Para Daniel Bessa a banca nacional é um problema. Sobre a CGD diz não entender a entrada de empresas na administração e considera que António Domingues é a pessoa certa. Mas haveria outras.
O economista Daniel Bessa reconhece que a banca nacional é um problema mas, pragmático, diz que mais vale ter banca com acionistas estrangeiros do que não ter banca em Portugal de todo. Bessa imputa a mudança de capital “à falta de capital e a processos de gestão em que o capital que havia se perdeu”. A banca tem um caminho estreito pela frente “apertada não só pela dívida mas pela falta de crescimento”.
As Finanças dizem que o setor bancário estará “arrumado” até ao final deste ano. Acredita que é possível?Já não tenho idade para me comover muito com esse tipo de afirmações, valem o que valem. Julgo que toda a gente que passa por lá diz mais ou menos isso, sobretudo se se tiver em grande conta e não for muito humilde. É-me indiferente.
Como é que vê a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos?Tem de ser. São perto de cinco mil milhões de euros, e a Comissão Europeia exige que uma parte do aumento de capital seja feito até ao final do ano. Penso que a CE exigiu, não sei em que termos, que tem que haver dívida da CGD, de alguma forma subordinada aos privados. Aliás, há uma grande curiosidade em ver quem é que vai financiar a CGD, quem vai subscrever esses instrumentos de dívida. E isso sim, terá que ser feito até ao final do ano. Depois há uma capitalização pública que não se fará até ao final de 2016, o tal aumento de capital perto dos cinco mil milhões de euros.
Como é que viu todo o processo da CGD e o impasse à volta da nomeação da nova administração?Já escrevi sobre isso… O que percebi menos foi a abertura do conselho de administração da CGD a clientes da Caixa. A banca costuma caracterizar-se por estabelecer regras o mais apertadas possível, de modo a acautelar conflitos de interesses. A certa altura comecei a ver que uma boa parte das grandes empresas portuguesas ia estar representada na CGD e isso, para clientes e para fornecedores, não me parecia muito simpático porque, geralmente, a administração de um banco, sobretudo de um grande banco — a CGD é um grande banco — sabe muito sobre os clientes, muito mais do que aquilo que vem nas contas. Por isso, digo que não sei o que uma empresa qualquer, cliente da CGD, acharia de ver os seus segredos e mais do que os seus segredos, os seus podres, acessíveis aos concorrentes.
Conhece o novo presidente da CGD, António Domingues?"A certa altura comecei a ver que uma boa parte das grandes empresas portuguesas ia estar representada na CGD e isso, para clientes e para fornecedores, não me parecia muito simpático.”
Portugal é uma aldeia, por isso conheço. Quando digo que conheço não sei se alguma vez privei: já o vi em fotografias, há montes de pessoas que o conhecem…
E acha que é a pessoa certa para estar à frente da CGD?Não gosto muito de ir por aí. Quando passei por um cargo governamental, há 20 anos, fazia-se aquelas coisas de ir perguntar às outras pessoas se acham bem, e toda a gente achou mais ou menos bem. Mas, um amigo meu, disse-me como é que vão achar mal: primeiro porque não vão dizer e, depois, porque passado um bocado estão lá a bater à porta a pedir algo. Acho que estamos a falar de uma pessoa que tem seguramente uma longa carreira bancária, de quem não há referência negativa de nenhum tipo, de quem os que são mais próximos dizem que tem uma série de qualidades e de méritos e, portanto, está certamente a pessoa certa no lugar certo. Provavelmente haveria mais — só nos casamentos é que nos convencemos que é pessoa única, são questões de química e da ordem emocional. É a pessoa certa no lugar certo, mas haveria seguramente mais alguém.
Acha que a banca nacional é, de facto, um problema?"[Sobre António Domingues] É a pessoa certa no lugar certo, mas haveria seguramente mais alguém.”
Acho, acho. Mas mais do que a banca, o problema é o facto de o país continuar a dever ao exterior três PIB’S. A banca intermediou uma dívida colossal, são 300% do PIB — neste momento são 130% do Estado, serão um pouco menos de 100% das empresas e o restante das famílias. Quando a troika veio era 100% do Estado, 100% das empresas e 100% das famílias, depois uma parte das empresas foi metida na dívida do Estado. É uma dívida muito grande que a banca intermediou, agravada pela recessão interna. E que deixou os balanços dos bancos debaixo de uma pressão enorme. A banca está muito apertada, não só pela dívida como pela falta de crescimento. Depois, há ainda outro fator: não sei qual é a percentagem do imobiliário português que está no balanço dos bancos. Mas sei de edifícios, em Portugal e cedidos pela banca, sem renda, a título gratuito — porque se houvesse renda tinham de registar as imparidades, uma vez que a renda tem que estar em linha com o valor do edifício. Eu sei — e só não sabe quem não quer –, sobretudo se eu subir na escala das responsabilidades politicas, só não sabe quem não quer. Estamos a falar de entidades que estão muito em cima ao nível da responsabilidade, que não pagam renda porque a banca acha melhor ceder gratuitamente do que registar a imparidade. Isto existe em Portugal.
Existe em grande escala?Há em Lisboa, perto do Tejo.
Preocupa-o o facto de a banca nacional estar a perder acionistas nacionais e estar a passar para mãos estrangeiras?Não me preocupa muito isso mas, também, de que é que me adiantava preocupar-me? A banca esteve em mãos nacionais, não foi o destino nem foram jogos de fortuna e de azar. A mudança de capital ocorre basicamente por falta de capital e, depois, por processos de gestão em que o capital que havia se perdeu. Os maiores bancos em que se iniciaram processos acionistas só não foram colocados em Portugal, só não foram tomados por portugueses, porque não foram a jogo, porque não tinham o dinheiro. Não me parece que valha muito a pena… Com estrangeiros tenho banca, com nacionais aparentemente não teria.
Mais vale ter banca com controlo acionista estrangeiro do que não ter banca em Portugal?Mais vale ter banca estrangeira do que não ter banca com portugueses que não foram a jogo.
Sabia que…
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Daniel Bessa: “Com estrangeiros tenho banca, com nacionais aparentemente não teria”
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