Porto ‘perde’ na gestão financeira do dia-a-dia e nos planos para a reforma. O que mostra o primeiro inquérito local à literacia financeira?

Conheça os resultados do inédito diagnóstico à literacia financeira da população à escala local, que mostra como os residentes na cidade do Porto comparam com a média nacional e com estudos da OCDE.

Aí estão os resultados do primeiro inquérito de diagnóstico realizado à escala local para aferir a literacia financeira da população residente no concelho do Porto. Com apresentação pública esta quarta-feira, durante uma conferência na Fundação António Cupertino de Miranda, cobre temas como o planeamento e gestão do orçamento familiar, a poupança, o conhecimento e escolha de produtos financeiros, os hábitos e a compreensão dos instrumentos disponíveis ou até o interesse em realizar formação nesta área.

Promovido pelo município, selecionou uma amostra representativa da população e realizou 751 entrevistas válidas, em formato presencial, em novembro e dezembro do ano passado. Com uma metodologia semelhante à do estudo desenvolvido pelos supervisores financeiros, permite a comparação nacional com os dados do inquérito divulgado há menos de um ano, e com um recente estudo da OCDE que abrangeu 39 países, igualmente com dados relativos a 2023.

Se no planeamento do orçamento familiar e da poupança, e na escolha e gestão de produtos financeiros, os portuenses estão “em geral alinhados” com o total nacional, o relatório final, a que o ECO teve acesso, aponta duas “diferenças notórias”. A adoção de práticas de gestão financeira no dia-a-dia é menos comum na Invicta (69% vs. 82,1% na média nacional), onde há também uma menor incidência de planeamento para a reforma, que é mencionada por 62,6% dos participantes, muito abaixo dos 84,2% observados no conjunto do país.

Ao nível da compreensão financeira, atesta que os residentes no Porto, face à globalidade da população portuguesa, acertaram menos nas respostas (4,14 vs. 4,25) às sete questões de escolha múltipla para aferir a literacia numérica. Só 7,7% dos inquiridos não errou nenhuma questão, mas, ainda assim, mais do que os 2,1% que se autoavalia com um nível elevado de literacia financeira. E num exercício de validação de 11 afirmações financeiras em verdadeiras e falsas, nas que são comparáveis só conseguiram 43,8%, abaixo dos 58,7% registados no panorama nacional.

Por outro lado, a comparação direta possível com o referido estudo da OCDE, seguindo aqui a tendência observada para a população portuguesa, mostra os portuenses com maior capacidade para enfrentar um cenário de dificuldades económicas: 67% consegue cobrir autonomamente uma despesa inesperada equivalente ao rendimento mensal (vs. 56% no estudo internacional) e 48,8% o custo de vida por três ou mais meses em caso de perda abrupta da principal fonte de rendimento da família (vs. 41,6%).

no âmbito da compreensão financeira, o nível médio de resposta correta aos exercícios e afirmações dos ‘tripeiros’ é inferior ao observado para a média dos países da OCDE (47,6% vs. 63,6%). A adesão aos canais digitais para a realização de operações financeiras (39%) é também “significativamente menor”, ao ficar mais de 25 pontos abaixo do registado pela OCDE para o mesmo tipo de intervenções, compara o documento da autarquia liderada por Rui Moreira.

Leia os principais resultados do inquérito nos quatro capítulos analisados.

Planeamento do orçamento familiar e poupança

  • A maioria dos entrevistados (69%) revelou adotar pelo menos uma estratégia para planear e gerir o orçamento familiar. Entre os métodos mais comuns, 35,4% registam as suas despesas, 35,2% utilizam ordens de pagamento por débito direto e 33,8% anotam previamente as contas a pagar com o intuito de prevenir esquecimentos.
  • No que respeita à poupança, 14,4% dos inquiridos reservam uma pequena percentagem do rendimento mensal, 13,6% envolvem toda a família na gestão financeira e 10,1% possuem um fundo próprio para fazer face a situações imprevistas.
  • Mais de metade (56%) conseguiu poupar no último ano, mas só 27,3% tem um plano preventivo para enfrentar dificuldades financeiras, geralmente baseado na poupança gerada através de depósitos na conta à ordem (58,1%), contas a prazo ou poupança (24,9%) e dinheiro guardado em casa (9,3%).
  • Quanto ao planeamento para a reforma, 62,6% dos entrevistados já fizeram ou ponderam fazê-lo, embora só 43,6% se considerem moderadamente confiantes e 37% revelam pouca confiança. A maioria (90,4%) pretende financiar a reforma através dos descontos para a segurança social ou outros regimes contributivos obrigatórios, enquanto 43,8% planeiam utilizar as suas poupanças e 23,7% preveem continuar a trabalhar.

Escolha e gestão de produtos financeiros

  • Questionados sobre os produtos financeiros que detêm, a grande maioria dos entrevistados (94,9%) referiu possuir uma conta depósito à ordem. Entre os restantes produtos mais comuns, destacam-se o seguro automóvel (41,1%), o cartão de crédito (39,5%) e a conta depósito a prazo (36,4%).
  • Uma parte significativa da amostra (40,2%) não procura informação sobre produtos financeiros. Por outro lado, entre os que procuram, há duas fontes especialmente destacadas pelo potencial de influência que envolvem: a entidade vendedora dos produtos (79,8%) e recomendações de familiares e amigos (46,2%).
  • Ao nível da gestão dos ativos financeiros, 47,4% dos detentores dizem conhecer total ou parcialmente o seu valor. Paralelamente, 67,1% acompanha com frequência a evolução da rentabilidade numa base quinzenal ou mensal. O contacto presencial (67,9%) com as respetivas entidades e os contactos online (41,5%) são as principais estratégias de gestão desses ativos financeiros.
  • Na digitalização dos serviços financeiros, metade utiliza plataformas online para efetuar pagamentos, transferências e consultar movimentos bancários. Porém, a adesão ao digital em operações mais complexas ainda é reduzida: só 8% solicitou um cartão bancário online, 7,3% realizou investimentos ou aplicações financeiras e 6,9% subscreveu um seguro através de um meio digital. A abertura de contas à ordem (3,5%) e a contratação de créditos (2,8%) continuam a ser práticas pouco comuns por esta via.
  • No que diz respeito ao património, 35,8% dos entrevistados possuem bens imobiliários, sendo que a maioria (76,2%) conhece o valor do seu património, embora apenas 9,7% o avaliem de forma exata e atualizada.
  • Na escolha de um seguro, os fatores mais determinantes são o valor da apólice (76,3%) e as coberturas incluídas (61,4%). Entre os 25 e os 54 anos existe uma tendência para se ponderar um conjunto mais alargado de fatores, como prémios, serviços adicionais e período de carência.

Compreensão financeira

  • Nas questões sobre literacia financeira, os melhores resultados surgem na identificação da inexistência de juros num empréstimo de 50 euros com retorno rápido da mesma quantia (91,3%) e na divisão linear de um montante por cinco irmãos (92,3%). Já no reconhecimento do saldo disponível num extrato bancário, 65,7% responderam corretamente, mas apenas 41,5% identificaram que um pagamento poderia levar a conta a descoberto.
  • Os conceitos mais complexos registaram uma menor taxa de resposta correta: 44,9% dos entrevistados compreenderam a relação entre inflação e poder de compra, 37,3% fizeram o cálculo correto dos juros simples e 40,9% demonstraram conhecimento sobre juros compostos.
  • Nos investimentos, 56,7% identificam a relação entre risco e retorno, com apenas um em cada três a compreender o impacto da diversificação do portefólio na redução do risco. Só 32,1% distinguem os diferentes níveis de risco entre produtos, como ações e certificados de aforro, e 24% percebem corretamente a diferença de rentabilidade entre juros simples e compostos.
  • No que toca à segurança digital, 69,1% dos entrevistados evitam redes Wi-Fi públicas para transações financeiras, enquanto 47,4% verificam previamente se a instituição financeira está devidamente regulada no país antes de realizar operações online. 40,6% sabem que um contrato digital pode dispensar assinatura em papel e 34% reconhecem que criptomoedas não têm o mesmo curso legal que notas e moedas. No entanto, apenas 21,4% estão conscientes de que dados pessoais partilhados online podem ser utilizados para ofertas financeiras personalizadas.

Formação em literacia financeira

  • A maioria dos entrevistados (63,1%) desconhece ou não dispõe de suficiente informação sobre os programas de literacia financeira existentes. Entre os que conhecem, uma parte significativa (45,5%) considera-os pouco acessíveis à população em geral, apontando como principais obstáculos a fraca divulgação, os custos envolvidos e a linguagem excessivamente técnica e elitizada.
  • Questionados sobre a possibilidade de participar num curso de literacia financeira, apenas 29,6% manifestam interesse, sobretudo como uma ferramenta para melhorar a gestão do rendimento pessoal e familiar. Os principais fatores de resistência são a sensação de desnecessidade e a perceção de que têm conhecimentos suficientes.

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