
Entre modelos de risco e modelos de poder
António Rito Batalha conclui que se os governos adotassem o mesmo nível de planeamento e preparação que as resseguradoras aplicam, as sociedades estariam muito mais protegidas.
Um relatório divulgado recentemente revelou que as perdas seguradas por catástrofes naturais atingiram 137 mil milhões de dólares em 2024, refletindo a crescente vulnerabilidade do planeta aos fenómenos climáticos extremos. O estudo, elaborado pela Swiss Re, chega num momento em que os maiores resseguradores do mundo — a própria Swiss Re e a Munich Re — anunciaram lucros robustos no primeiro trimestre de 2025, que totalizam mais de 2,3 mil milhões de dólares. Os resultados demonstram a solidez dos seus modelos de risco e a eficácia de uma política de subscrição rigorosa.
Mas o setor segurador não está apenas preocupado com o clima. Conforme destaca a Moody’s, o envelhecimento populacional é um dos riscos estruturais mais significativos que se avolumam no horizonte. À medida que as populações envelhecem, os sistemas de saúde, pensões e produtividade económica enfrentam pressões crescentes — riscos que, embora silenciosos, terão efeitos profundos e duradouros sobre a estabilidade social e financeira.
Apesar deste cenário complexo, os governos continuam a alocar os seus recursos de forma desproporcional. Esta semana, os Estados Unidos aprovaram um acordo de venda de armamento à Arábia Saudita no valor de 142 mil milhões de dólares, uma única operação que ultrapassa o total anual das perdas seguradas por catástrofes naturais em todo o mundo. É uma demonstração clara de como as prioridades militares continuam a dominar o investimento público — mesmo perante ameaças sistémicas cada vez mais evidentes.
É certo que a defesa nacional tem o seu lugar. Mas a verdadeira resiliência, hoje, exige muito mais: sistemas de saúde robustos, infraestruturas digitais seguras, programas sociais adaptáveis e investimentos sérios em prevenção de catástrofes e adaptação climática. Os resseguradores sabem disso porque não podem ignorar a realidade: cada apólice assume que a próxima grande disrupção — seja uma onda de calor, um ciberataque ou uma crise demográfica — não é uma hipótese remota, mas uma certeza estatística.
O setor segurador, orientado por dados e lógica atuarial, não tem margem para negacionismos ou complacência. Já os decisores públicos, muitas vezes, continuam a tratar esses riscos emergentes como secundários, financiando-os com os restos dos orçamentos, em vez de com visão estratégica. Se os governos adotassem o mesmo nível de planeamento e preparação que as resseguradoras aplicam, as sociedades estariam muito mais protegidas.
A estabilidade global do século XXI não será garantida apenas com poder militar. Vai depender da nossa capacidade de reconhecer e investir em todo o leque de riscos que realmente ameaçam as sociedades — ou, em alternativa, de continuarmos a canalizar milhares de milhões para conflitos regionais, deixando os desafios mais críticos por tratar e subfinanciados.
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