Risco, R.I.P.

  • Nuno Oliveira Matos
  • 2 Março 2025

Nuno Oliveira Matos antecipa o futuro das seguradoras, observa as mudanças radicais que se começam a tornar evidentes e constata a dificuldade das companhias para se manterem relevantes.

O setor segurador tem prosperado como guardião financeiro do aleatório. Os seguros estão presentes para nos levantar após quedas, reconstruir o que foi perdido e oferecer um colchão de segurança quando o imprevisto acontece. Mas, e se o inesperado pudesse ser previsto? E se, em vez de reparar danos, pudéssemos evitá-los? Estas questões já não são meramente hipotéticas ou retóricas; são o iminente futuro do seguro!

A mudança do modelo tradicional de “detetar e reparar” para “prever e prevenir” não resulta apenas da evolução tecnológica, mas sobretudo de uma transformação radical na proposta de valor da indústria seguradora. A pergunta que os players precisam fazer não é “se” isso vai acontecer, mas “como” e “quem” será deixado para trás?

O modelo clássico do seguro baseia-se num paradoxo desconfortável. Quanto mais sinistros acontecem, mais essencial a indústria se torna. Mas, ao mesmo tempo, mais dispendiosa e, porventura, insustentável. Olhemos, a título de exemplo, para o aumento das perdas climáticas ou para os riscos cibernéticos crescentes. Não estaremos a chegar a um ponto de inflexão?! A equação precisa de ser reconfigurada!

Se a tecnologia já permite prever e prevenir (ou mitigar) sinistros, então não deveria ser esse o papel do seguro? Imagine um mundo onde sensores IoT detetam um vazamento de água antes que ele cause danos, ou onde wearables de saúde preveem um ataque cardíaco horas antes de ele ocorrer. Nos Estados Unidos, veículos autónomos e telemetria já estão a reduzir drasticamente acidentes. Este não é um cenário de ficção científica; é a realidade que se avizinha!

O modelo do negócio segurador tradicional assenta na boa subscrição e na sã gestão dos riscos. Mas o desafio atual é mudar a proposta de valor para a previsão e prevenção. E aqui surge uma questão crucial: se os riscos são eliminados antes mesmo de se materializarem, os clientes ainda precisarão de seguros?

A resposta é “sim”, mas de um tipo diferente. Os clientes já não precisarão tanto de um serviço ao cliente focado em peritagens rápidas e regularizações céleres de sinistros. Em vez disso, precisarão de um parceiro que os ajude a antecipar e evitar problemas. O seguro transformar-se-á num serviço de assinatura preventiva, onde os clientes pagam para evitar danos, ao invés de serem compensados por eles.

A tecnologia já está a impulsionar essa mudança. Sensores IoT, inteligência artificial e machine learning permitem antecipar riscos de incêndios, inundações e falhas mecânicas. Na saúde, wearables podem prever doenças antes que aconteçam. Mas essa revolução tecnológica também levanta questões éticas e legais delicadas.

Quanto mais informação as empresas de seguros recolhem, mais podem intervir na vida dos segurados. Onde traçamos a linha entre proteção e invasão de privacidade? E se os riscos forem altamente personalizados, ainda fará sentido mutualizar o risco? Estas são questões que o setor terá de enfrentar à medida que avança para o modelo “prever e prevenir”.

As empresas que não se adaptarem à lógica do “prever e prevenir” poder-se-ão tornar irrelevantes. Gigantes tecnológicos e insurtechs já estão a ocupar esse espaço, oferecendo soluções inovadoras que desafiam o status quo das incumbentes

As empresas de seguros precisarão redefinir a sua proposta de valor. Em vez de serem apenas pagadoras de sinistros, precisam de se tornar parceiras ativas dos clientes na previsão e prevenção de riscos. Isso significa usar dados para alertar os clientes sobre potenciais ameaças antes que se concretizem, criar incentivos financeiros para a adoção de comportamentos mais seguros e formar alianças estratégicas com empresas de tecnologia para integrar soluções preditivas no dia-a-dia dos segurados.

Está então o modelo tradicional segurador condenado? Haverão sempre sinistros, mas as empresas que não se adaptarem à lógica do “prever e prevenir” poder-se-ão tornar irrelevantes. Gigantes tecnológicos e insurtechs já estão a ocupar esse espaço, oferecendo soluções inovadoras que desafiam o status quo das incumbentes.

A grande questão para os líderes do setor não é se essa mudança vai acontecer, mas quem estará preparado para liderá-la e quem será apenas uma nota de rodapé na história da indústria seguradora.

O seguro como o conhecemos está a chegar ao fim. Mas a verdadeira proteção, aquela que antecipa e impede o dano antes que ele ocorra, está apenas a começar! Este é o futuro do seguro: não apenas um guardião financeiro, mas um verdadeiro protetor!

  • Nuno Oliveira Matos
  • Sócio da Carrilho & Associados, SROC

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