BCE prepara mais um corte de 25 pontos base (e não será o último)

Com o quinto corte consecutivo, o BCE colocará a taxa de depósitos em 2,5%. Embora os analistas considerem que esta é a última reunião "fácil" do Conselho do BCE, antecipam mais cortes em 2025.

O Banco Central Europeu (BCE) deverá anunciar esta quinta-feira o quinto corte consecutivo das taxas diretoras – e o sexto corte desde que em junho se reverteu o ciclo, com o primeiro corte em quase cinco anos.

Se as expectativas dos analistas se confirmarem, a taxa de depósitos descerá novamente 25 pontos base para 2,5% (o valor mais baixo dos últimos dois anos), num movimento amplamente antecipado pelo mercado, mas que esconde um debate crescente sobre até onde irá a flexibilização nos próximos meses.

Enquanto as projeções de vários analistas apontam para uma descida da taxa de depósitos até aos 2%, ou abaixo desse nível até final do ano, vozes conservadoras no Conselho do BCE, como a de Isabel Schnabel, começam a questionar se não será hora de fazer uma pausa.

Neste cenário de bifurcação, a comunicação de Christine Lagarde sobre a manutenção (ou não) do caráter “restritivo” da política monetária promete ditar o tom do discurso da presidente do BCE na tradicional conferência de imprensa após o anúncio da decisão do Conselho do BCE.

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O dilema da “restritividade” é o novo campo de batalha do BCE

A reunião desta quinta-feira do Conselho do BCE é vista pela generalidade dos economistas como a última etapa consensual de um ciclo de abrandamento que já reduziu as taxas diretoras em 125 pontos base desde meados de 2024. “Esta será a última reunião ‘fácil’ do BCE”, antevê Rubén Segura-Cayuela, economista-chefe do Bank of America para a Europa, numa nota enviada aos clientes do banco.

O amplo alinhamento entre os membros do Conselho do BCE quanto à necessidade de estimular uma economia europeia estagnada – o PIB da zona euro cresceu cerca de 0,7% em 2024 – justifica o consenso em torno de mais um corte.

O corte de 25 pontos base esperado pelo mercado desta reunião colocará a taxa de depósitos no patamar superior do intervalo considerado neutro pelo BCE (1,75%-2,25%), reacendendo o debate sobre até que ponto a política monetária permanece restritiva.

Para Michael Krautzberger, diretor de investimento da Allianz Global Investors, “os desafios que ainda enfrenta a atividade económica da região” sustentam a necessidade de medidas adicionais.

Os dados mais recentes não desmentem essa leitura: a inflação desacelerou para 2,4% em fevereiro, aproximando-se da meta de 2%, enquanto o PMI composto de fevereiro sinalizou uma estagnação (50,2 pontos). Apesar disso, persistem riscos no horizonte. “A inflação dos serviços continua elevada em toda a Zona Euro”, alerta Stéphane Colliac, economista do BNP Paribas, numa nota publicada a 26 de fevereiro.

O corte de 25 pontos base esperado pelo mercado desta reunião colocará a taxa de depósitos no patamar superior do intervalo considerado neutro pelo BCE (1,75%-2,25%), reacendendo o debate sobre até que ponto a política monetária permanece restritiva.

“A questão determinante será se Lagarde mantém o termo ‘restritivo’ na comunicação”, sublinham Francesco Pesole e Benjamin Schroeder, analistas do ING, numa análise publicada a 3 de março. Caso o BCE opte por suavizar a linguagem – por exemplo, referindo que a política é “ligeiramente restritiva” —, estará a sinalizar abertura para uma pausa já em abril.

Num ambiente de incertezas gémeas – geopolíticas e económicas -, o BCE parece condenado a uma estratégia de “navegação à vista”. Como sublinham analistas do ING, “os indicadores macroeconómicos podem rapidamente tornar-se desatualizados”.

No entanto, a equipa de estratégia do ING argumenta que “as fragilidades estruturais da economia da Zona Euro” e as “pressões deflacionistas associadas a um mercado de trabalho em transformação” forçarão o BCE a levar as taxas até 2% ou menos.

Esta visão é compartilhada pelo Goldman Sachs, que prevê uma taxa de 1,75% em julho, citando “previsões de crescimento mais fracas no contexto do aumento das tensões comerciais”, referem os analistas do banco norte-americano numa nota de 28 de fevereiro.

Já a perspetiva da Allianz Global Investors é mais cautelosa. Embora espere que esta quinta-feira o BCE coloque a taxa de depósitos nos 2,5%, Michael Krautzberger adverte que “existe o risco de que essa taxa seja inferior a 2% antes do final deste ano”.

A gestora germânica está a posicionar as suas carteiras para um “steepening” da curva de rendimentos alemã, antecipando que a yield das obrigações de longo prazo subirão mais rapidamente que as de curto prazo à medida que o BCE normalize a política monetária.

Entre um cenário de estagflação e a pressão das tarifas de Trump

Nos bastidores da política monetária europeia há dois fantasmas que assombram as deliberações do Conselho do BCE – o risco de estagflação e a escalada protecionista da administração Trump – a que se junta o “elefante” na sala sob a imagem do impacto das eleições alemãs no contexto europeu.

A Schroders reviu em fevereiro as suas previsões para a Zona Euro, projetando agora um crescimento da economia do bloco do euro de apenas 1,1% em 2025 e uma inflação de 2,4% – um cenário que combina estagnação com pressões inflacionistas residuais. “A inflação permanecerá elevada”, resume a gestora britânica numa nota de 20 de fevereiro enviada aos seus clientes, num aviso que ressoa nos corredores de Frankfurt.

Já as tarifas de 25% que os EUA ameaçam impor à Europa – inicialmente previstas para arrancar a 4 de março, mas ainda não confirmadas – representam um duplo desafio. Por um lado, podem desacelerar ainda mais o crescimento e, por outro, ao depreciar o euro, arriscam reacender as pressões inflacionistas por via do encarecimento das importações.

Se a presidente do BCE conseguir equilibrar o combate à inflação com o estímulo ao crescimento, estará a preparar o caminho para uma saída suave da crise. Se falhar, arrisca-se a reacender a volatilidade nos mercados de dívida periférico.

Em cima desta incerteza é ainda necessário contabilizar o facto de a recente formação de um governo de coligação na Alemanha — maior economia da zona euro — introduzir variáveis novas na equação. Embora as eleições tenham alimentado esperanças de maior flexibilidade orçamental, a realidade política esbarra na oposição de extremas à reforma do “travão à dívida”.

“Será necessária uma maioria de dois terços no Parlamento para aprovar estas reformas, algo difícil de alcançar”, refere Michael Krautzberger. Contudo, o impulso para aumentar os gastos com defesa, tanto a nível nacional como europeu, ganha terreno, particularmente após Ursula von der Leyen ter anunciado na terça-feira um plano para mobilizar 800 mil milhões de euros para a defesa europeia.

“A curto prazo, este cenário pode impulsionar ligeiramente o crescimento da Zona Euro”, reconhece Michael Krautzberger, embora ressalve que tais medidas não alteram as perspetivas imediatas de política monetária.

Num ambiente de incertezas gémeas – geopolíticas e económicas –, o BCE parece condenado a uma estratégia de “navegação à vista”. Como sublinham analistas do ING, “os indicadores macroeconómicos podem rapidamente tornar-se desatualizados”, especialmente face à volatilidade das negociações dos EUA-Europa e ao conflito na Ucrânia.

Esta abordagem reflete-se nas recentes declarações de Isabel Schnabel, que defendeu que as decisões de política monetária devem ser adotadas em cada reunião, em função da evolução económica. Contudo, a sua posição, que inclui alertas contra a excessiva rapidez no abrandamento do ciclo de cortes das taxas de juro, parece ainda minoritária no Conselho do BCE.

Desta forma, as palavras de Christine Lagarde na conferência de imprensa desta tarde ressoarão muito além de Frankfurt. Se a presidente do BCE conseguir equilibrar o combate à inflação com o estímulo ao crescimento, estará a preparar o caminho para uma saída suave da crise. Se falhar, arrisca-se a reacender a volatilidade nos mercados de dívida periféricos, incluindo o português.

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