País vai para eleições um ano depois sem solução de estabilidade à vista
Montenegro manteve a empresa da família, mas perdeu o Governo. Presidente da República deve marcar eleições para maio, ainda esta semana.
Umas eleições ganhas pela margem de votos mais magra em democracia (apenas 54 mil) e o apoio parlamentar minoritário no Parlamento faziam adivinhar uma vida curta do Governo. Acabaria por cair por força do próprio Executivo, que respondeu às suspeitas sobre a empresa familiar de Luís Montenegro e à realização de uma comissão parlamentar de inquérito com a apresentação de uma moção de confiança, chumbada no Parlamento.
A iniciativa passa agora para o Presidente da República, que a semana passada prometeu agir “o mais rápido possível” para “minimizar os custos” para o país. Marcelo Rebelo de Sousa vai ouvir os partidos políticos já esta quarta-feira e convocou o Conselho de Estado para o dia seguinte. Apontou já os dias 11 e 18 de maio como as datas prováveis para os portugueses voltarem às urnas.
O país avança para as terceiras eleições legislativas em pouco mais de três anos, somando a instabilidade política interna à elevada incerteza do contexto externo, marcado por um conflito bélico na Europa e uma crescente guerra comercial.
Tal como há um ano, as sondagens voltam a apontar para um resultado incerto, sem uma vantagem clara de PSD ou PS, e muito menos uma maioria absoluta.
O inquérito da Pitagórica para o JN, TSF e TVI/CNN, divulgado na segunda-feira, dá 33,5% das intenções de voto à AD (acima dos 28,83% conseguidos nas legislativas) e 28,8% ao PS, o que na prática significa um empate técnico, já que considerando a margem de erro qualquer dos partidos pode vencer.
A sondagem da Intercampus para o CM, CMTV e Jornal de Negócios coloca o PS à frente com 25% das intenções de voto, contra 23,5% da AD, também um empate técnico. O barómetro da Aximage para o DN também dá vantagem ao PS, com 30,8% das intenções de voto, cinco pontos percentuais acima da AD.
Em entrevista à CNN Portugal na terça-feira à noite, Pedro Nuno Santos veio exigir “reciprocidade” ao PSD, permitindo que tome posse como primeiro-ministro caso o partido vença as eleições. No dia anterior, Luís Montenegro tinha afirmado ao mesmo canal que caso perca não será primeiro-ministro. As sondagens continuam a apontar para uma maioria absoluta dos partidos de direita.
Governo tentou trocar moção por CPI mais curta
Na origem da crise política está a empresa do universo do primeiro-ministro, a Spinumviva, e um potencial conflito de interesses, dado que a sociedade tem avenças com várias empresas, entre elas a Solverde, a Rádio Popular ou a Ferpinta, num valor de cerca de 9 mil euros. A empresa recebeu também 194 mil euros da Joaquim Barros Rodrigues e Filhos, segundo Luís Montenegro por um trabalho de consultoria para a restruturação do grupo de gasolineiras. A polémica em volta do caso levou à apresentação de duas moções de censura, do Chega e PCP, à proposta do PS para uma comissão parlamentar de inquérito e, por fim, uma moção de confiança, debatida pelo Parlamento esta terça-feira.
Os vários flick flacks do Governo e do PSD durante o debate não evitaram que a moção de confiança fosse mesmo votada e rejeitada pelo Parlamento, com os votos contra do PS, do Chega, do BE, do PCP, do Livre e do PAN. PSD, CDS e IL votaram a favor.
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"Se tínhamos razões para chumbar uma moção em janeiro agora temos muito mais.”
Luís Montenegro começou por abrir a porta à suspensão da moção de confiança, lançando o repto a Pedro Nuno Santos para que dissesse “em concreto que informação pretende, em que prazo pretende para de uma vez por todas” responder às questões que pretende ver esclarecidas. O líder socialista respondeu que por três vezes já tinha afirmado que chumbaria uma moção de confiança: após as eleições, em março de 2024, e durante o debate das moções de censura do Chega e do PCP. “Se tínhamos razões para chumbar uma moção em janeiro agora temos muito mais”, disse.
Mais tarde, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, apresentou um requerimento oral para que o debate fosse suspenso durante 30 minutos para permitir que o líder do PS e o primeiro-ministro pudessem conversar, o que foi liminarmente rejeitado por Pedro Nuno Santos e por uma votação do Parlamento.
Depois foi a vez do ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, propor que a comissão parlamentar de inquérito (CPI) proposta pelo PS à empresa familiar de Luís Montenegro tivesse um período máximo de 15 dias, como moeda de troca para a moção de confiança ser levantada. Após o requerimento potestativo do CDS para a suspensão dos trabalhos durante uma hora, foi ainda sugerido, em privado, que a CPI terminasse obrigatoriamente no final de maio. Propostas todas recusadas por Pedro Nuno Santos.
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"Tentámos tudo, mas mesmo tudo o que estava ao nosso alcance.”
A estratégia do Governo foi tentar evitar a votação e culpar a intransigência do PS pela crise política. A dos socialistas atirar a responsabilidade para o Executivo e mostrar que Luís Montenegro queria apenas fugir ao escrutínio sobre a sua empresa familiar.
“Tentámos tudo, mas mesmo tudo o que estava ao nosso alcance” para conciliar a visão do PS sobre a CPI, para “aprofundar esclarecimentos”, afirmou Luís Montenegro já após o debate. Acusou ainda os socialistas de quererem com a CPI “um processo longo e prolongado de degradação das condições políticas”.
“O que aconteceu no Parlamento hoje foi um vergonha, foram manobras, jogos, truques”, afirmou Pedro Nuno Santos, acusando o Governo de estar “desesperadamente a tentar condicionar” a comissão parlamentar de inquérito. “Quiseram criar a ideia de intransigência do PS. Os portugueses não são tontos”, acrescentou.

País vai para eleições com economia de boa saúde
O passa culpas que irá, por certo, continuar durante a campanha eleitoral. Rejeitada a moção de confiança, o Governo fica em gestão e limitado na sua atuação, deixando vários dossiês em suspenso, como a venda da TAP, e aumentando o risco sobre a execução do PRR.
Um cenário desdramatizado por Bruxelas, que em resposta ao ECO afirmou que o “processo político não tem implicações diretas no PRR” e que o “Governo empenhar-se-á para garantir que, qualquer que seja a evolução do cenário político, o impacto negativo na execução dos fundos seja tão reduzido quanto possível”.
Apesar do contexto de elevada instabilidade externa, o país vai para eleições com a economia numa situação robusta. Portugal cresceu 1,9% em 2024, com a economia a acelerar no quarto trimestre (2,8% na variação homóloga). Uma dinâmica positiva que levou o ministro das Finanças a admitir um crescimento de 2,5% este ano. A taxa de desemprego teve também uma evolução favorável, descendo para 6,4% no ano passado.
O país tem também contas públicas equilibradas e deverá voltar a registar um ligeiro excedente em 2024. A situação orçamental e económica levou a S&P a melhorar o rating de Portugal para “A” no final de fevereiro, com uma perspetiva positiva, admitindo uma nova subida “nos próximos 24 meses”.
Há, no entanto, uma expetativa da agência americana que saiu gorada: “eleições antecipadas parecem improváveis em 2025”.
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