Um quarto de século depois da crise das ‘dot-com’, há outra bolha a caminho?

Euforia em torno das empresas de IA tem gerado pontos de comparação com o que aconteceu na bolha das tecnológicas no início dos anos 2000, com os investidores a investirem de forma indiscriminada.

10 de março de 2000. O índice tecnológico Nasdaq bate novos máximos. A partir daí, o mercado inicia um ciclo com um único sentido: o da descida. Depois de meses de euforia, e sem verem os resultados das empresas a acompanhar os elevados preços que estavam a pagar pelos títulos, os investidores, desiludidos, começam a despejar as suas ações no mercado. Um quarto de século depois, o entusiasmo em torno das tecnológicas, nomeadamente da inteligência artificial (IA), faz lembrar o que se viveu no final da década de 90. Estará o mercado perante uma nova bolha?

Um ponto em comum com a atualidade é quando estamos a olhar para temas como a transição energética, baterias, IA ou semicondutores: há investidores que admitem pagar 60 ou 100 vezes o resultado anual na expectativa de que as empresas acelerem os lucros. Historicamente não se observam esses ganhos de produtividade”, explica João Queiroz, recordando esses loucos anos nas bolsas. O head of trading do Banco Carregosa lembra que “havia um grande entusiasmo” dos investidores relativamente a tomar risco.

Mas este entusiasmo cedeu ao “desencanto” quando se percebeu que os resultados não apareciam.

Foi precisamente esta promessa de ganhos elevados de novas empresas ligadas à internet e a outras tecnologias que agigantou as cotações destes negócios, que chegavam ao mercado com avaliações estratosféricas e rapidamente escalavam em bolsa, sem apresentarem fundamentais que o justificassem.

Das centenas que entravam no mercado, muito poucas sobreviveram — ainda que tenham nascido por esta altura alguns ‘campeões’, como a Google (agora denominada Alphabet), cujas ações foram vendidas no IPO a pouco mais de dois dólares (2,13 dólares) e que valem atualmente cerca de 166,5 dólares.

A Alphabet, dona da Google, liderada por Sundar Pichai, nasceu em 1999EPA/RAJAT GUPTA

Em 1999, o mundo vibrava com o avanço das novas tecnologias e os desenvolvimentos que surgiam. A internet era uma novidade e as potencialidades eram imensas. Quando as taxas de juro começaram a subir e o financiamento a desaparecer, estas “estrelas em ascensão” começaram a cair. E grandes empresas que ainda hoje existem não escaparam ilesas.

Entre 1995 e o máximo de março de 2000, o índice tecnológico Nasdaq disparou 800%, antes de cair 78% desde o pico, até outubro de 2002, evaporando todos os ganhos registados neste ciclo.

A Cisco, que se tornou a empresa mais valiosa no mundo, viu o preço da ação afundar 88% — uma desvalorização da qual ainda não recuperou.

Já as ações da Amazon dispararam em 1999, antes de tombarem 90% quando a empresa — então conhecida como uma livraria online — foi atingida por uma crise de confiança no início dos anos 2000. No entanto, as ações da Amazon subiram de forma espetacular desde então, com a empresa a ter hoje uma das maiores capitalizações do mundo.

Um quarto de século após a bolha das dot-com ter rebentado, os mercados têm vivido um novo momento de euforia nas ações tecnológicas, mais concretamente, nas empresas ligadas à IA, apesar das quedas das últimas sessões devido aos receios com as políticas protecionistas de Donald Trump.

“Onde estamos no ciclo agora é muito similar a onde estávamos entre 1998 e 1999”, disse Ray Dalio, o influente investidor que fundou a Bridgewater Associates, ao Financial Times. “Em outras palavras, há uma nova tecnologia importante que certamente mudará o mundo e será bem-sucedida. Mas algumas pessoas estão a confundir isso com os investimentos sendo bem-sucedidos.”

As chamadas 7 magníficas — Alphabet (Google), Amazon, Apple, Meta Platforms (Facebook), Microsoft, Nvidia e Tesla — têm registado ganhos surpreendentes, com capitalizações bolsistas de biliões de dólares. O otimismo em torno da IA tem acelerado o movimento de subida, com estas empresas a prometerem investimentos de milhares de milhões para desenvolver esta tecnologia.

Estima-se que Meta, Microsoft e Alphabet invistam 200 mil milhões em IA apenas este ano, o equivalente a cerca de um quarto das suas receitas. O caso da chinesa DeepSeek, que conseguiu desenvolver um modelo de IA concorrente do ChatGPT por uma pequena fração do custo deste último, veio suscitar dúvidas sobre os elevados investimentos que estão a ser direcionados para a IA nos EUA.

Mesmo com todas as dúvidas em torno destes modelos, a verdade é que estas mega capitalizações continuam a apresentar valores de valorização muito elevados, com os especialistas a argumentarem que a IA vai fazer parte de todos os setores de atividade.

A escalada das empresas do setor, alimentada pelos disparou das megacap, levou os índices acionistas norte-americanos a baterem sucessivos recordes ao longo dos últimos anos, com o índice Nasdaq a valer hoje mais de quatro vezes o que valia no pico da bolha das dot-com. E daqui em diante?

2025 tem-se revelado, para já, um ano difícil para as tecnológicas. Esta segunda-feira, o Nasdaq esteve a descer mais de 4%. Empresas como a Nvidia, Tesla e Palantir têm sido penalizadas pelo nervosismo dos investidores desde o início do ano.

A Nvidia desvaloriza cerca de 15% em 2025, enquanto a Tesla desce 26%. A Palantir, especializada em plataformas de software que permitem a tomada de decisões orientada por IA, afunda 20% desde o início do ano. Desempenhos que levantam alguns receios, no ano que se comemora o 25.º aniversário da bolha das dot-com.

“Entendendo a bolha para investir em ativos cuja avaliação está muito descorrelacionada dos resultados, há essa possibilidade [de uma nova bolha], porém também se verifica que estas cotadas têm balanços muito diferentes”, refere João Queiroz. “Há uma preocupação que não havia por parte dos acionistas e dos stakeholders. Têm um grau de exigência diferente”, remata.

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