O eleitor do Chega não é leproso

Estas eleições foram marcadas por uma campanha fraca e arrisco-me a dizer que para a maioria dos eleitores do Chega foram monotemáticas: foram sobre imigração e segurança.

O resultado das eleições de ontem apanhou todos de surpresa. Por mais que fosse antecipável que este movimento poderia acabar por acontecer, nenhuma sondagem antecipou que pudesse ser já. Não só o Chega se tornou o segundo maior partido (faltam contar os votos da emigração) e Ventura, consequentemente, líder da oposição, como a maior vitória de sempre da direita faz com que, sozinha, possa promover revisões constitucionais. Só o PSD tem mais deputados que toda a esquerda junta e não há nada que sumarize melhor esta eleição. O sistema efetivamente mudou, moveu-se, e não voltará a ser o que foi.

As ondas de choque ainda se fazem sentir e o efeito surpresa torna o Chega o grande vencedor da noite, mesmo que não tenha sido o partido que mais deputados ganhou. Ventura ganhou 4 distritos e 60 concelhos, quando, apenas há um ano, tinha conquistado somente 9. Os restantes 51 tinham sido vencidos, em 2024, pelo PS. Se não há dúvidas que o Chega é um partido da direita radical, há também certeza de que os seus eleitores não o podem ser todos. As transferências de votos entre a esquerda e o Chega são inegáveis, principalmente a sul do Tejo.

Responsáveis por esta debacle há muitos, de todos os quadrantes. De seguida, abordarei a responsabilidade de Costa e do PS, mas as redações não podem sacudir a água do capote. O triste serviço que fizeram à democracia no acompanhamento da indisposição de Ventura teve consequências. Acompanhar as traseiras das ambulâncias sem qualquer informação adicional ou relevância jornalística, não deve ser justificada meramente pelas audiências. Depois há surpresas.

Pela primeira vez desde que temos eleições livres, o PS ficou fora dos primeiros dois lugares. A campanha foi fraca, o timing péssimo e já na altura se antevia que seria fatal para Pedro Nuno – não se previa, contudo, que o fosse também para o partido. Com estas eleições nasce um sistema diferente. Onde havia dois, passam a ser três e André Ventura é oficialmente candidato a Primeiro-Ministro. A análise deve ser outra, a agenda e as preocupações idem.

António Costa queria que o PS fosse partido charneira. Aproximando o nosso sistema partidário do francês, apostou que a colagem do PSD ao Chega e o afastamento laranja do poder levariam ao definhamento do próprio PSD. Na substância não errou. Simplesmente não anteviu que a antagonização direta com o Chega – a criação do papão – teria esse efeito fosse qual fosse o partido fora de São Bento. Tendo os socialistas saído antes do tempo, foi o PS o apanhado na esparrela montada por Costa.

Sim, as responsabilidades de Costa são evidentes. Não, não vêm de 2015, onde apenas tivemos o parlamentarismo a funcionar. Mas, da forma como depois de 2019 lidou com o PSD e com o Chega. Para Costa, eram sinónimos. Para Costa, era inevitável a sua aliança e o PSD de Rio eram uns perigosos radicais com quem o PS nem devia conversar. Ademais, caso dele dependesse, mais valia não governar. Para os mais esquecidos, esta era a doutrina. O objetivo sempre foi inviabilizar o PSD, tentando, pelo cansaço, empurrar os seus eleitores para o Chega, o que faria do PS um partido hegemónico e de tal forma central que seria impossível governar sem ele.

No entanto e como na altura fui opinando através do podcast, Costa esqueceu-se de ver a segunda parte do filme sobre a república francesa: a parte onde o PS pós-Hollande desaparece. Da mesma forma, a euforia sentida nas hostes laranjas deve ser bastante mais contida. Primeiro, porque uma vitória com 91 deputados tem de saber a pouco e, depois, porque os próximos podem mesmo ser os sociais-democratas. A experiência europeia diz-nos que quando os partidos irmãos do Chega atingem estes números, não há nenhuma razão que nos faça acreditar que vão parar por aqui.

Os políticos em Portugal têm de se mentalizar de uma coisa: os eleitores do Chega não são leprosos. Não são menos dignos ou intelectualmente inferiores. As suas preocupações não são mais pueris ou menos válidas, honestas ou relevantes. Simplesmente não são. Não compete aos partidos valorar os receios das populações, mas tão somente responder-lhes. Preocupar-se com os seus anseios e deixar-se de superioridades morais vãs ou sem significado prático, porque o resultado está à vista.

Estas eleições foram marcadas por uma campanha fraca e arrisco-me a dizer que para a maioria dos eleitores do Chega foram monotemáticas: foram sobre imigração e segurança. Ventura percebeu isso muito bem, a esquerda não. É daqui que Montenegro tem de aprender. Se quer crescer é a esta inquietação que tem de responder: deixar a política incompreensível do PS bem para trás e mostrar resultados. Em política não há inevitáveis, e as ‘TINAs’ são poucas.

Os caminhos mantêm-se abertos. O PS, provavelmente com José Luís Carneiro, vai passar uma das mais duras travessias pelo deserto da sua história para tentar sobreviver. Será este facto o proporcionador da governabilidade e da estabilidade de que a AD e o país precisam. Saiba Montenegro usar-se disso, porque se não o fizer basta olhar para o vizinho do lado para antever as consequências que terá de enfrentar.

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