
Um balanço dos primeiros relatos de sustentabilidade preparados de acordo com as ESRS
A maior maturidade em tópicos relacionados com as alterações climáticas foi notória, com mais de 80% das entidades a apresentarem já análises de risco baseadas em cenários climáticos.
Numa altura em que se discute já a evolução das normas de relato de sustentabilidade da União Europeia, as European Sustainability Reporting Standards (ESRS), e as novas normas voluntárias destinadas a pequenas e médias empresas (VSME), estas últimas muito mais simples mas com uma terminologia e uma lógica de aplicação comum às ESRS, importa fazer um balanço sobre os reportes preparados de acordo com as ESRS que já foram publicados.
A KPMG efetuou uma reflexão sobre os primeiros 50 relatórios ESRS (disponível em ESRS em tempo real | Fast-50), em contínua atualização face a uma base que já atingiu 250 relatórios, em conformidade com as ESRS emitidos neste primeiro trimestre de 2025, relativamente ao ano de 2024, sobretudo por entidades cotadas (incluindo uma dezena de relatos de entidades portuguesas).
Da análise a estes primeiros relatos de sustentabilidade, sobressai um primeiro resultado positivo muito claro, ao encontrarmos uma mesma estrutura em todos estes relatórios, dividida em quatro blocos, com uma secção geral, informações ambientais (incluindo-se aqui a Taxonomia da EU), informações sociais e informações sobre o governo das sociedades, por esta ordem. Adicionalmente, utilização de uma identificação única de “codificação” das divulgações permite o acesso rápido a uma divulgação em concreto, e esta “normalização” incorpora em si um valor relevante na utilização destas normas de relato. Rapidamente surgiram já ferramentas de inteligência artificial, algumas de utilização gratuita, que permitem obter rapidamente informação sobre estes relatórios, o que conduzirá a um benefício de redução dos pedidos de informação por parte de outras entidades como clientes, de instituições financeiras ou de agências de rating. Por outro lado, incrementa o risco de comunicações incorretas ou com insuficiente informação de contexto.
Outro ponto a destacar relaciona-se com a informação substancial decorrente das análises de dupla materialidade. As anteriores divulgações relativas à materialidade resumiam-se muitas vezes a uma matriz que, com pouca granularidade, não era muito distinta entre empresas e setores e não existia uma ligação clara e consequente entre essas análises e as divulgações que eram apresentadas. Os exercícios de dupla materialidade permitiram divulgações de impactos, riscos e oportunidades (“IRO”) específicos dos factos e circunstâncias de cada entidade, numa perspetiva ampla de cadeia de valor e a ligação dos mesmos à estratégia e modelo de negócios, promovendo a conectividade da informação dentro do relatório de gestão. Relatórios de entidades como a Orsted, Vestas ou Carlsberg apresentam esta relação dos IRO com toda a cadeia de valor e com a estratégia em esquemas visualmente fáceis de interpretar.
Por outro lado, os relatos de sustentabilidade ficaram mais extensos. Os três exemplos referidos conseguiram abranger os tópicos materiais entre 59 e 101 páginas, uma dimensão que ainda propicia uma comunicação eficaz, mas existem bastantes exemplos cuja demonstração de sustentabilidade é bastante mais longa. Os trabalhos de implementação revelaram que existem pontos de dados das ESRS que tendem a conduzir a algumas repetições de informação e é clara a possibilidade de existir agora uma evolução das normas que permita reduzir os pontos de dados, permitindo relatos de sustentabilidade com substância e foco, mas sem serem demasiado extensos.
O estudo da KPMG referido neste artigo apurou uma média de 32 IRO considerados materiais, mas existiram entidades a identificar entre 60 e 100 IRO materiais, o que implica o tratamento de um elevado conjunto de pontos de dados (um IRO tipicamente implica o relato de pelo menos 10 pontos de dados definidos nas ESRS).
Evidentemente que a dispersão de um grupo por vários setores e geografias, potencia um maior número de IRO, mas a maturidade de um segundo e terceiro anos de relato, juntamente com mais orientações e apoio à implementação por parte do EFRAG, e a consolidação e simplificação dos pontos de dados das ESRS, constituem uma oportunidade para ser possível focar num núcleo de tópicos mais prioritários. Uma crítica recorrente relaciona-se com a forma tardia no processo em que foram disponibilizadas pelo EFRAG algumas orientações e esclarecimentos sobre o processo de dupla materialidade.
Constata-se que são identificados muitos mais impactos (positivos e negativos) do que riscos ou oportunidades, o que provavelmente revela que o foco passado do sistema de identificação e gestão de IROs se concentrou nessa perspetiva (em alinhamento com referenciais como os GRI), sendo que o desenvolvimento do sistema de gestão de riscos e oportunidades ESG representa uma clara oportunidade de melhoria e algo que o mercado se encontra a exigir cada vez mais.
Por temas, a maior maturidade em tópicos relacionados com as alterações climáticas foi notória, com mais de 80% das entidades a apresentarem já análises de risco baseadas em cenários climáticos, cobrindo de forma quantificada quer os riscos físicos quer os riscos de transição. A maioria das entidades apresentou também planos de transição a incorporar metas validadas pela SBTi. Em oposição, a descrição dos IRO e divulgações em outros tópicos revelaram-se muitas vezes demasiado vagas e com menor rigor, fazendo transparecer que existem tópicos materiais que carecem de trabalho adicional no processo da sua gestão.
Outro aspeto relevante que os processos de implementação e os primeiros relatos demonstram é que a utilização dos meios e questionários tradicionais de consulta às partes interessadas não se revelou agora eficaz. O amadurecimento do processo deverá conduzir a um diálogo e auscultação com clientes, financiadores e outras partes interessadas mais focado, provavelmente com um menor número de entidades envolvidas, mas de forma mais direcionada e personalizada.
A conclusão deste balanço inicial revela assim benefícios óbvios de um referencial bem estruturado e lógico, mas com oportunidades de simplificação, maior conectividade e foco. As VSME trarão um novo elemento relevante para o relato de sustentabilidade das PME que percecionem valor em comunicar sustentabilidade, dentro de um referencial, com uma perspetiva conjunta de impacto e financeira, mas que considerem que as ESRS introduzem demasiada complexidade para a sua realidade. Para aqueles que optem, ou que sejam obrigados a adotar as ESRS, estes primeiros relatos proporcionam agora uma base útil de referência para os seus projetos de implementação. Um relato de sustentabilidade claro e rigoroso contribui, cada vez mais, para a redução do risco percecionado pelos parceiros de negócios, incluindo o risco de crédito, e esta comunicação desempenha um papel relevante a alavancar oportunidades de negócio. A utilização destes novos referenciais pode ser um importante contributo para atingir estes objetivos.
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