15 de março de 1975: Revolução nacionaliza seguros
Faz 50 anos que o setor segurador nacional foi nacionalizado nas ondas revolucionárias de estatização da economia. Qual foi o destino de 32 marcas, para só sobreviverem duas.
Passavam quatro dias da tentativa de golpe de Estado de 11 de março e um dia após a publicação do decreto-lei que nacionalizou os bancos, quando o IV Governo provisório, tendo Vasco Gonçalves como primeiro-ministro, publicou o DL 135-A/75 que nacionalizava o setor segurador em Portugal. “Visto e aprovado em Conselho da Revolução” e promulgado pelo Presidente da República, Costa Gomes, este último considerou-as como “a medida mais revolucionária de Portugal contemporâneo”.

Uma tese corrente na altura defendia que esta nacionalização foi desenhada – consta que pelos economistas da esquerda mais radical do “Quelhas”, à época a designação paroquial do atual ISEG, envolvendo Cravinho, Murteira, Ferro Rodrigues, Pereira de Moura – no sentido de conseguir extinguir os grupos económicos portugueses. Através dos bancos e das seguradoras seria possível o controlo indireto pelo Estado de centenas de empresas relevantes para a economia.
No entanto, as justificações oficiais para o ato escritas no preâmbulo do diploma apontavam razões abstratamente concretas da escolha política radical. Governo, Conselho da Revolução e Costa Gomes explicavam que:
- “Considerando o elevado volume de poupança privada retido pelas sociedades de seguros e que tem sido aplicado não em benefício das classes trabalhadoras mas com fins especulativos e em manifesto proveito dos grandes grupos económicos”;
- “Considerando a proliferação de sociedades de seguros constituídas, que têm conduzido a uma concorrência desleal com perigo até para a própria solvabilidade dessas empresas”;
- “Considerando a necessidade de proporcionar maior segurança aos capitais confiados às sociedades de seguros através dos prémios arrecadados, garantindo, assim, o integral pagamento dos capitais seguros”;
- “Considerando que as elevadas somas de capital em poder das sociedades de seguros devem ser aplicadas em investimentos com interesse nacional e, portanto, em benefício das camadas da população mais desfavorecidas, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas”;
- “Considerando a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores de seguros na apreciação de situações irregulares no domínio da gestão que ocorreram em algumas companhias de seguros e que já haviam imposto até a intervenção do Estado”;
Logo nesse decreto-lei foram nomeadas as companhias de seguros a nacionalizar e uma promessa de “legislação a publicar pelo Governo dentro de noventa dias” para definir “as condições de reembolso dos acionistas das companhias nacionalizadas e a orgânica de gestão e fiscalização dessas companhias”
Seriam de imediato nomeados pelo primeiro-ministro (Vasco Gonçalves), ouvido o ministro das Finanças (José Joaquim Fragoso), delegados do Governo para as companhias porque eram “dissolvidos os actuais órgãos sociais das companhias de seguros nacionalizadas”, ficando os membros dos conselhos de administração, de gerência ou fiscal “obrigados a prestar às comissões administrativas as informações e esclarecimentos que se tornarem necessários para o normal exercício das suas funções, sob pena de incorrerem no crime de desobediência qualificada”.
De quem eram e onde acabaram as 32 nacionalizadas
Das 32 empresas privadas de capitais portugueses que existiam em 1973 – em que as cinco maiores Império, Tranquilidade, Mundial, Confiança e Comércio e Indústria detinham cerca de 45% do mercado total e 50% do mercado abrangido por empresas nacionais – apenas restavam oito em 1977.
Apesar do entusiasmo revolucionário, o poder político decidiu apenas nacionalizar as empresas de capital português. Assim, em 15 de março de 1975, passavam para a propriedade do Estado todas as seguradoras exceto, nomeando-as no diploma, as companhias de seguros Europeia, Metrópole, Portugal, Portugal Previdente, A Social, Sociedade Portuguesa de Seguros e O Trabalho, dada a significativa participação de companhias de seguros estrangeiras no seu capital.
No entanto, a Garantia reclamou e nova nota referiu que “por provável lapso do legislador, o decreto-lei não considerou devidamente o caso da Companhia de Seguros Garantia. Com efeito, a Compagnie Suisse de Reassurances provou perante o Ministério das Finanças a sua participação no capital da Companhia de Seguros Garantia em 26,5% dentro do prazo estabelecido”.
Assim, a Garantia foi corretamente incluída no grupo do “sector de economia mista”, constituído pelas seguradoras com capital estrangeiro, ficando um “sector totalmente privado”, constituído pelas mútuas de seguros e pelas agências de empresas de seguros estrangeiras estabelecidas em Portugal.
O setor público segurador constitui-se através das seguradoras nacionalizadas agregando-as em 1978 e 1979 em seis grandes grupos públicos:
- A aliança Seguradora EP (Empresa Pública) resultou da nacionalização das seguradoras Argus, Mutual, a Douro e Tagus (ambas da CUF) e a Ourique (BPA) tendo sido reunidas na Aliança Seguradora. A Aliança passou para o controlo da UAP em 1991, mudou designação para Aliança UAP e em 1997 foi adquirida pela AXA e, finalmente em 2016, pelo grupo belga Ageas;
- Mundial e Confiança, ambas do grupo Champalimaud, foram fundidas em 1975 e juntas à Companhia Portuguesa de Resseguros. Privatizadas em 1992, voltaram à propriedade de António Champalimaud. Em 2002, a Mundial Confiança foi adquirida pela Caixa Geral de Depósitos e fundida com a Fidelidade. A Companhia Portuguesa de Resseguros passou também para o controlo da Caixa Geral de Depósitos através da Fidelidade, mas manteve a sua marca própria;
- A Império EP juntou essa seguradora com a Sagres e a Universal de Resseguros (todas do grupo CUF) e também a seguradora O Alentejo. Regressou à propriedade do Grupo Mello em 1992. Em 2000, a Império foi adquirida pelo grupo BCP e, no ano seguinte, fundida com a Bonança;
- A Bonança EP reuniu a Comércio e Indústria, a Ultramarina (BNU) e a União (Espírito Santo). Foi privatizada em três fases entre 1990 e 1994 tendo o controlo sido adquirido pelo grupo BCP. Em 2012, a Bonança foi comprada pela Caixa Geral de Depósitos ao grupo BCP e fundida com a Fidelidade;
- A Tranquilidade EP uniu a original da família Espírito Santo, com a Garantia Funchalense e A Nacional (CUF). Reprivatizada em duas fases, a última em 1990, regressando à propriedade do Grupo Espírito Santo. Com os problemas do BES foram as seguradoras entregues ao Novobanco e depois à Seguradoras Unidas. Hoje é do grupo Generali;
- A Fidelidade EP foi a que mais juntou seguradoras nacionalizadas. Logo em 1975, as companhias do grupo Pinto de Magalhães – Aliança Madeirense, a Mutualidade e a Soberana – constituíram a MSA, EP, que integraram o grupo com a própria Fidelidade (grupo BNU), a Atlas (Banco Borges & Irmão) e A Seguradora Industrial (Banco Fonsecas & Burnay). Foi privatizada em 1988 passando para o controlo da Caixa Geral de Depósitos;
- A Açoreana também foi nacionalizada em 1975 e manteve-se sozinha até ser privatizada em 1991 e passando para o controlo do Banco Comercial dos Açores do grupo Banif. Também se juntou à Seguradoras Unidas e hoje o seu património é da Generali;
- A Portugal Re juntou a Câmara Resseguradora, a Continental de Resseguros, a Equidade, a Prudência e a Vitalícia, foi transformada em 1982 na Companhia Portuguesa de Resseguros e hoje é Fidelidade Re;
- A Companhia de Seguros de Crédito EP, passou a designar-se COSEC – Companhia de Seguro de Créditos SA, em 1980. Foi vendida em 1982 e o controlo foi adquirido pelo grupo BPI que se juntou em parceria com a Allianz que em 2023 se tornou única acionista.
Mas, entre a nacionalização e reorganização dos grupos, o regime revolucionário já em estertor conseguiu lançar uma maldição: os seguros, tal como outros setores, nunca voltariam a ser privados.
Irreversibilidade das nacionalizações e a delimitação de setores
Na consequência das nacionalizações o perfil dos seguros em Portugal sofreu uma mudança drástica. As empresas privadas portuguesas, que detinham 86,7% da produção em 1973, representavam, quatro anos depois, apenas 13,1%. Em contrapartida, nesse mesmo ano de 1977, as empresas nacionalizadas retinham já mais de três quartos da produção. As mútuas viram o seu peso reduzir-se a um terço ao longo nos anos seguintes de 3%.
Para manter tudo assim, a Constituição Política da República Portuguesa aprovada em 4 de abril de 1976, a nacionalização dos seguros foi declarada irreversível pela versão inicial da Constituição Política da República Portuguesa aprovada em 4 de abril de 1976, com entrada em vigor no dia em que revolução fez dois anos.
Mais tarde, a Lei n.º 46/77 garantiu que a atividade seguradora, entre outras, era vedada à iniciativa privada.
Finalmente, na sequência da revisão da Constituição Política da República Portuguesa pela Lei Constitucional n.º 1/82 de 30 de setembro, o setor dos seguros foi reaberto à iniciativa privada e as empresas públicas de seguros puderam ser privatizadas.
Em 1986, foi criada a Lusitania, a primeira seguradora com capitais privados 100% nacionais, a nascer após a revolução de 1974, quebrava o feitiço de não voltarem a existir companhias portuguesas. Ainda hoje a Lusitania pertence ao Montepio e é nacional.
Indemnizações lentas, dúbias acabando úteis
A promessa de indemnizar os antigos proprietários das seguradoras nacionalizadas tardou, o momento político nunca era adequado a tratar publicamente do tema.
O valor das indemnizações foi fixado com base no património líquido das empresas à data da nacionalização ou, na sua falta, no último balanço aprovado. Este processo de avaliação e pagamento foi complexo e prolongado, refletindo as dificuldades inerentes à transição económica e política que Portugal atravessava na época.
Finalmente em 1979, o secretário de Estado Fernando Faria de Oliveira, fixou os valores definitivos das indemnizações a atribuir aos acionistas pelas nacionalizações realizadas quatro anos antes.
Os valores foram pagos através da emissão das “Obrigações do Tesouro, 1977 – Nacionalizações e Expropriações”, títulos de dívida pública usados para indemnizar os proprietários de bens nacionalizados ou expropriados durante o período revolucionário de 1975. A Lei n.º 80/77, de 26 de outubro, autorizou o Governo a emitir este empréstimo interno, amortizável, destinado exclusivamente ao pagamento dessas indemnizações.
A emissão foi de 100 milhões de contos de 1979 (cerca de 500 milhões de euros com valor atualizado por simulador do INE a março de 2025), com amortização faseada até 20 anos e uma taxa fixa baixa para um período em que inflação e taxas de juro variáveis atingiam valores superiores a 20% e mesmo 30% ao ano. Cotada na bolsa de Lisboa, as cotações de um décimo ou um quinto do valor nominal refletiam esse desfasamento da remuneração pela taxa de juro.
No entanto, a Portaria n.º 494/83, de 30 de abril permitiu a mobilização destes títulos, pelo valor nominal, para investimentos, permitindo aos titulares utilizá-las como forma de financiamento em projetos produtivos.
Estas obrigações acabaram por ser mais tarde utilizadas nas operações de privatização, acabando por beneficiar financeiramente os expropriados de 15 de março de 1975.
De há 50 anos sobrevivem duas marcas: Fidelidade e Tranquilidade, esta já na companhia da Generali. A COSEC está em transição para Allianz Trade e a Companhia Portuguesa de Resseguros acaba de mudar para Fidelidade Re. Todas as outras, algumas muitas fortes, morreram no processo.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
15 de março de 1975: Revolução nacionaliza seguros
{{ noCommentsLabel }}