
Revisão Constitucional, uma oportunidade para reformar *
A revisão do texto constitucional pode funcionar como o instrumento para desbloquear reformas, pode ser precisamente uma mudança a começar nas fundações.
A Iniciativa Liberal registou uma daquelas vitórias ‘poucochinhas’ nas legislativas. Sim, aumentou a sua votação, ganhou um deputado, mas depois das expectativas geradas, de andar a discutir ministros e ministérios, foi um resultado que soube a muito pouco. Isso explica a pressa de Rui Rocha em lançar o tema da revisão constitucional, uma afirmação de vida perante o relâmpago-Ventura. Mas se há um certo oportunismo na jogada dos liberais, a discussão pode ser uma oportunidade para reformar o país.
A Constituição não é hoje propriamente um travão às reformas, não foi a Constituição que impediu os sucessivos governos de fazerem o que deveriam ter feito, seja na reforma do sistema político — que até já permite a redução de deputados –, seja nos modelos de financiamento, concorrência e liberdade de escolha na saúde e educação, ou na limitação da intromissão do Estado na vida dos agentes económicos, os particulares e as empresas. Perderam-se sucessivas oportunidades, com mais e menos crescimento económico, com mais ou menos apoio social (a exceção foi mesmo nos últimos 25 anos a gestão de Pedro Passos Coelho, porque os fundos da troika dependiam mesmo de mudarmos as coisas).
Um travão às reformas estruturais é mesmo o incentivo dos eleitores-dependentes-do-Estado, que rejeitam mudanças e suportam politicamente os partidos conservadores e anti-reformistas. E dos líderes governamentais que preferem proteger o poder. As mudanças têm custos, e há segmentos da população que têm de ser protegidos desses efeitos no período de transição. Mas até ao momento, por falta de vontade política ou ausência de apoio social, o país marca passo. Nestes 11 meses de governação, as mudanças na imigração terão sido, provavelmente, a única reforma digna deste nome.
Dito isto, a Constituição precisa mesmo de ser revista, e mais agora com uma consolidação sociológica do país que é diferente daquele que tivemos nos últimos 25 anos. A Constituição deve ser um chão comum, alargado, que permita aos governos de diferentes partidos a execução do seu programa. Deve refletir a sociedade que temos, adaptada às novas realidades.
A esquerda radical está a transformar uma proposta de revisão constitucional numa espécie de ataque à Democracia. Polariza contra o Chega e as suas propostas, mete os liberais no mesmo saco populista e faz uma chantagem sobre o PSD. Faz mal. Mas sobretudo deve habituar-se, os portugueses reduziram o Bloco a nada e o PCP a quase nada, querem mudanças, e não é apenas no Preâmbulo da Constituição e no fim do caminho para o socialismo.
Há, por um lado, limitações materiais à Constituição, desde logo o artigo 288º que define as chamadas “áreas protegidas”, mas, por outro, há ao longo da Constituição dezenas de normas desfasadas da realidade, e há outros que deveriam ser revistas para permitir mais liberdades e garantias, mais economia privada numa sociedade mais ‘digital’, menos distância entre eleitores e eleitos, mais governabilidade.
A revisão da Constituição está nas mãos do PSD. Seria um erro político bloquear uma revisão, como seria um outro enorme erro Luís Montenegro não procurar uma negociação ao centro, com o PS, sem deixar de incluir o Chega (e a Iniciativa Liberal).
Sobretudo, e esta é talvez a melhor razão para uma nova tentativa de revisão do texto constitucional, pode funcionar como o instrumento para desbloquear reformas, pode ser precisamente uma mudança a começar nas fundações. Seria uma oportunidade para discutir as ditas reformas estruturais e criar as condições para as efetivar.
* O 34º subscritor
O sociólogo Pedro Gomes Sanches promoveu o lançamento de um manifesto no qual se defende a reforma do Estado, com 33 subscritores. E no artigo no Expresso, lê-se: “Este manifesto é um ponto de partida para um compromisso indispensável. Uma convocatória à responsabilidade de todos. Não queremos mais promessas vagas nem reformas adiadas. Queremos compromisso. E modernizar Portugal. Apelamos a uma cultura de compromisso e a uma energia mobilizadora que deverá ter como centro o próximo Governo de Portugal. Portugal não se compadece com inércias circunstanciais nem com taticismos partidários. É tudo menos cedo“. Sou o 34º subscritor.
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