em 2019 pelo grupo de trabalho, criado pelo Parlamento, para o estudo dos benefícios fiscais. O documento identificou 542 benefícios, 120 dos quais sem objetivo económico ou social definido.
“No relatório do Orçamento do Estado para 2025, verifica-se que a perda de receita resultante de benefícios fiscais estimada para 2024 ascende a 16,2 mil milhões de euros, com destaque para as taxas reduzidas do IVA, sendo de 4,25 mil milhões de euros no caso dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC). A perda global de receita fiscal equivale a 5,5% do PIB, uma percentagem muito superior à observada na larga maioria dos países europeus”, de acordo com um artigo de opinião assinado pelo antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e o antigo ministro da Economia, Carlos Tavares, publicado no Observador.
Aplicação do imposto mínimo será faseada. Conheça as três regras
A taxa de IRC de 15% já vai incidir sobre os rendimentos de 2024, mas o imposto só começa a ser pago em 2026 relativamente a dois dos três mecanismos do Pilar 2, segundo Pedro Almeida Jorge. “A regra de inclusão de rendimentos, mediante a qual a entidade-mãe final de um grupo tem de pagar no seu país um imposto complementar compensatório relativamente a cada um dos países em que grupo tenha empresas subsidiárias, e a regra do imposto complementar nacional qualificado, que atribui prioridade de tributação aos países da fonte dos lucros, aplicaram-se já a respeito do exercício de 2024, devendo o imposto respetivo ser pago em 2026″, esclarece o fiscalista.
O segundo mecanismo do Pilar 2, relativo ao imposto complementar nacional, é o que permite que Portugal cobre imposto a um grupo estrangeiro com atividade no país quando se verifique que essa entidade paga uma taxa efetiva inferior a 15%. Esse diferencial “poderá ser coletado por Portugal e deduzido ao apuramento de imposto da entidade-mãe”, salienta Pedro Almeida Jorge. Cerca de três mil entidades poderão vir a ser tributadas no país ao abrigo desta regra, segundo estimativas do Ministério das Finanças.
Já terceira regra, denominada regra dos lucros insuficientemente tributados, “só começa a sua aplicação agora em 2025, com pagamento em 2027”, indica o tax manager da PwC. Este instrumento determina que “as próprias subsidiárias poderão ter de pagar o imposto complementar relativo a quaisquer outras entidades do grupo (incluindo a entidade-mãe) localizadas em países que não apliquem Pilar 2, caso a entidade-mãe do grupo não esteja a aplicar o regime”, detalha. Ou seja, esta norma “poderá fazer com que as subsidiárias norte-americanas na Europa paguem imposto relativo aos lucros das suas entidades-mães que estejam a ser sujeitos a uma taxa efetiva inferior a 15% nos EUA”, sublinha.
Porém, e nos casos, em que os países de origem da entidade-mãe tenham uma taxa nominal (estatutária) de pelo menos 20%, a regra dos lucros insuficientemente tributados que permite que as subsidiárias norte-americanas localizadas na Europa paguem o imposto não cobrado nos EUA será adiada para “o exercício de 2026 (a legislação portuguesa parece potencialmente adiar para 2027)”.
Tendo em conta que, neste momento, a taxa nominal na jurisdição norte-americana é de 21%, esta medida vai “dar mais tempo aos EUA para resolver as questões internas a este respeito”. Entretanto, a Administração Trump já sinalizou que quer reduzir a taxa para 15%, “o que poderá colocar em causa até este regime transitório”, frisa Almeida Jorge.
Assim que tomou posse como presidente dos EUA, Donald Trump decidiu rasgar o acordo para a introdução do regime do imposto mínimo. E assinou um memorando no qual pede ao Tesouro dos EUA para preparar “medidas de proteção” contra os países que implementaram ou que irão implementar “regras fiscais que visem desproporcionalmente as empresas americanas”.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, terá agora cerca de dois meses para apresentar as conclusões e recomendações sobre os países terceiros que não cumpram os tratados fiscais com os EUA ou que planeiam aplicar a taxa global mínima de 15%.
Em reação, o Parlamento Europeu já admite “a possibilidade de alterar a lei de uma forma a isentar as empresas norte-americanas sem prejudicar o objetivo da reforma no que diz respeito a outros países terceiros”, de modo a “evitar retaliações por parte dos EUA”, tal como o ECO já noticiou.
Se Bruxelas acatar a sugestão do Parlamento Europeu e excecionar os EUA desta regra “isso poderá levar a um sério esvaziamento da medida, por um lado, e a situações discriminatórias entre multinacionais consoante a sede da casa-mãe, por outro”, avisa Susana Estêvão Gonçalves, sócia da sociedade de advogados Pérez-Llorca, em declarações ao ECO.
“A medida já foi implementada por mais de 50 países, incluindo Portugal. A saída dos EUA pode efetivamente representar um desafio significativo para os objetivos do Pilar 2″, insiste a fiscalista.
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