Mais confiança na Justiça administrativa e fiscal
A ministra da Justiça escreveu um artigo de opinião na Advocatus em que fala da reforma dos Tribunais Administrativos e Fiscais
Assistimos hoje, com frequência, a referências às dificuldades da justiça administrativa e tributária, na opinião de vozes qualificadas, em publicações especializadas e nos órgãos de comunicação social. É um facto que a justiça administrativa e tributária, em particular esta última, associada a dois segmentos da área cível – as execuções e as insolvências -, concentram em si os grandes nós de estrangulamento da justiça portuguesa. O Governo tinha disso consciência quando iniciou funções em Novembro de 2015.
Os primeiros contactos com o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais deram-nos a nota da existência de múltiplos focos de preocupação, associados a dificuldades no plano dos recursos humanos, da organização e das leis de processo, tudo convergindo para uma grande dilação dos tempos de resposta. Impunha-se ao Governo uma intervenção que identificasse com rigor os espaços e as razões da congestão e adotasse medidas no sentido de os superar, ou, pelo menos, minimizar. A primeira grande dificuldade com que nos deparámos prendia-se com a ausência de estatísticas (indisponíveis desde 2004). As estatísticas da justiça eram omissas neste segmento. Recorremos, no plano do diagnóstico, ao Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, cuja experiência e rigor metodológico nos assegurariam a fiabilidade dos resultados.
A lacuna relativa às estatísticas foi colmatada em abril de 2016, confirmando as nossas expectativas menos otimistas e reforçando a nossa convicção da necessidade de agir rapidamente, com segurança e lucidez. Na sequência da análise desenvolvida pelo Observatório foram constituídos dois grupos de trabalho, com o objetivo de conceber e propor as respostas idóneas à solução das dificuldades identificadas. Integraram os grupos pessoas escolhidas em função da sua experiência profissional, da sua qualidade científica, da sua abertura à inovação e do seu empenhamento no bom funcionamento do sistema de justiça.
Mais confiança na justiça administrativa e fiscal
Durante meses os grupos de trabalho (um orientado para a área administrativa e outro para a área tributária) desenvolveram uma intensa atividade, traduzida na análise comparativa de sistemas, em reuniões regulares, com frequência extenuantes, mas sempre extremamente produtivas. O que se pretendia era alcançar soluções simples para problemas concretos vivenciados por todos quantos lidam com esta jurisdição e não introduzir uma revisão de fundo à legislação estruturante do contencioso administrativo e tributário, ou revolucionar a filosofia do sistema. Procurava-se através da extensão de regimes já testados com êxito e de um conjunto coordenado de medidas organização e de simplificação, agilizar o modo de funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais, facultando aos agentes do sistema de justiça e aos seus utilizadores, ferramentas adequadas à otimização do acesso e das condições de funcionamento da justiça administrativa e tributária. Esses objetivos foram magistralmente interpretados pelos grupos de trabalho.
Os grupos de trabalho demonstraram um grande pragmatismo nas propostas que gizaram, as quais constituem um contributo valiosíssimo para o Governo, na hora de definição das intervenções que a jurisdição administrativa e fiscal tão prementemente reclama. As propostas de alteração legislativa apresentadas assumem uma amplitude cirúrgica, consequência de uma identificação minuciosa dos pontos críticos do funcionamento da jurisdição. E são acompanhadas de medidas nos domínios da organização e da tecnologia, numa lógica de pequenos passos e de conjugação de intervenções de diferentes naturezas, que se articulam entre si, num todo harmonioso e com grande potencialidade regeneradora.
Destacaria, no plano legislativo, a transposição para o CPPT da figura da seleção de processos com andamento prioritário – consagrada já no CPTA (artigo 48º) -, para responder de forma eficaz à litigância em massa, assim como dos mecanismos atinentes ao julgamento em formação alargada e à consulta prejudicial para o Supremo Tribunal administrativo, regulados também no CPTA (artigo 93.º) e destinados a favorecer a uniformidade da jurisprudência. Na perspetiva da organização e dos recursos humanos chamaria à colação a adaptação da jurisdição administrativa e fiscal ao modelo da Lei de Organização do Sistema Judiciário de 2014 e, bem assim, a criação de um quadro de inspetores – pondo termo ao indesejável recurso a soluções ad hoc – e de um quadro complementar, destinado primacialmente a suprir ausências temporárias de magistrados. Sinalizaria, ainda, na ótica da simplificação procedimental o trabalho em curso com a Autoridade Tributária (AT), tendente a assegurar a comunicação entre o sistema informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais (o SITAF) e o sistema da AT, o SICJUT.
Trata-se de um projeto de elevada complexidade no plano tecnológico, quer por força das diferenças entre os sistemas, quer ainda pelo volume de informação em circulação. É, no entanto, um esforço indispensável, já que a implementação de canais de comunicação direta, para além de libertar tempo e recursos, facilita o acompanhamento pelos tribunais tributários do avanço tecnológico que a administração tributária experienciou ao longo da última década. As propostas foram publicitadas no âmbito de uma conferência que teve lugar no mês de Maio, em Lisboa.
A discussão pública prossegue, ainda, nela se integrando outra conferência, em Novembro, no Porto. O nosso objetivo é que a justiça administrativa e fiscal, a par do seu papel de salvaguarda dos direitos e interesses dos cidadãos perante o Estado, se assuma, de uma forma cada vez mais plena, como fator de confiança. Não apenas pela qualidade das suas decisões, mas também pela tempestividade da sua prolação, garantindo-se a realização de justiça em prazo razoável, à altura do Estado de direito que somos.
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