Literacia em IA: entre a obrigação e a oportunidade

  • Cristina Romariz e Lavínia Pinto Marques
  • 14:00

Empresas podem e devem aproveitar para “personalizar” esta formação no âmbito do seu sistema de gestão de IA, para adotar uma abordagem prática em que os trabalhadores treinem usos quotidianos da IA.

A Inteligência Artificial (IA) já não é um conceito futurista; Tornou-se numa presença constante na vida quotidiana, especialmente no contexto profissional. Contudo, essa transformação exige uma população informada, capaz de compreender e participar neste mundo digital (cada vez mais) “inteligente”.

Cumprindo o calendário de vigência faseada, a 2 de fevereiro entraram em vigor várias disposições do Regulamento da IA, relevantes para todos os stakeholders desta tecnologia.

Sem desmerecer as demais proibições e obrigações incluídas nesta “tranche” – como, por exemplo, a proibição de sistemas de IA que envolvem riscos inaceitáveis, nomeadamente sistemas para inferir emoções dos trabalhadores –, não podemos deixar de apontar o holofote à obrigação de formação, que passará a recair sobre todos os prestadores e utilizadores de IA, que terão de garantir que os seus trabalhadores e outras pessoas envolvidas na operação e utilização de IA em seu nome, dispõem de conhecimento suficiente nesta matéria.

As empresas investem cada vez mais em IA, aliciadas pelas promessas de aumento de produtividade e de eficiência. Os riscos associados a esta tecnologia são, no entanto, múltiplos: a inexplicabilidade dos resultados obtidos; as alucinações e erros; a discriminação algorítmica; as violações de dados pessoais e o comprometimento da cibersegurança; a fuga de informação confidencial; a violação de direitos de propriedade intelectual, … O rol é extenso (e desincentivante).

Ferramentas de IA colocadas em mãos desconhecedoras podem ser geradoras de responsabilidade civil, penal, contraordenacional, disciplinar e, claro está, de importantes danos reputacionais. Desta forma, a integração da IA em processos de trabalho exige que os trabalhadores utilizem essas ferramentas de acordo com as instruções respetivas e compreendam os seus impactos e limitações.

Perante estas ameaças, é compreensível que entre empregadores e trabalhadores haja “velhos do Restelo” ou mesmo tecnofóbicos. E é precisamente aqui que a “literacia em IA” (assim a designa o Regulamento) entra em ação. Esta capacitação é simultaneamente a chave do empoderamento das empresas e dos trabalhadores na trajetória da inovação.

Na alvorada desta nova obrigação, pretende estimular-se “as competências, os conhecimentos e a compreensão” de todos os envolvidos na aplicação de IA. A formação deve ter em conta não só a concreta organização (atendendo, desde logo, aos sistemas de IA aí utilizados e suas finalidades), mas também os conhecimentos técnicos, a experiência, as qualificações académicas e a formação dos trabalhadores. Trata-se de uma obrigação complexa, com uma dimensão técnica, mas também ética e legal.

É importante que a literacia em IA não seja encarada como um “fardo” ou mais um to-do de compliance, mas antes como uma iniciativa estratégica para impulsionar a competitividade das empresas. As empresas podem e devem aproveitar para “personalizar” esta formação no âmbito do seu sistema de gestão de IA, para adotar uma abordagem prática em que os trabalhadores treinem os usos quotidianos das ferramentas de IA, em que se ensinem técnicas de prompting e outros recursos que permitam o domínio desta tecnologia. Recordamos que os empregadores têm, de resto, a obrigação de assegurar 40 horas de formação anual aos trabalhadores, pelo que este é, seguramente, um domínio pertinente de capacitação.

A formação deve ir de mão dada com a regulação interna, onde se adotem protocolos de uso que estabeleçam as diretrizes de uma utilização responsável de IA e as “linhas-vermelhas” dentro das empresas.

Diz-se comummente que o “desconhecimento da lei não justifica o seu incumprimento”; Entendemos que o mesmo se poderá aplicar, com as devidas adaptações, a propósito desta tecnologia. Não poderemos evitar as consequências de uma má utilização da IA alegando a nossa ignorância a seu respeito, pelo que é tempo de agarrar a oportunidade e capacitar as empresas e os trabalhadores.

  • Cristina Romariz
  • Advogada da Cuatrecasas
  • Lavínia Pinto Marques
  • Advogada da Cuatrecasas

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