
A Economia (da) Política Comercial dos EUA
Parece-nos inevitável que também a UE (que é uma União Aduaneira, refira-se) acabe igualmente por retaliar, em termos que voltam a oferecer um adicional foco de instabilidade para a economia europeia.
I. A redefinição dos obstáculos tarifários
A tomada de posse de Donald J. Trump, 47.º eleito Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), já está a suscitar um conjunto particular de desafios aos principais atores da economia mundial.
Em traços gerais, e considerando sobretudo as últimas declarações públicas do Presidente Trump, poderá antecipar-se uma clara redefinição das opções de política comercial, com um reforço dos designados obstáculos tarifários – ou seja, das tarifas cobradas na importação de certos bens, em especial os provenientes de alguns dos principais parceiros comerciais dos EUA.
Pese embora, de um ponto de vista técnico, este tipo de tarifas não seja propriamente um imposto, acaba por ter um efeito equivalente, na medida em que:
(i) Em primeiro lugar, incidem tipicamente sobre o valor dos produtos importados, constituindo uma base “ad valorem”; e
(ii) Em segundo lugar, numa ótica de repercussão ao longo da cadeia de valor, é presumível que (pelo menos, parte) do custo correspondente seja suportado pelos consumidores.
Naturalmente, este tipo de fenómeno não terá a mesma expressão para todo e qualquer tipo de bem, dependendo, por exemplo, de fatores como a elasticidade-preço da procura.
Nos casos mais recentemente discutidos, envolvendo China, Canadá e México, estarão em causa tarifas entre os 25% e os 10% – sendo de salientar o mais recente anúncio de suspensão das tarifas de 25% a incidir sobre o México, na sequência de acordo entre os homólogos de cada um dos Estados.
De todo o modo, parece-nos inequívoco que está em curso uma nova redefinição das políticas tarifárias à escala global, com consequências que, nesse mesmo plano, são ainda relativamente imprevisíveis, para além das retaliações já em curso, abrangendo produtos de origem americana tão distintos como carvão, petróleo, gás natural liquefeito (GNL) ou equipamentos agrícolas.
A tal acresce o risco de introdução de obstáculos não-tarifários, em especial em domínios onde exista uma escassez relativa mais acentuada, de que é exemplo concreto a mais recente decisão de restrição às exportações de minerais estratégicos (no caso, tungsténio, telúrio, ruténio, molibdénio) por parte da China.
II. A centralidade da política comercial e o contexto da OMC
Conforme começámos por referir, com um peso que superará o da política monetária (pelo menos, no curto prazo), é esperado que a Administração Trump ofereça um papel privilegiado às políticas fiscal e comercial.
Não desprezando o papel da política fiscal, os últimos acontecimentos têm evidenciado o papel particularmente relevante atribuído à política comercial, em especial no plano tarifário.
Está em causa uma matéria incluída numa das mais robustas e relevantes legislações existentes à escala global, mormente os acordos sob a égide da Organização Mundial de Comércio (OMC), com destaque para o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) de 1994.
Todavia, o respetivo sistema de resolução de litígios está parcialmente bloqueado desde 2019, justamente por ação dos EUA, que sucessivamente têm adiado a nomeação de novos membros.
Segundo entendemos, este aspeto contribui decisivamente para um mais que previsível cenário de retaliação “tit-for-tat” – não sendo de ignorar as declarações da diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, que, num paralelismo face ao cenário experienciado pelas reações de vários países ao US Tariff Act de 1930, estimou que, a perdurar, o atual contexto poderá acarretar perdas relativas próximas dos dois dígitos, com referência ao PIB global.
Neste domínio, sem um reequilíbrio da posição dos EUA junto da OMC, que permita o desbloqueio existente desde 2019, será muito difícil assumir qualquer tipo de estabilização nas relações comerciais internacionais, com as inevitáveis (e, em muitos casos, imprevisíveis) consequências.
III. A “insustentável leveza” da posição europeia
Perante o atual contexto, a UE não poderia deixar de assumir o seu posicionamento, ainda que em termos contidos e à mercê da expectativa gerada pelo anúncio do Presidente Trump, do qual decorre a necessária imposição de tarifas às exportações europeias para os EUA.
Se tal suceder – conforme se antecipa – parece-nos inevitável que também a UE (que é uma União Aduaneira, refira-se) acabe igualmente por retaliar, em termos que voltam a oferecer um adicional foco de instabilidade para a economia europeia, num momento em que alguns dos respetivos Estados-membros passam por períodos relativamente conturbados, nos planos político e económico, sendo exemplos paradigmáticos os de França e Alemanha.
Este conjunto de fatores antecipa o regresso de alguns mitos da política comercial internacional, desde o excepcionalismo americano até às mais recentes versões do protecionismo.
Nunca, como na atualidade, a ausência de líderes suficientemente razoáveis e com uma adequada visibilidade sobre os riscos das polarizações se fez sentir.
Inevitavelmente, será novamente o mecanismo dos preços a recordar-nos disso.
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