“O conceito de país amigo já não é tão claro para os investidores”
O economista-chefe da seguradora de crédito Coface desvenda resultados das investigações que realiza e que vão permitir à empresa segurar o risco de incumprimento de pagamentos no mundo inteiro.
![](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2022/05/cropped-coface-2-bruno_de_moura_fernandes-2.jpg)
O departamento de Investigação Económica da seguradora de crédito Coface dá as grandes indicações quanto ao risco do país para que as unidades da companhia, com clientes em 160 países do mundo, possam negociar tarifas e prémios a pagar pelas vendas a crédito nos mercados internos e nos clientes de exportação. Daí que a equipa de mais de dez economistas da Coface, liderada por Bruno Moura Fernandes, estude exaustivamente o risco de Portugal, como base de trabalho para determinar o risco que cada empresa corre ao vender para outra determinada empresa no seu país ou noutro. À margem da Conferência realizada em Paris pela Coface, Bruno Moura Fernandes, francês com raízes em Montalegre, foi entrevistado por ECOseguros.
A promessa de imposição de novas tarifas pelos Estados Unidos, a confirmar-se, será como uma pandemia?
Comparando com a pandemia, não. Durante a pandemia fechámos tudo. Com as tarifas é diferente. Vai depender muito da percentagem de agravamento e se são abrangidos todos os setores ou apenas alguns estratégicos. As nossas previsões vão depender muito da forma dessas tarifas, mas sim, vai ter um impacto negativo. E ainda mais negativo nos países que dependem muito dos Estados Unidos, como por exemplo, México ou Canadá. Nesses países o impacto vai ser muito forte, as estimativas são de 2% ou 3 % do PIB. Também vai depender de quem vai pagar esse preço, porque pode ser o exportador mexicano ou pode ser o que importador dos Estados Unidos. Pode ainda ser o consumidor que vai pagar, porque ninguém vai baixar as margens.
A Europa vai sofrer?
Há regiões mais expostas que outras. A Europa não está tão exposta comparando com o México ou o Canadá, mas na Europa alguns países estão mais vulneráveis, como a Alemanha. Isto acontece num momento em que o problema das tarifas americanas vai adicionar-se às tensões que estamos a ter com a China.
Se for o consumidor a pagar no fim da linha vamos ter inflação, e taxas de juro outra vez?
Nos Estados Unidos, sim. É provável que o Fed (banco central dos EUA) baixe as taxas de juros mais uma ou duas vezes este ano, enquanto o BCE vai baixar quatro vezes. Antes da eleição, Donald Trump falava em quatro ou cinco baixas. Agora só antecipamos uma ou duas e se calhar nem vai haver, porque se houver rapidamente maiores tarifas e aumento da inflação também rápido o Fed vai esperar e depois se calhar até subir os juros. Se realmente todos os preços aumentarem com as tarifas, então sim, vamos ter novo aumento das taxas de juros americanas. Para já estamos mais num cenário de pausa de um Fed que vai esperar, vai ser mais prudente e ver qual será realmente o impacto na inflação. É muito incerto, porque não sabemos como se vão comportar as empresas e depois os consumidores.
O efeito cambial pode ser benéfico?
O dólar está a apreciar agora porque os mercados já pensam que o Fed não vai baixar a taxa de juro tanto como o BCE (Banco central Europeu). O dólar está a apreciar contra todas as moedas incluindo, obviamente, o euro. Se se confirmarem aqueles anúncios e se confirmarem os impactos na inflação, então vamos ter um dólar mais forte, que vai tornar algumas importações mais baratas. Também é verdade que a maior parte das importações americanas são em dólares e não vai ter muito impacto para eles. Temos que ver como vai responder a Europa, mas o facto de ter euro mais depreciado, vai fazer pagar a energia um pouco mais cara. Quando falamos dos preços da energia em geral e espacialmente o petróleo, continua ser cotado em dólares.
Fala-se da falta de produtividade na Europa?
Estamos a ver claramente a diferença entre Estados Unidos e Europa, quanto a produtividade. Há várias razões para isso, mas o custo da energia que faz com que seja tudo mais caro na Europa do que nos Estados Unidos. O preço do gás na Europa está três, quatro vezes mais caro do que nos Estados Unidos e aí já temos um problema. Isso explica porque há uma divergência entre os Estados Unidos que estão a aguentar muito bem a economia, este ano estamos a ter uma projeção de 2,2% de crescimento para o PIB. Vai ser entre 2% de 2,5%. Temos de ver o impacto das tarifas, mas para já estamos a ver uma economia muito sólida, enquanto a zona euro vai crescer 1% e sem tarifas. Há estratégias para aumentar a produtividade na Europa, que vão ser fundamentais, se não será difícil, a longo prazo, concorrer com os Estados Unidos e outros países.
E o que se espera de Portugal?
Portugal está a conseguir, como Espanha, muito bons resultados económicos. O quarto trimestre de 2024 demonstra Portugal e Espanha acima dos outros, com um crescimento sólido e em Portugal estamos a ver um consumo das famílias também sólido. Isto também se deve à emigração, a população ativa que está a subir muito rápido. Em Portugal e em Espanha a população ativa subiu muito mais do que em França, Alemanha e Itália e as pessoas e as famílias, poupam mais que em toda a Europa. Em 2025, o investimento das empresas vai subir porque as taxas de juro de juro vão ficar mais baixas e também pelos fundos europeus. Assim, estamos a ver um panorama positivo para a economia portuguesa. As nossas projeções são de 2,5% de crescimento do PIB, bem acima de França, que vai ser 0,5%, da Itália 0,7% e da Alemanha 0,2%. Depois, e claramente, o turismo que vai continuar a apoiar a atividade, são muitos fatores positivos que explicam porque Portugal, tal como Espanha, são os dois países mais dinâmicos da Europa no momento.
Se excluirmos o turismo vê alguma nota positiva no perfil de exportação portuguesa?
Sim, as exportações de produtos farmacêuticos estão a aumentar, é um setor os que está a apoiar o crescimento das exportações. Há o risco aqui: muitas delas vão para os Estados Unidos. Então aí, se houver tarifas americanas, pode ser também um problema para as exportações farmacêuticas portuguesas. Depois temos também produtos eletrónicos. Também estão a subir. Temos que ver se essa tendência vai seguir ou não, mas já permitiu, por exemplo, compensar os problemas da indústria automóvel europeia. Esse problema é também do têxtil, que já há muito tempo está a sofrer pela concorrência mundial.
Será que os países e empresas aprenderam a reagir a crises mundiais depois de 2008, 2011 e pandemia?
O objetivo depois da pandemia, sobretudo, era fazer melhor o near shoring, basicamente relocalizar a produção nos países mais perto de nós. Depois, com a guerra na Ucrânia, já começámos a falar de risco geopolítico e de friend shoring – ir produzir em países amigos. O problema é que estamos a ver aquelas tensões entre Donald Trump, México, Canadá e Europa, que são os aliados naturais. Então, o conceito de “friends” não é tão óbvio para as empresas, e são elas que decidem onde investir. Se calhar as empresas já se habituaram a outra realidade, a pandemia pode ter levado as empresas a pensar em estratégias com vários cenários, não só no cenário central. Já estão mais preparadas e ágeis para se adaptarem a realidades e a decisões políticas e geopolíticas.
Para o investidor quais os prós e contras de escolher Portugal?
Há muitos prós. Estamos a ver claramente uma dinâmica boa nos próximos anos. Estamos a ver que a emigração está a ser bastante mais integrada do que no resto da Europa, pelos dados do Governo e do FMI. Vemos que há potencial turístico para subir a oferta embora o esgotar da capacidade do aeroporto de Lisboa e hotéis sempre cheios podem estar a estagnar o turismo. Portugal tem uma energia barata, e tal como Espanha, tem sol e capacidade para energias renováveis. E também fundos europeus muito elevados com perspetivas positivas. O país ainda é competitivo pelos salários baixos e por ser um país sério, sempre a baixar a dívida pública com uma responsabilidade orçamental positiva. Vemos que em Portugal esquerda e direita podem, para já, trabalhar juntos. Outros países não são assim: Espanha não tem orçamento, França é muito complicada. Alemanha não tem governo. Nos contras o peso administrativo e dos impostos. Tem também um mercado pequeno, precisa exportar, não só para desenvolver, depois também para subir na categoria das indústrias. Ainda pesam muito as indústrias de baixo valor acrescentado.
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