“Resta saber se capital SIFIDE terá sido aplicado nas empresas certas”

Foi uma das medidas do 'pacotão', mas nos fundos, há quem aponte ao SIFIDE um efeito de distorção do ecossistema. A 31 de maio, termina prazo de candidaturas, para o ano fiscal de 2024.

Foi uma das 60 medidas do ‘pacotão’ para acelerar a economia do Governo de Montenegro, tendo no ano passado o reforço do Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (SIFIDE) ajudado a trazer maior liquidez ao ecossistema de empreendedorismo. Mas há quem aponte um efeito de “distorção” que “a prazo, pode ser prejudicial para a indústria e o ecossistema”.Resta saber se no longo prazo esse capital terá sido aplicado nas empresas certas e contribuído para o seu crescimento.” A 31 de maio, termina o prazo de candidaturas ao SIFIDE, para o ano fiscal de 2024.

No ano passado as startups nacionais captaram 463 milhões de euros junto dos fundos, uma subida de 125,8% face aos 205 milhões de euros captados em 2023, segundo dados da Dealroom. Embora longe do pico de 1,5 mil milhões de euros registado em 2021 — ano em que várias startups nacionais voaram para unicórnio e registaram valorizações de mil milhões de dólares — foi visto como um sinal de recuperação do ecossistema.

É um mecanismo eficaz que tem contribuído para dinamizar o mercado e atrair capital privado para projetos com elevado valor acrescentado. Claro que há sempre margem para melhoria na execução — maior previsibilidade nos timings, simplificação de processos — mas, no geral, o SIFIDE é uma ferramenta estratégica para o país.

Vasco Pereira Coutinho

CEO da Lince Capital

Uma recuperação para a qual o SIFIDE II terá contribuído, com vários fundos a levantar dinheiro junto de investidores por essa via, embora não seja ainda possível apurar ao certo o montante captado e investido.

“É um mecanismo eficaz que tem contribuído para dinamizar o mercado e atrair capital privado para projetos com elevado valor acrescentado. Claro que há sempre margem para melhoria na execução — maior previsibilidade nos timings, simplificação de processos — mas, no geral, o SIFIDE é uma ferramenta estratégica para o país”, considera Vasco Pereira Coutinho, CEO da Lince Capital.

“O SIFIDE permite o crescente investimento em Investigação e Desenvolvimento (R&D), algo que Portugal e a Europa muito precisam se ambicionam ter empresas de relevo internacional e em concorrência com os Estados Unidos e a China”, continua o responsável. “Defendemos a sua continuidade e até o seu reforço, como forma de consolidar a competitividade da economia portuguesa“, conclui.

E o mesmo considera Ricardo Jacinto. “Enquanto potenciador do ecossistema nacional e das empresas que o constituem, o SIFIDE continua a ser, sem dúvida, um fator de dinamismo e de suporte às empresas tecnológicas em Portugal”, defende o managing partner da Shilling.

Thijs Povel, CEO e fundador da Dealflow.eu e managing partner da Ventures.eu, dá nota positiva ao mecanismo, tendo no âmbito da Dealflow ajudado “ativamente as startups da nossa rede a compreender, candidatar-se e beneficiar do mecanismo SIFIDE“. “Esperamos que Portugal venha a beneficiar significativamente com a criação de empregos qualificados por muitas destas empresas num futuro muito próximo”, diz.

O CEO da Dealflow realça ainda como tendo tido um impacto positivo as alterações feitas pela Agência Nacional de Inovação (ANI) em março deste ano neste mecanismo. As mesmas “facilitam a relocalização de empresas de I&D para Portugal e o acesso ao financiamento através do SIFIDE”, destaca. “Estas mudanças eram extremamente necessárias, uma vez que não existiam empresas suficientemente relevantes em Portugal para tirar pleno partido do regime”, alerta.

O montante que captámos via SIFIDE já foi efetivamente executado, tanto em projetos de I&D, como em startups. No entanto, algumas das nossas startups ainda dispõem de investimentos SIFIDE por executar, nomeadamente nos seus projetos de I&D. Temos também observado que há ainda uma disponibilidade considerável de fundos SIFIDE para investimento, o que nos preocupa no sentido de evitar a criação de uma valorização artificial das empresas ou eventuais dificuldades na captação de capital em rondas futuras.

Luis Gutman

Managing partner da OW Ventures

Luís Gutman não tem dúvidas que o SIFIDE é “uma ferramenta útil para atrair capital” e “fundamental para desenvolver I&D em Portugal”. Mas, por si só, “não chega”, aponta o managing partner da OW Ventures. “É preciso uma mentalidade de risco e proximidade aos fundadores. Mais importante do que levantar capital é executar corretamente”, diz.

Este mecanismo foi um dos usados pela joint venture, entre a M4 Ventures e a Olisipo Way, para levantar capital. O mesmo já foi executado? “O montante que captámos via SIFIDE já foi efetivamente executado, tanto em projetos de I&D, como em startups. No entanto, algumas das nossas startups ainda dispõem de investimentos SIFIDE por executar, nomeadamente nos seus projetos de I&D”, refere o investidor.

“Temos também observado que há ainda uma disponibilidade considerável de fundos SIFIDE para investimento, o que nos preocupa no sentido de evitar a criação de uma valorização artificial das empresas ou eventuais dificuldades na captação de capital em rondas futuras”, alerta Luís Gutman.

Na Indico Capital recorreu-se a esse mecanismo, mas “de forma muito limitada”, adianta Stephan Morais. “Só 25% do nosso fundo ‘Indico VC 2’ tem capital SIFIDE. Em menos de um ano, está praticamente todo executado”, diz o managing partner. “A execução tem sido bastante mais rápida do que estávamos a pensar, uma vez que há muitas oportunidades de investimento”, precisa.

“Não recorremos a este mecanismo enquanto fundo”, adianta António Miguel, managing partner da Maze Impact. No entanto, “algumas das empresas do nosso portefólio beneficiaram de investimento elegível no âmbito do SIFIDE, por parte de outros fundos“, revela. “A avaliação que faço do SIFIDE é positiva, na medida em que trouxe liquidez para o mercado nacional, com um foco em investigação e desenvolvimento, apoiando muitas empresas portuguesas no processo de desenvolvimento de produto e interação com o mercado em termos de tração comercial”, considera.

Na Bynd não recorremos a fundos SIFIDE, uma vez que privilegiamos ter uma tese de investimento mais aberta e que nos permita otimizar a performance dos nossos investimentos. Quanto à execução, ainda é cedo para avaliar a medida, uma vez que não são conhecidos os resultados dos investimentos dos fundos. Nota-se claramente um maior influxo de capital no mercado, resta saber se no longo prazo esse capital terá sido aplicado nas empresas certas e contribuído para o seu crescimento.

Lurdes Gramaxo

Partner da Bynd VC

“Na Bynd não recorremos a fundos SIFIDE, uma vez que privilegiamos ter uma tese de investimento mais aberta e que nos permita otimizar a performance dos nossos investimentos”, justifica Lurdes Gramaxo. “Quanto à execução, ainda é cedo para avaliar a medida, uma vez que não são conhecidos os resultados dos investimentos dos fundos”, aponta a partner da Bynd VC, com um alerta. “Nota-se claramente um maior influxo de capital no mercado, resta saber se no longo prazo esse capital terá sido aplicado nas empresas certas e contribuído para o seu crescimento.”

Pedro Ribeiro Santos vai mais longe. Se por um lado reconhece o “efeito benéfico de atrair capital privado para a área de venture capital que, eventualmente, de outro modo poderia “ser menos recetivo a esta classe de ativos, sobretudo por não ter experiência ou historial de investimento nela”, o partner da Armilar aponta igualmente para um efeito menos positivo do SIFIDE no ecossistema. Fala em “distorção no mercado”. E explica como.

“O objetivo do venture capital é (tem de ser) o de produzir bons retornos para os seus investidores, por via dos investimentos que faz, em linha com o nível de risco que corre; se uma parte (muito significativa) do risco está mitigada à partida, isso distorce os incentivos de forma também significativa”, diz.

Como não tem estado ‘balizada’ — por exemplo, por uma exigência de coinvestimento com capital privado “tradicional” (isto é, não-SIFIDE) que servisse de validação da bondade e dos termos de investimento —, temos testemunhado, de facto, que o SIFIDE tem resultado numa distorção de mercado que julgo que, a prazo, pode ser prejudicial para a indústria e o ecossistema.

Pedro Ribeiro Santos

Partner da Armilar

“Acresce ainda a pressão temporal na aplicação dos fundos, que distorce ainda mais esses incentivos, e depois na aplicação do capital pelas empresas que o recebem, o que lhes acrescenta risco”, refere ainda o partner da Armilar.

“Como não tem estado ‘balizada’ — por exemplo, por uma exigência de coinvestimento com capital privado “tradicional” (isto é, não-SIFIDE) que servisse de validação da bondade e dos termos de investimento —, temos testemunhado, de facto, que o SIFIDE tem resultado numa distorção de mercado que julgo que, a prazo, pode ser prejudicial para a indústria e o ecossistema”, alerta.

Apontando para um fenómeno de “crowding-out de fundos de VC experientes por fundos que tradicionalmente não se dedicam ao VC mas que têm financiamento de SIFIDE que têm de aplicar”, reforça.

O “Portuguese Startup Scene Report 2024” da Armilar, conhecido no início de abril, detalha esse impacto. “Empresas de private equity locais, historicamente focadas em classes de ativos como negócios tradicionais, aquisições, imobiliário, ou reestruturações, começaram a olhar para o venture capital. Apoiadas em capital alavancado em incentivos (como o SIFIDE e financiamento do Banco Português de Fomento) e enfrentando pressão crescente para aplicar os fundos, estas firmas estão expulsando os tradicionais investidores orientados para o mercado”, pode ler-se na análise.

Fonte: “Portuguese Startup Scene Report 2024” da Armilar.

 

“Em 2024, tiveram um papel em mais de metade (53%) de todas as rondas de investimento anunciadas, com essas rondas a representar 76% do total de capital levantado, confundindo os limites entre VC clássico e as estratégias de investimento alternativas”, refere o estudo da Armilar.

“Reconhecendo que há virtudes em programas como o SIFIDE, julgo que há muito para melhorar na sua execução, sob pena de se estar a contaminar negativamente a atividade, e a reputação, da indústria nacional de venture capital“, conclui Pedro Ribeiro Santos.

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