Gerir a constante inevitável

  • João Calado
  • 14 Fevereiro 2025

Os líderes não são apenas guias; são também os maiores promotores da transformação.

“A mudança é a única constante.” Esta frase, tantas vezes repetida, quase merece um lugar de honra entre os clichés mais universais. No entanto, se a mudança é tão constante assim, porque continuamos a tropeçar nela como se fosse uma novidade inesperada? Será que a humanidade ainda não aprendeu a lidar com o inevitável? Ou talvez sejamos atraídos pelo drama e pela complexidade que a mudança invariavelmente traz consigo?

Gerir uma mudança é uma das tarefas mais desafiantes no âmbito organizacional. Imagine tentar ensinar um cão a andar de skate. Multiplique essa dificuldade por cem, e terá uma ideia do que é liderar uma transformação num contexto corporativo. Apesar disso, há sempre quem aceite este desafio. Porquê? Talvez pela adrenalina. Ou talvez porque a alternativa – a estagnação – seja ainda mais aterradora.

A teoria promete-nos uma receita simples para o sucesso: um visionário, comunicação clara e uma execução impecável. Parece fácil, não é? Mas é aqui que reside a ironia: esta simplicidade teórica raramente se traduz na prática. É como seguir uma receita da avó que diz “Adicionar amor a gosto”. Ora, se medir “amor” é complicado, imagine tentar quantificar “liderança carismática” ou “transparência absoluta”.

John P. Kotter, um dos mais reconhecidos autores em gestão da mudança, defende que tudo começa com uma visão clara. Esta atua como um farol, guiando as organizações através da confusão e incerteza que a mudança inevitavelmente traz. Sem esta luz orientadora, todos remam em direções opostas, desperdiçando energia e tempo. Quanto a mim, este é o mal maior a que assistimos hoje, políticos sem visão e administrações de empresas incapazes.

Mas criar uma visão é apenas o início. Os líderes precisam de a personificar. É o famoso walk the talk. Nada destrói mais a credibilidade do que um líder que prega a colaboração enquanto ignora o feedback da equipa. Quando os líderes vivem de acordo com a visão que promovem, algo extraordinário acontece: a resistência à mudança diminui, e as pessoas alinham-se com os objetivos organizacionais. Contudo, este alinhamento só é possível se os valores do líder estiverem em sintonia com os da equipa. Caso contrário, a harmonia transforma-se em dissonância.

Nenhuma mudança é bem-sucedida sem uma comunicação eficaz. Ron Carucci, no seu artigo “How Leaders Get in the Way of Organizational Change”, para a Harvard Business Review, sublinha a importância da transparência e da comunicação contínua. No entanto, comunicar não significa apenas enviar memorandos ou organizar reuniões intermináveis. É imprescindível que o líder se certifique de que a organização entende como e o porquê da transformação, qual é importância da mesma na vida de cada um. É preciso escutar ativamente, responder às preocupações e, acima de tudo, garantir que todos estão alinhados sobre o progresso – tanto nos sucessos como nos fracassos. Admitir fracassos é um desafio em qualquer organização. Contudo, partilhá-los é essencial para construir credibilidade. Errar é humano, mas repetir o mesmo erro é um luxo que nenhuma organização pode permitir. Para isso é preciso haver transparência, monitorização e suporte das lideranças. É igualmente importante que não nos esqueçamos de celebrar as pequenas vitórias. Reconhecer os progressos, por mais modestos que sejam, é uma forma poderosa de manter a equipa motivada e comprometida.

E se a liderança fosse boa não havia resistência à mudança? Claro que sim, faz parte da natureza humana. A origem desta aversão está nos vieses cognitivos que influenciam as nossas decisões. Kahneman, nobel da economia, mostrou como somos propensos a evitar perdas e a preferir o status quo. Estes bloqueios à mudança estão profundamente enraizados na nossa psicologia, levando-nos a rejeitar transformações mesmo quando estas são claramente benéficas. A boa notícia é que há soluções. O primeiro passo é consciencializar as pessoas sobre a existência destes vieses. Depois, é fundamental expô-las a novas perspetivas, incentivando a experimentação e fornecendo feedback construtivo. Este último, quando bem executado, pode transformar até os colaboradores mais conservadores em defensores da mudança.

Os líderes não são apenas guias; são também os maiores promotores da transformação. Eles têm de ser os primeiros a adotar novas ferramentas e processos, demonstrando compromisso com os objetivos traçados. Este tipo de liderança inspiradora é o que motiva as equipas a enfrentar a incerteza e a superar os desafios inerentes à mudança. A mudança é inevitável, mas não precisa de ser um pesadelo. Com uma visão clara, comunicação eficaz, liderança transformacional e uma boa dose de autocrítica, é possível transformar o caos em oportunidade. E se tudo o resto falhar, lembre-se: até ensinar um cão a andar de skate é possível com paciência, persistência e, talvez, um pouco de sorte.

  • João Calado
  • Head of Marketing | Executive MBA candidate

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