“Riscos em todo lado” impedem BCE de se comprometer com novos cortes

Christine Lagarde explicou porque vê agora política monetária como "menos restritiva", mas recusou-se a dar sinais sobre os próximos cortes dado o cenário ensombrado por incerteza.

A conferência de imprensa de Christine Lagarde foi marcada por viagens – caminhos e destinos e, principalmente, nuvens pelo meio. A presidente do Banco Central Europeu (BCE) explicou o novo corte nas taxas de juros, mas sublinhou que riscos e incertezas “enormes” e “em todo o lado” impedem a instituição de se comprometer sobre o ritmo das próximas descidas.

“Temos uma enorme incerteza”, referiu. “Algumas pessoas [na reunião do Concelho] utilizaram o adjetivo incerteza ‘fenomenal’ e nós debatemos se era alta e crescente, mas basta dizer que temos riscos por todo o lado, incerteza por todo o lado”.

De um dia para o outro, a situação muda drasticamente e a nossa projeção, a medida da inflação subjacente, o preço da energia, etc., os riscos estão por todo o lado”, desabafou a líder do BCE.

Na declaração antes das perguntas, Lagarde já havia listado alguns desses riscos: tensões comerciais com tarifas que podem danificar a economia global, tensões geopolíticas como as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, um acelerar da inflação com o aumento da despesa na defesa e nas infraestruturas, eventos climáticos extremos que podem aumentar os preços dos bens alimentares.

O Conselho do BCE voltou esta quinta-feira a cortar as taxas de referência em 25 pontos base, numa decisão que era antecipada pelos investidores e analistas. Trata-se da quinta vez consecutiva (e a sexta em sete reuniões) que a autoridade da política monetária corta o custo do euro.

A expectativa de Lagarde e dos economistas do BCE é que a Zona Euro chegue à meta da inflação no início de 2026, mas por enquanto é difícil antever os passos e o timing. “O panorama que temos neste momento está envolto em incerteza. E, mais do que nunca, exigirá que estejamos atentos, que sejamos ágeis para responder aos dados”, explicou.

“Se os dados nos indicarem que, para chegar ao destino, a política monetária adequada deve ser a de cortar, fá-lo-emos”, sublinhou. “Se, por outro lado, os dados indicarem que não é esse o caso, então não faremos cortes e faremos uma pausa”.

Temos em conta o caminho que percorremos 150 pontos base desde que começámos a cortar, e reconhecemos que, como resultado, (a política) está a tornar-se significativamente menos restritiva.

Christine Lagarde

Presidente do BCE

Para Carsten Brzeski, global head of macro do banco neerlandês ING, “com o aumento da incerteza e as perspetivas de um grande estímulo orçamental, a direção a seguir pelo BCE após a redução das taxas de hoje já não é tão clara como era há algumas semanas”.

“Uma pausa na próxima reunião para se adaptar à nova realidade macroeconómica parece agora uma possibilidade, no entanto, mesmo que a necessidade de novas reduções de taxas esteja a desaparecer gradualmente, o BCE não estará livre de problemas”, alertou o analista.

“Spreads não subiram”

Lagarde comentou também dois planos que poderão ajudar a economia europeia: o da Comissão Europeia para mobilizar 800 mil milhões de euros para investimento na defesa, e o da Alemanha para criar um fundo de 500 mil milhões de euros para financiar as despesas com as infraestruturas da Alemanha, com o alívio do travão constitucional ao endividamento.

“É trabalho em curso. Temos de estar atentos, vigilantes, e temos de perceber como isto vai funcionar”, respondeu Lagarde, notando ainda que será ainda preciso saber qual o calendário e qual será o financiamento, “para depois podermos tirar conclusões e avaliar em que medida contribuirá para o crescimento e qual o impacto que terá eventualmente na inflação”.

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Questionada sobre o risco de uma nova crise da dívida soberana na Zona Euro após as yields da dívida alemã terem disparado na quarta-feira com notícias sobre o novo fundo de 500 mil milhões de euros, Lagarde disse que não afetará o percurso do BCE. “Olhamos para todos os desenvolvimentos do mercado, e estamos muito atentos, e tentamos compreender a função da reação e, claramente, houve muita reação, particularmente nas últimas 24 horas”, esclareceu. “Mas não vamos alterar a nossa posição política em resultado de uma determinação do mercado nas últimas 24 horas“, disse a presidente do BCE.

As yields da Bunds a 10 anos sobem esta quinta-feira sete pontos base para 2,849%, após terem atingido 2,929%, o valor mais elevado desde outubro de 2023. Na quarta-feira, subiram mais de 30 pontos base, registando a maior subida diária desde maio de 1997. As yields movem-se inversamente aos preços

Lagarde vincou, no entanto, que “se olharmos para o spread [entre as taxas de juro da dívida alemã e as de outros países], verificamos que a variação do spread foi limitada, apesar da alteração maciça das yields, e penso que isso nos dá uma resposta relativamente à solidez da transmissão e dos soberanos em toda a Europa”.

“Abordagem mais evolutiva”

A principal novidade no comunicado do BCE foi alteração da linguagem sobre a política monetária, que agora “está a tornar-se significativamente menos restritiva”. Vários analistas haviam salientado a possibilidade de o BCE alterar a linguagem do comunicado face à de janeiro, que ainda classificava a política monetária como “permanecendo restritiva”.

Christine Lagarde explicou a mudança. “Estamos agora a passar — com a nossa política monetária a tornar-se significativamente menos restritiva — para uma abordagem mais evolutiva”.

“Por outras palavras, temos em conta o caminho que percorremos 150 pontos base desde que começámos a cortar e reconhecemos que, como resultado, (a política) está a tornar-se significativamente menos restritiva”, salientou.

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