Onde está o crédito bancário? Não está

Com a economia a crescer quase 3%, onde estão os bancos e onde está o crédito? Por que é que o seu nível de actividade não acompanha a expansão da economia? Por falta de concorrência.

Costuma-se dizer que a actividade bancária é o reflexo da economia. Na verdade, foi assim, justificando-se com a economia portuguesa, que em geral os banqueiros portugueses foram justificando os prejuízos dos últimos anos.

Por um lado, não havia boas oportunidades de crédito (ou bons riscos de crédito, como alguns preferiam dizer). Por outro lado, havia, sim, incumprimento de crédito, penalizando os balanços e os resultados da banca. Sem surpresa, os balanços encolheram, as imparidades aumentaram e os resultados afundaram.

Depois, passou-se a outra narrativa: uma economia sã requer bancos sãos. Foi o mote para fazer aumentos de capital e, ao mesmo tempo, a justificação para continuar a desalavancar. Os balanços continuaram a encolher, as imparidades foram-se gerindo, mas a situação de capital foi estabilizando.

Agora, não obstante a (ainda) vulnerável posição de capital, já se dizia que os bancos tinham liquidez em excesso. Só não emprestavam porque não havia a quem emprestar. Os projectos (ou os riscos) das empresas eram maus. Seria prudente aguardar por bons riscos. Entretanto, a economia cresce a 3% (por quanto tempo?) e as narrativas dos banqueiros parecem ter-se esgotado. Os bancos continuam sem emprestar. Que dizer disto?

A actividade bancária contempla duas fontes de rendimentos: a chamada margem financeira (a diferença entre os juros recebidos nas operações activas e os juros pagos nas operações passivas) e as comissões bancárias (comissões recebidas por contrapartida dos serviços bancários prestados). Na sequência da divulgação dos resultados semestrais dos principais bancos portugueses, observa-se que entre os quatro principais bancos nacionais (CGD, BCP, Santander Totta e BPI), em média, quer a margem financeira quer as comissões bancárias registaram crescimentos homólogos.

A margem financeira aumentou devido, sobretudo, à redução das taxas de juro pagas nos depósitos a prazo. Quanto às comissões bancárias, estas aumentaram porque os bancos precisam de aumentar as suas receitas e porque o mercado bancário em Portugal é um oligopólio (não obstante, é justo reconhecê-lo, os crescentes custos da regulação financeira também obrigam a repercutir parte desses custos sobre os clientes).

Entre os bancos referidos, a CGD foi aquela que menos comissões cobrou em proporção do total de rendimentos gerados. Para compensar, a CGD foi também aquela que mais melhorou a sua margem financeira. No geral, os resultados do sector melhoraram, reforçando a ideia de que 2017 deverá ser o ano da retoma no sector bancário (ou seja, com mais de três anos de atraso face à economia como um todo, que cresce desde o final de 2013).

Do outro lado, isto é, do lado dos clientes de serviços bancários em Portugal, a situação é oposta. Os depósitos pagam cada vez menos, pagando hoje menos em Portugal do que na média da zona euro. E observa-se também que a taxa de variação anual do total de crédito concedido continua a evidenciar uma contração do stock de crédito, face à expansão de crédito que se regista na zona euro. Ou seja, os clientes de serviços bancários em Portugal são neste momento penalizados face aos seus congéneres europeus, de duas formas:

  1. Recebem menos pelos depósitos.
  2. A concessão de crédito diminui.

Ademais, no domínio dos clientes empresariais, um importante subconjunto do universo global de clientes dos bancos, há um terceiro factor de penalização: as taxas de juro cobradas às empresas portuguesas são mais altas do que na zona euro.

É caso para perguntar: onde estão os bancos e onde está o crédito? Por que é que o seu nível de actividade não acompanha a expansão da economia?

Há várias razões que explicam estas aparentes incongruências. Por um lado, pode dar-se o caso de que a banca não tenha ainda digerido na totalidade as suas imparidades, tornando-a cautelosa por enquanto. Por outro lado, pode dar-se o caso de os bancos, nos seus comités de crédito, não acreditarem na bondade da expansão económica em curso nem nas garantias das empresas. Mas, na realidade, não acredito que seja essas as razões fundamentais da falta de actividade da banca em Portugal.

Quem segue as minhas crónicas, saberá desde há muito da crítica que reiteradamente venho apontando ao sector bancário em Portugal. Ela traduz-se na seguinte expressão: falta de concorrência.

Sim, temos na banca em Portugal um mercado de oligopólio, que exibe um nível de concentração muitíssimo superior ao que sucede em média na zona euro e também entre países da nossa dimensão. Infelizmente, a esta excessiva concentração, junta-se um outro elemento que não ajuda: o excesso de capacidade instalada. Ou seja, temos o pior de dois mundos. Por um lado, há falta de concorrência. Por outro lado, entre a reduzida concorrência que temos, sobra capacidade instalada.

Qual é então a solução? É simples: mais concorrência, porque se há relação que está mais do que estudada na literatura sobre regulação bancária é aquela que relaciona o nível (crescente) de concorrência bancária com a redução dos spreads bancários.

Quanto ao volume de crédito, numa economia a crescer a 3%, o difícil é que o volume de crédito concedido não cresça. Agora, poderá é não crescer através do modelo tradicional dos bancos, mas sim através de outros modelos de negócio.

De resto, a respeito das necessidades dos clientes de serviços bancários em Portugal, o crescimento homólogo de quase 30% do número de contas de serviços mínimos bancários – criadas por decreto pelo Banco de Portugal e que impõem aos bancos um tecto máximo de comissões a cobrar – dá que pensar. O Banco de Portugal obtém por via coerciva da lei o que porventura poderia obter pela via não coerciva do mercado, caso optasse por promover a concorrência bancária em Portugal. Numa época de excessiva regulamentação financeira, é apenas mais uma razão para promover a concorrência.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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