Garantia pública vai chegar a mais instituições. Mas terá pouco impacto no mercado

O Governo alargou às sociedades financeiras a garantia pública no crédito à habitação para os jovens, mas o impacto será reduzido: só a UCI oferece o serviço e tem uma quota de mercado inferior a 2%.

O Conselho de Ministros aprovou na segunda-feira um Decreto-Lei que estende às sociedades financeiras a concessão da garantia pública no crédito à habitação aos jovens. Esta medida, que até agora estava limitada aos bancos tradicionais, pretende alargar as opções de financiamento para jovens até aos 35 anos na compra da primeira casa.

Contudo, o impacto real desta alteração legislativa será praticamente residual no mercado. Embora existam cerca de três dezenas de instituições registadas no Banco de Portugal como sociedades financeiras de crédito ou como sucursais de sociedades financeiras de crédito, apenas uma delas oferece atualmente crédito à habitação: a Unión de Créditos Inmobiliários (UCI), cuja quota de mercado no crédito à habitação em Portugal está abaixo de 2%, segundo o mais recente relatório da DBRS Morningstar sobre a UCI

Questionado pelo ECO, o Ministério das Finanças esclareceu que “o Decreto-Lei sobre a garantia pública para a habitação foi alterado apenas para permitir que as sociedades financeiras que estão habilitadas a conceder crédito à habitação em Portugal também possam beneficiar desta medida do Governo, nas mesmas condições em que esta se aplica às instituições de crédito”, salientando também que “não há quaisquer alterações a outros aspetos substantivos do regime”, inclusive ao montante disponibilizado pelo Estado para esta medida.

A distribuição dos 1,2 mil milhões de euros alocados pelo Estado ao protocolo da garantia pública tem em conta as quotas de mercado de cada instituição de crédito na concessão de crédito à habitação, disponibilizadas pelo Banco de Portugal.

“Não se antecipa que esta alteração legislativa implique o aumento do valor do montante global da garantia que já foi autorizado (1.200 milhões euros)”, refere o Ministério das Finanças. Isto significa que a distribuição do montante terá de ser feita dentro do limite já estabelecido anteriormente.

Já o Banco de Portugal lembrou que além das instituições de crédito, onde se incluem bancos, caixas económicas, Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e caixas de crédito agrícola mútuo também “determinadas sociedades financeiras — incluindo as respetivas sucursais a operar em Portugal — podem conceder crédito a título profissional”. E são estas que o decreto-lei agora aprovado passa a incluir na linha estatal.

Uma questão de equidade entre concorrentes

Duarte Gomes Pereira, secretário-geral da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), que agrega 24 associados incluindo a UCI, a Unicre, a Cofidis e a Credibom, considera que esta alteração terá sido realizada pelo Governo para equiparar empresas como a UCI, cujo core business é o crédito à habitação, aos seus concorrentes bancários. “Não acredito que tenha sido premeditado colocar de lado entidades para lá das entidades de crédito. Terá sido um lapso”, refere.

A UCI, uma joint-venture entre o BNP Paribas e o grupo Santander, opera em Portugal desde 1999 e é a única sociedade financeira a oferecer atualmente crédito à habitação no mercado português. Segundo o último relatório e contas disponível no site da empresa, referente ao ano de 2023, a UCI concedeu cerca de 128 milhões de euros de crédito à habitação em Portugal, menos 36% face a 2022.

Esta cifra representa cerca de 1% do total de novos empréstimos à habitação concedidos às famílias em 2023, de acordo com dados do Banco de Portugal. Mesmo considerando uma quota de mercado ligeiramente superior, segundo as estimativas da DBRS Morningstar, significa que a fatia que será disponibilizada à UCI ao abrigo da garantia pública será muito reduzida, apesar de atualmente ainda estarem por distribuir 240 milhões de euros. Isto porque a distribuição dos 1,2 mil milhões de euros alocados pelo Estado ao protocolo da garantia pública tem em conta “as quotas de mercado de cada instituição de crédito na concessão de crédito à habitação, disponibilizadas pelo Banco de Portugal”, segundo o diploma que regula a garantia pública.

Questionada pelo ECO sobre o interesse em aderir à garantia pública, a UCI disse apenas que “está a aguardar pela publicação do diploma”. Quanto a eventuais outras sociedades financeiras de crédito que possam aderir à garantia pública, a probabilidade revela-se bastante baixa, desde logo por nenhuma das sociedades financeiras existentes em Portugal oferecer atualmente este produto. Além disso, segundo Duarte Gomes Pereira, nunca lhe foi indicado “qualquer interesse por entidades que não ofereçam crédito a habitação atualmente e tenham interesse em fazê-lo através desta medida.”

Garantia pública conta com forte adesão e alguma críticas

A garantia pública para habitação foi regulamentada a 27 de setembro e passou a estar disponível desde o início deste ano. Esta medida permite aos jovens entre os 18 e os 35 anos obter um financiamento a 100% no crédito à habitação para a compra da primeira casa, eliminando a necessidade de entrada inicial que normalmente ronda os 10% a 20% do valor do imóvel.

A garantia pessoal do Estado pode atingir até 15% do valor da transação, desde que esta não ultrapasse os 450 mil euros. Para beneficiar desta garantia, os jovens devem ter domicílio fiscal em Portugal, rendimentos que não ultrapassem o 8.º escalão do IRS, e não podem ser proprietários de outro imóvel habitacional.

A garantia tem a duração de 10 anos a contar da celebração do contrato de crédito, extinguindo-se antecipadamente se todas as obrigações do mutuário forem cumpridas previamente. Para segurança do financiamento, deverá ser constituída hipoteca a favor da instituição sobre a habitação adquirida, mantendo-se esta em vigor pelo menos durante o período em que o financiamento beneficie da garantia do Estado.

O ministro das Finanças, Joaquim Sarmento, tem classificado a adesão à garantia pública como “um sucesso”. Numa conferência promovida esta quarta-feira pelo Jornal Económico, o ministro afirmou que existem “18 instituições, milhares de pedidos”, que estão “a mudar a vida de dezenas de milhares de jovens”, acrescentando que “foi fundamental a contribuição e o interesse que as instituições bancárias estão a ter e a ajuda” que deram para “modelar a medida”.

Apesar desta alteração do Governo em abrir a disponibilização da garantia pública a mais instituições financeiras além dos bancos, na prática, traduz-se numa medida que terá muito pouco impacto no mercado.

No entanto, a distribuição do montante total de 1,2 mil milhões de euros entre as instituições aderentes ao protocolo está longe de ser equitativa. Segundo cálculos divulgados pelo ECO, mais de 85% da totalidade do montante disponibilizado ficará para usufruto de apenas quatro instituições, com o Santander Totta e a Caixa Geral de Depósitos a liderarem esta lista, recebendo 259,3 milhões de euros e 257,2 milhões de euros, respetivamente.

Além disso, há críticas quanto ao público que efetivamente beneficia desta medida. Segundo informação recolhida pelo ECO junto de vários agentes do mercado de crédito à habitação, a garantia pública está a ser usada por jovens que não precisam da ajuda do Estado para comprar casa.

Natália Nunes, coordenadora do gabinete de Proteção Financeira da DECO, afirma que “apesar da boa vontade desta medida, continua a deixar de fora os jovens que realmente precisam”, notando que a limitação dos rendimentos dos jovens face aos preços elevados das casas continua a ser um forte entrave para os jovens com menos capacidades financeiras possam aceder ao financiamento bancário para comprar casa. Esta perspetiva levanta questões sobre se a medida atinge efetivamente o seu público-alvo.

Apesar desta alteração do Governo em abrir a disponibilização da garantia pública a mais instituições financeiras além dos bancos, na prática, traduz-se numa medida que terá muito pouco impacto no mercado. Apenas uma dessas instituições (UCI) disponibiliza atualmente crédito à habitação aos seus clientes, e mesmo essa tem uma quota de mercado muito baixa, o que limita substancialmente o montante que lhe será atribuído ao abrigo do protocolo da garantia pública.

Assim, embora a intenção seja equiparar todas as entidades autorizadas a conceder crédito à habitação, o efeito real na capacidade dos jovens acederem a este tipo de financiamento deverá ser praticamente insignificante, servindo mais como uma correção técnica do que como uma expansão efetiva da abrangência da medida.

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