Custo da descida do IRC da AD exige medidas compensatórias no curto prazo
Montenegro conta com crescimento económico e contenção da despesa para financiar a redução do imposto, mas vários economistas alertam para a perda de receita, no imediato, que terá de ser compensada.
A proposta da AD – coligação PSD/CDS de redução transversal do IRC em três pontos percentuais, de 20% para 17%, e de descida da taxa de 16% para 15% nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável, até ao final da legislatura, deverá custar cerca de mil milhões de euros, uma perda de receita que será suportada pelo crescimento económico e pela contenção da despesa corrente primária, segundo as contas da força política, liderada por Luís Montenegro. Mas vários economistas consultados pelo ECO alertam que, no curto prazo, a medida “não se paga a si própria”, ou seja, vão ser necessárias contrapartidas: cortes ou um aumento de impostos.
O ainda ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, considera que se o Governo conseguir colocar “a economia portuguesa a crescer próximo dos 3% ao ano”, haverá “recursos para aliviar a carga fiscal em percentagem do PIB”, afirmou, em entrevista ao ECO. De salientar que, em 2024, o PIB teve uma variação homóloga de 1,9%, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Para este ano, o Governo projeta um crescimento de 2,4%, meta que Miranda Sarmento confia atingir, como voltou a afirmar esta segunda-feira, apesar de ter arrancado o trimestre com uma contração em cadeia de 0,5%. E espera ultrapassar os 3% no final da legislatura, em 2028 e 2029.
O também cabeça de lista da AD por Lisboa alegou ainda que o programa que a coligação apresentou mostra “um crescimento da despesa muito limitado”. “A despesa em percentagem do PIB reduz-se. O que não significa que a despesa em milhões de euros não continue a crescer, mas essa redução naturalmente também ajuda, por um lado, à redução da carga fiscal e, por outro lado, ao equilíbrio orçamental”, afirmou.
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"A despesa em percentagem do PIB reduz-se. O que não significa que a despesa em milhões de euros não continue a crescer, mas essa redução naturalmente também ajuda, por um lado, à redução da carga fiscal e, por outro lado, ao equilíbrio orçamental.”
Na apresentação do programa eleitoral, o ainda primeiro-ministro, Luís Montenegro, chegou a fazer o paralelismo com 2014, para demonstrar como a descida do imposto pode impulsionar a receita pelo efeito acelerador na atividade económica. Argumento que não colhe junto dos economistas.
“A ideia de que a descida do IRC ‘se paga a ela própria’ é sedutora e tem alguma base teórica e empírica, mas deve ser analisada com rigor e prudência”, salienta Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que chegou a ser eleito nas últimas legislativas como independente pela AD, mas não chegou a tomar posse, e este ano participa num evento da IL.
“A possibilidade deriva da famosa curva de Laffer (U invertido)”, que mostra uma redução da receita cobrada de um dado imposto a partir de um dado nível de taxa de imposto, devido à evasão e desincentivo à atividade. Assim, admitindo que Portugal estará na fase descendente da curva de Laffer no IRC – o que é plausível, tendo nós a segunda maior taxa efetiva da União Europeia –, então uma baixa significativa da taxa de IRC poderá provocar um aumento da receita cobrada. Contudo, são precisos estudos mais profundos para usar em política económica, requerendo um modelo económico de análise. Por isso, faltou à AD indicar o modelo económico de suporte às estimativas de crescimento, sobretudo o impacto da baixa fiscal e, em particular, do IRC”, segundo o mesmo economista.
Além disso, “este tipo de impacto leva tempo a materializar-se” alerta Óscar Afonso. Assim e, “no curto prazo, a redução do IRC representa uma perda efetiva significativa de receita fiscal e, como tal, tem de ser compensada de alguma forma no modelo usado para manter a sustentabilidade orçamental até que os efeitos positivos sobre a atividade económica e a receita fiscal surjam”, completa.
"No curto prazo, a redução do IRC representa uma perda efetiva significativa de receita fiscal e, como tal, tem de ser compensada.”
O economista recorda um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) que indica que a compensação pode ser feita por “via do aumento dos impostos indiretos sobre o consumo”, que “é a que gera menos efeitos adversos (pelo estímulo à poupança) e maior impacto líquido no PIB”, ou por via “da redução das transferências sociais e do consumo público”.
Na mesma linha, Filipe Grilo, docente da Porto Business School, insiste que, “a curto prazo, a descida do IRC proposta pela AD não se paga a ela própria”. “Embora a redução do IRC tenha efeitos positivos no PIB e nos salários dos trabalhadores, o impacto sobre as contas públicas é negativo durante os primeiros dez anos. Só ao fim de uma década o efeito se torna, na melhor das hipóteses, marginalmente neutro — ou seja, o crescimento económico gerado pela redução do IRC seria então suficiente para compensar a perda de receita”, esclarece o economista.
Grilo lamenta que a AD não tenha explicado “essa realidade ao seu eleitorado”. “A descida do IRC não é uma medida autofinanciada no curto prazo, mas sim uma aposta de médio prazo. O que levanta a questão central: como será financiado o impacto orçamental nos primeiros anos?”, pergunta.
“Pelo cenário macroeconómico que a AD apresentou”, o economista aponta que “a resposta parece ser a contenção da despesa pública”. “No entanto, este é um compromisso que levanta dúvidas, tendo em conta o histórico recente de crescimento da despesa. Pedir uma travagem abrupta depois de anos de expansão orçamental seria o equivalente a tentar travar um comboio em alta velocidade — e é legítimo questionar se haverá força política suficiente para assumir esse risco sem consequências”, sinaliza.
O professor da Porto Business School sublinha ainda que é importante “esclarecer que a comparação com a redução do IRC em 2014 é enganadora”. Luís Montenegro fez esse paralelismo, aquando da apresentação do programa eleitoral.
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"Quando o PS ainda acreditava que a economia podia ser mais competitiva, fizemos um acordo com o PS e diminuímos em dois pontos percentuais a taxa e a receita desse ano aumentou. A taxa desceu e a receita aumentou.”
“Quando o PS ainda acreditava que a economia podia ser mais competitiva, fizemos um acordo com o PS e diminuímos em dois pontos percentuais a taxa e a receita desse ano aumentou. A taxa desceu e a receita aumentou”, defendeu o chefe do Executivo demissionário. Em 2013, com Pedro Passos Coelho ao leme da governação do país e António José Seguro na liderança dos socialistas, foi assinado um pacto para baixar o imposto sobre as empresas de 25% para 23%, em 2014, e para 21%, em 2015.
Mas Filipe Grilo deita por terra os argumentos de Montenegro. “Nessa altura, a economia portuguesa saía de uma recessão profunda, e os lucros das empresas estavam anormalmente baixos. Como a receita de IRC era, à partida, muito reduzida, bastou uma recuperação normal da economia para manter os níveis de receita fiscal, mesmo com uma taxa de imposto mais baixa. Ou seja, o crescimento económico não foi provocado pela redução do IRC — foi uma normalização depois de anos de crise. O contexto atual é completamente diferente, e é ilusório esperar o mesmo efeito automático”, critica.
"O crescimento económico [em 2014] não foi provocado pela redução do IRC — foi uma normalização depois de anos de crise. O contexto atual é completamente diferente, e é ilusório esperar o mesmo efeito automático.”
Além disso, a diminuição da taxa normal, em 2014, de 25% para 23%, foi compensada pela introdução e posterior agravamento da derrama estadual, que varia entre 3% e 9%, quando o lucro tributável é superior a 1,5 milhões de euros, como recorda o Banco de Portugal (BdP). As autarquias podem ainda aplicar uma outra taxa até 1,5%, designada de derrama municipal.
No programa eleitoral da AD, está prevista a eliminação faseada da progressividade da derrama estadual e o fim da derrama municipal. Mas, em entrevista ao ECO, Joaquim Miranda Sarmento já deixou cair essa medida. “Diria que é muito difícil nos próximos anos isso acontecer, porque o nosso foco é reduzir a taxa de IRC”. O governante reconheceu que “a progressividade no IRC distorce o imposto”. Contudo, a sua eliminação terá um “impacto orçamental é muito significativo”, justificou.
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