Como pode a banca amortecer o efeito do furacão Trump sobre as empresas
A incerteza económica é cada vez mais intensa e as empresas estão a ser forçadas a um esforço acrescido de permanente adaptação. Como pode o setor bancário ajudar a navegar estas águas?
Donald Trump está há pouco mais de 100 dias na Casa Branca, mas este período foi o suficiente para atirar o comércio mundial para uma espiral de barreiras, conflitos e muita incerteza. Neste contexto, como pode a banca servir de efeito estabilizador para as empresas portuguesas, expostas ao mercado internacional? Este foi um dos temas fortes do painel A Banca, o Risco e a Economia, na conferência Banking on Change, organizada pelo ECO e pela KPMG.
À conversa, dois banqueiros e um empresário: Miguel Maya, CEO do Millennium BCP; Gonçalo Regalado, Presidente do Banco Português de Fomento; e Filipe de Botton, chairman da Logoplaste. E Botton desenhou logo o cenário-base, carregado de incerteza: “Acho que nós neste momento já estamos num mundo novo, este tema da imprevisibilidade, do sobe e desce, das curvas, que todos nós conhecemos e que sempre nos habituámos a viver nelas, mas dentro de umas regras que existiam, bem ou mal, do mundo global que existia, bem ou mal”. E agora, o panorama é outro.
“O mundo onde nós estávamos até há 100 poucos dias atrás é um mundo que desabou. Todos nós, toda a cadeia de valor está nesse novo mundo e nós não conhecemos as regras deste novo mundo. Não conhecemos, eu não conheço minimamente, pela imprevisibilidade, não é das regras, é pela inexistência de regras é não perceber quais são as regras”, afirmou o empresário.
A Logoplaste está em 16 países e tem os Estados Unidos como um dos mercados mais importante, e Filipe de Botton tem elementos que servem quase de indicador avançado dos efeitos desta incerteza. “As consequências estão a ser gravíssimas para as empresas, pelo que está a suceder. O que nós vemos hoje em dia, globalmente, nos países onde nós estamos, é o consumo a abrandar”.
E sustenta: “Isto tem consequências fortes, nós vemos que a maioria das grandes empresas neste momento não estão a investir, isto vai ter consequências também no setor bancário, isto é tudo transversal”.
Miguel Maya reconhece os riscos, mas passa uma mensagem de alguma tranquilidade. “A banca hoje está numa posição completamente diferente, quer do ponto de vista do capital, quer do ponto de vista da liquidez, quer do ponto de vista da qualidade do balanço e, sobretudo, com a clara consciência que o futuro da banca depende do futuro dos seus clientes”, começou por afirmar, admitindo que “hoje há um alinhamento muito, muito forte entre aquilo que é a economia real e a economia financeira”.
O CEO do BCP não restringe o tema dos riscos à liderança de Trump, situando o cenário de instabilidade num período mais longo. “O anormal é ter períodos de grande previsibilidade. Nos últimos 15 anos, voltamos a viver com muito menos referências, quer dizer, com muito mais incerteza. E as organizações, quer do ponto de vista dos empresários, quer do ponto de vista das instituições financeiras, prepararam-se para isso.
Portanto, isto não é uma novidade para nós. Uma pandemia é uma novidade, é uma coisa que estava, de facto, completamente fora dos nossos horizontes. A economia ter ciclos não é novidade nenhuma, é absolutamente normal”, desdramatizou o banqueiro. E atira para o papel que a banca pode ter como amortecedor dos choques.
E isso implica perceber “o que temos que fazer – uma vez que temos os meios e as capacidades – para que os clientes sintam a confiança necessária para poderem continuar a olhar para as oportunidades e investirem nos momentos em que devem investir”. Até porque, lembra Maya, há oportunidades.
“Não é quando a economia está a crescer e tudo está a correr bem que as empresas que conseguiram criar vantagens competitivas se afirmaram. As empresas que conseguiram criar vantagens competitivas afirmam-se em contexto de maior instabilidade.
Portanto, o Banco, nomeadamente o Banco Comercial Português, está muitíssimo bem preparado para poder apoiar os empresários numa fase que exige muito sangue frio, muita capacidade de analisar os riscos e, portanto, ter resiliência para enfrentar a adversidade e, simultaneamente, ter o conhecimento e a capacidade e o suporte financeiro para poder aproveitar as oportunidades com que se vão deparando”.
Gonçalo Regalado chegou há pouco tempo à liderança do Banco Português de Fomento e grande parte desse período coincidiu com a influência de Donald Trump sobre a economia mundial.
“Nós só temos mais de 20 dias de mandato antes do Presidente Trump, preparámos o banco em 20 dias porque os outros 100 são cumulativos. E tem sido bastante desafiante, porque quando nós entrámos, estávamos a estruturar um banco para tratar em momentos normais, num ano com otimismo positivo, com empresários convictos de que o investimento era a chave do crescimento e do desenvolvimento, com exportações com bom outlook, e portanto tínhamos um ano muito positivo”, explicou.
“Os dois grandes valores, os valores essenciais que fazem a atividade em banca, primeiro comercial e depois banca soberana, de uma forma estável funcionar, são a confiança e a previsibilidade. E naquilo que é um parceiro basicamente de décadas, quase uma centena de anos estável, nós recebemos efetivamente uma enormíssima instabilidade, um choque de instabilidade”, salientou Gonçalo Regalado. E o fenómeno, diz, está longe de ser exclusivo de Portugal: “Quando falamos com os nossos colegas nas outras geografias e mesmo com a Comissão Europeia, percebemos que ainda estamos todos a perceber e a encontrar o melhor modelo de reagir”.
Relembrando a importância dos EUA como destino de exportações portuguesas, Regalado chama a atenção para um fator específico: “Os Estados Unidos são o país que paga melhor os nossos produtos e melhor os nossos serviços. Portanto, o impacto na margem pode ser até três vezes o impacto no PIB”, ilustrou. Ou seja, não é apenas uma questão de volume mas também, e sobretudo, de rentabilidade.
“Aquilo que é o nosso trabalho agora é preparar a economia portuguesa e os empresários portugueses para estes impactos. Esse trabalho é feito primeiro ao nível europeu, a gestão das tarifas e a gestão desta regulamentação, e tem sido, na minha opinião, bem feita e prudente. E o nosso trabalho é criar condições de liquidez para que as empresas portuguesas estejam preparadas para ter a liquidez necessária, não só em fundo de maneio, como em investimento, para avançar nesta dimensão”, explicou o líder do Banco Português de Fomento.
E a resposta, para já, tem sido positiva, diz o banqueiro. “Aquilo que nós estamos a sentir é um sentimento positivo. Nós já tínhamos percebido que a Banca Soberana e o Banco de Fomento é tão mais forte quanto maior a incerteza. Foi assim no Covid”, com a necessidade de mobilizar rapidamente apoios públicos às empresas, lembrou.
Para esse apoio, agora, estão no terreno e em preparação linhas de crédito, garantias e outros instrumentos, que permitam mitigar este período de indefinição. “O nosso grande trabalho no Banco de Fomento é criar as condições de liquidez para que as empresas e os bancos estejam confortáveis com as garantias para que, na verdade, não falte nem segurança, nem estabilidade naquilo que é o acesso ao financiamento”.
A relação com as empresas
Filipe de Botton lamentou algumas dificuldades de ligação entre os bancos e as empresas, nomeadamente as PME. E admitiu que isso acontece muitas vezes devido à falta de capitais próprios das empresas – que os bancos tendem a exigir – e a alguma falta de literacia financeira e de informação fidedigna que as empresas possam disponibilizar às instituições financeiras e que servem de base às decisões de crédito.
Já no que toca às grandes empresas, alerta para o que considera ser alguma incapacidade dos bancos nacionais em financiarem operações de grupos portugueses com muitas unidades no estrangeiro, e que acabam por recorrer a bancos internacionais. A forma de compensar alguns destes fenómenos é a própria relação de muito longo prazo entre empresas e bancos, e que não se esgota no crédito.
“O que nós queremos é um alinhamento e um conhecimento, porque a melhor forma de garantir que as coisas vão correr bem é pensar que o banco não é apenas um fornecedor de dinheiro, é um fornecedor também de know-how, que vai fazer uma análise que está a pôr em risco o dinheiro dos seus depositantes e que, portanto, tem que ter a capacidade de fazer uma análise correta e profunda do investimento”, afirma Miguel Maya.
Já Regalado diz que essa aproximação passa por tornar os bancos, nomeadamente o que dirige, mais proativos e não estarem apenas à espera que as empresas os desafiem.
Novas formas de financiamento
O mundo está cada vez mais fragmentado e também o segmento de financiamento, uma vez que os bancos e o mercado de capitais já não são os únicos caminhos. Filipe de Botton admite que há instituições que se dedicam a financiamento de formatos mais híbridos e que tendem a ter uma postura de risco mais agressiva e, como tal, a apoiar projetos com mais potencial.
Já Miguel Maya considera que os bancos continuam a ter vantagens e continuarão a ser interlocutores privilegiados e de longo prazo das empresas, mas pede que, com o mercado de financiamento a ficar ainda mais concorrencial, que haja um “level playing field” em termos de regulação, que não penalize os bancos. E no que toca à relação entre os bancos comerciais e o “renovado” Banco de Fomento, a tónica foi colocada na colaboração entre os vários agentes.
“O nosso trabalho é, em parceria, não há nenhuma competitividade, é parceria, estarmos ao lado, par a par com os bancos comerciais todos, os que estão em mercado, os que vão para o mercado, os que são incumbentes, os que vão ser criados, todos, para que toda a gente possa sentir, na verdade, a mesma utilidade no Banco de Fomento que tem hoje o Banco Europeu de Investimento ou o Fundo Europeu de Investimento em Portugal”, defendeu Gonçalo Regalado.
No que toca aos desafios sobre a economia em geral, Botton lamentou a fragmentação europeia, um continente que não tem um rumo nem uma voz única. Focou ainda os temas da burocracia, algo no qual foi acompanhado por Regalado, que acrescentou ainda o tema da regulação excessiva e assimétrica.
“O nosso maior risco é a inação, é ficarmos à espera, é o achar que alguém tem que resolver os problemas por nós. É não sermos nós… a ser donos do nosso próprio futuro e, portanto, ficarmos à espera que alguém resolva, que nos dê as referências, que nos diga que temos que andar num determinado sentido”, conclui Miguel Maya.
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