Novo relatório Porter? Mais do que estudos, empresas querem medidas concretas
O antigo ministro da Indústria de Cavaco Silva, que encomendou o relatório Porter há trinta anos, defende que ele seja atualizado. Já os empresários defendem que se passe à ação.
Pedro Nuno Santos defendeu que se prepare um “novo relatório Porter” para definir setores estratégicos da economia, repetindo o trabalho encomendado em 1994 pelo então ministro da Indústria de Cavaco Silva, o engenheiro Luís Mira Amaral. Uma proposta bem recebida pelo impulsionador deste projeto. O antigo governante lembra que o relatório original foi preparado há 30 anos e está na altura de “voltar a fazer um novo exercício para centrar [atenções] na microeconomia e nas empresas“. Já as associações empresariais defendem que mais do que relatórios é preciso implementar medidas para estimular a competitividade.
“Está na hora de voltar a discutir a microeconomia e a economia real”, defende Mira Amaral (na foto), em declarações ao ECO. A comentar a proposta apresentada pelo líder socialista, o antigo ministro diz que “seria muito interessante voltarmos a visitar um tema destes, com atualizações. O relatório Porter foi feito há 30 anos”. Mira Amaral acredita que, num momento em que o país apresenta um equilíbrio macroeconómico, sem défices e com um ligeiro superavit e com níveis de desemprego baixos, este seria um bom momento para “voltar a fazer um novo exercício para centrar [atenções] na microeconomia e nas empresas”.
Está na hora de voltar a discutir a microeconomia e a economia real. Seria muito interessante voltarmos a visitar um tema destes, com atualizações. O relatório Porter foi feito há 30 anos
Pedro Nuno Santos disse, esta segunda-feira, que quer um novo relatório Porter para saber em que setores da economia apostar. O líder da oposição realça que uma das suas prioridades é “um novo relatório Porter que identifique os setores e as áreas onde já temos competências instaladas, mas onde devemos apostar para transformar a economia e qualificarmo-nos”. Uma proposta que está a gerar opiniões divergentes.
Mira Amaral refere que, a fazer-se um novo diagnóstico da economia, se deveria “convidar um distinto professor com conhecimento empresarial a nível mundial e depois criar um comité com portugueses para acompanhar esse trabalho e a discussão”, tal como fez há três décadas. A AEP foi uma das entidades que integrou a task force formada pelo governo de Cavaco. Ainda que o presidente do conselho de administração da AEP, Luís Miguel Ribeiro, reconheça que “a realização de estudos é sempre um exercício importante, por constituir um instrumento de reflexão com vista a uma atuação estratégica fundamentada“, a associação empresarial identifica outras prioridades.
Mais do que novos relatórios, é necessário implementar, de forma célere, políticas que promovam a melhoria da competitividade das empresas, nestes e noutros setores de atividade, com incentivos a investimentos que proporcionem acréscimos significativos de produtividade
“Mais do que novos relatórios, é necessário implementar, de forma célere, políticas que promovam a melhoria da competitividade das empresas, nestes e noutros setores de atividade, com incentivos a investimentos que proporcionem acréscimos significativos de produtividade”, atira. “As agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) são um bom exemplo”, acrescenta.
O presidente do conselho de administração da AEP recorda que “o estudo de Michael Porter sobre a competitividade da economia portuguesa, em que a AEP teve a oportunidade de integrar uma das chamadas task force, colocou a tónica de uma aposta clara nos clusters/setores ditos tradicionais, conclusões que na altura foram recebidas com alguma surpresa”. “Três décadas passadas, tais setores continuam a ter uma elevada representatividade na economia portuguesa, tendo incorporado inovação a diversos níveis, o que lhes permitiu subir na cadeia de valor, e convivem com o reconhecimento de outros clusters de competitividade com impacto nacional”, acrescenta o responsável.
Segundo o presidente da AEP, há hoje 17 clusters, que visam “incentivar a mobilização dos atores económicos para a partilha colaborativa de conhecimento, centrada em ações de eficiência coletiva nos domínios da I&ID, da capacitação, da internacionalização e na sustentabilidade dos recursos”, de acordo com o Despacho que procedeu ao seu reconhecimento para o ciclo 2024-2030.
“O diagnóstico está feito“, concorda Rafael Campos Pereira, Vice-Presidente Executivo da AIMMAP — Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, o setor mais exportador da economia nacional, que exporta mais de 24 mil milhões de euros. O responsável concorda que o investimento não deve ser “acrítico”, mas argumenta que estes setores estratégicos do país estão identificados: “os setores mais tradicionais, desde logo a metalomecânica, pela importância que tem, a agroindústria, calçado e têxtil e as tecnologias da informação e indústria farmacêutica“.
“Todos concordam que são aqueles que criam mais reputação e mais valor para a economia portuguesa“, aponta, argumentando que se deve, por isso, passar para a fase seguinte, promovendo a competitividade da economia.
Setores estratégicos vs deixar economia decidir
A ideia de identificar setores estratégicos não é nova e já foi defendida pelo líder do PS nas últimas legislativas. Pedro Nuno Santos apresentou um plano para mudar a especialização da economia portuguesa, assente em “setores de baixa complexidade tecnológica, de menor valor acrescentado” e “em baixos salários”, como se podia ler na moção de estratégia com que concorreu às diretas do partido.
O líder socialista defendia elevar o nível de sofisticação da economia, através da aposta do Estado em setores estratégicos. “O setor privado pode e deve investir onde bem entender, como em qualquer economia de mercado, mas o Estado tem a obrigação de fazer escolhas quanto aos setores e tecnologias a apoiar“, afirmou Pedro Nuno Santos diante do congresso do partido em janeiro do ano passado.
“Em Portugal, a incapacidade de se dizer ‘não’ levou o Estado a apoiar, de forma indiscriminada, empresas, setores e tecnologias, independentemente do seu potencial de arrastamento da economia. A incapacidade de fazer escolhas levou a que sucessivos programas de incentivos se pulverizassem em apoios para todas as gavetas de forma a assegurar que ninguém se queixava. O problema da pulverização dos apoios é que, depois, não há poder de fogo, não há capacidade do Estado de acompanhar, não há recursos suficientes para transformar o que quer que seja”, alertou na mesma ocasião.
O país é que escolhe as áreas em que é competitivo e depois o Estado está cá para ajudar. É a economia ela própria que gera a sua capacidade e gera com base nos seus intervenientes, na sua mão-de-obra, nos seus recursos humanos, na ciência, no conhecimento, na capacidade de inovação e investigação. A economia gera-se por si própria.
Numa resposta à proposta de Pedro Nuno Santos, o primeiro-ministro Luís Montenegro disse que, “nesta altura em que alguns ostentam a ideia que o Estado deve definir as áreas económicas nas quais o país deve alocar os seus recursos, temos uma filosofia diferente. O país é que escolhe as áreas em que é competitivo e depois o Estado está cá para ajudar“.
“É a economia ela própria que gera a sua capacidade e gera com base nos seus intervenientes, na sua mão-de-obra, nos seus recursos humanos, na ciência, no conhecimento, na capacidade de inovação e investigação. A economia gera-se por si própria. O Estado não deve atrapalhar, mas estimular”, reforçou o chefe do Governo numa cerimónia na Ogma, afastando a ideia de repetir-se o estudo promovido pelo governo cavaquista nos anos 90.
Em 1994, o Governo de Cavaco Silva encomendou a Michael Porter um relatório sobre a competitividade da economia portuguesa. O documento entregue defendia uma aposta nos setores tradicionais e foi um momento importante para a indústria portuguesa, uma vez que permitiu ao país focar-se nestes setores.
“A aplicação do projeto Porter permitiu melhorias evidentes nos setores tradicionais como o calçado, têxtil, vestuário e confeções, nos vinhos e no mobiliário. Teve um impacto médio nas condições de procura, ou seja, a sofisticação da procura doméstica não aumentou muito. E teve um efeito baixo em todos os elementos de cooperação entre as empresas”, comentou Mira Amaral, por altura da comemoração dos 25 anos do projeto, em 2019. O responsável lamentava, na época, a falta de aposta em verdadeiros clusters tecnológicos, criticava a excessiva atomização do tecido empresarial português e defendia que é necessário ganhar escala e que os incentivos públicos devem servir para isso mesmo.
Ainda que não defenda a elaboração de um novo relatório Porter, o Executivo tem vindo a destacar alguns setores da economia onde identifica mais oportunidades, ou onde o país é mais competitivo. Ainda esta segunda-feira, o ministro da Economia, Pedro Reis, destacou, na cerimónia de apresentação dos resultados intermédios do projeto Lusitano, uma agenda do PRR com um investimento de 111,5 milhões de euros da fileira do têxtil e do vestuário, que este setor “é um dos que nos deve orgulhar e nos prestigia”.
O ministro que detém a pasta da Economia destacou ainda que a economia da defesa “é uma oportunidade enorme para este setor”, destacando que o Governo está empenhado em trazer para Portugal investimento neste setor, assim como “mobilizar empresas portuguesas, para captar o potencial gigante de encomendas europeias e mundiais“.
O governante tem ainda apontado outros exemplos onde acredita que Portugal pode diferenciar-se, nomeadamente no setor da inovação e tecnologias, da sustentabilidade, economia do mar, automóvel e no setor aeroespacial.
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