Para o ex-ministro da Economia, o Governo está a hipotecar o futuro porque compromete-se com medidas para as quais não tem dinheiro.
Daniel Bessa considera que o grande risco do Orçamento de Estado para 2017 está em 2018. Para o economista, é claro que as pensões só aumentam em agosto e que a sobretaxa só é reduzida para determinados rendimentos em dezembro porque não há dinheiro. E deixa o alerta: se não há dinheiro para executar as medidas para os 12 meses de 2017, como é que vai haver para as executar nos 12 meses de 2018? Bessa diz ainda que este orçamento segue uma linha semelhante à defendida por Pedro Passos Coelho.
O Orçamento do Estado do ano passado refletia uma aposta clara na procura interna. E este, o que reflete?Este orçamento não reflete praticamente nada. O do ano passado refletiu uma orientação muito clara nesse sentido, este não reflete nada. Dá mais ou menos a entender que continuará na mesma linha, na medida em que puder. Mas, ao que parece em alguma~s áreas, dá a impressão de que já só pode um mês durante o ano.
De que áreas está a falar?Da sobretaxa, por exemplo. A redução da sobretaxa para alguns rendimentos virá só em dezembro. Porquê? Porque não há dinheiro para mais. Mas isto cria um problema para o próximo ano: uma vez a medida criada, ela irá incidir sobre os 12 meses de 2018 e, para o ano, logo veremos como é que aparece o dinheiro para o ano todo. O problema deste orçamento é uma coisa que a Teodora Cardoso tem vindo a dizer, com a discrição dela e com aquela serenidade toda, mas vai dizendo: é um problema de sustentabilidade. Eu faço umas contas para 2017, quero aumentar isto e aquilo, seja em matéria de despesa ou de impostos, mas chego à conclusão que não dá. Então subo as pensões a partir de agosto. Porquê? Porque não tenho dinheiro, não posso gastar tanto, nem reduzir tanto a carga fiscal e, portanto, as medidas vão entrando em execução até ao final do ano. Em 2018 estarão todas em execução durante todo o ano, e o dinheiro que não havia em 2017, não sei como vai haver em 2018.
Falta realismo a este Orçamento?O aspeto que tem sido mais louvado é precisamente o do seu realismo: como não há dinheiro, limita-se à execução de uma série de medidas.
Ainda assim, sobe as pensões...Há agora uma subida de pensões em linha com a inflação, para pensões que não foram atualizadas antes. Muita gente caiu em cima do Governo a dizer que não teve em conta os pobres, as pensões mais baixas foram atualizadas pelo Governo anterior, o que me leva a dizer que houve essa preocupação… Até pareço um advogado da gerigonça. Agora, o Governo vai atualizar os escalões imediatamente a seguir, os que recebem até 600 euros por mês. Não me parece mal mas acho que, do ponto de vista político, é um tiro no pé. A partir de agosto sobem todos os pensionistas em 10 euros o que, para as pensões mais baixas, é um aumento percentual bastante mais alto: se eu meter 10 euros em cima de 600 euros estou a falar de 1,6% de aumento. Mas, em cima de 250 euros, estou a falar de um aumento de 4%. São os mesmos 10 euros mas, em termos percentuais é diferente. Essas medidas foram tomadas de forma moderada e aquém do que se esperava, toda a gente assistiu ao que eram os compromissos eleitorais, todos assistimos à conversa do Bloco e do PCP exigindo que as coisas entrassem em vigor a 1 de janeiro, mas não chega. Como diz o Prof. Teixeira dos Santos, que nos conselhos de ministros passava a vida a dizer que ‘não chega’ e, se não chega, entra em execução mais tarde. Por isso digo que o problema fica transposto para 2018, porque em 2018 todas essas medidas estarão em vigor desde 1 de janeiro. E, se não chega em 2017, estou para saber como é que chega em 2018.
Não chega, apesar da carga de impostos indiretos que foram introduzidos nuns casos, e noutros agravados?O imposto que a certa altura me incomodou mais era o imposto sobre o imobiliário, parecia muito ameaçador. Mas depois percebi que não. Se um casal tiver imobiliário no valor de 1,5 milhões de euros, que é muito — eu, por exemplo, não tenho juntamente com a minha mulher 1,5 milhões em imobiliário e considero-me um privilegiadíssimo do ponto de vista imobiliário –, para os padrões portugueses, um milhão e meio de euros é muito dinheiro. E um casal que tenha esse montante vai pagar 0,3% sobre o que exceder dos 1,2 milhões de euros, portanto vai pagar 0,3% de 300 mil euros que são 900 euros, não é muito.
Essa era a medida que mais o desagradava. E qual é a medida que mais lhe agrada, se é que existe alguma?Li pouco do OE, estou aqui a emitir opinião em coisas que conheço pouco.
O Governo falou muito no fim da austeridade e depois apresenta este documento. Há aqui algum sinal de fim da austeridade?Não, há aqui uma alegação de que as classes mais baixas são protegidas. Mas isso foi o que fez o Governo de Pedro Passos Coelho. A única área em que, durante o período da troika, as classes mais baixas foram penalizadas — e não só as mais baixas — foi o desemprego. Aí temos um mal absoluto, e isso apanhou classes mais baixas mas não só, houve centenas de milhares de portugueses que perderam o emprego. Agora, se olhar para as medidas tomadas em matéria de salários, não houve mexidas: as pensões mais baixas foram atualizadas, a carga fiscal sobre os rendimentos mais baixos não subiu, tendo sido muito agravada sobre os rendimentos mais altos.
Concorda com Ricardo Reis quando este diz que não houve assim tanta austeridade nos tempos da troika?Houve austeridade. Quando o desemprego atinge 600 mil pessoas, muitas das quais tiveram que emigrar, houve austeridade. Mas a única coisa que estou a dizer é que, no manejo que foi feito dessa austeridade, há três ou quatro áreas que, do meu ponto de vista, são importantes e onde acho que se fez o possível para proteger as classes mais baixas: estou a falar do salário mínimo — que não foi mexido –, estou a falar das pensões mais baixas que foram corrigidas e da fiscalidade, que atingiu os rendimentos mais altos. Desse ponto de vista há uma certa continuidade.
Logo, este orçamento é de austeridade?"No manejo que foi feito dessa austeridade, há três ou quatro áreas que, do meu ponto de vista, são importantes e onde se fez o possível para proteger as classes mais baixas.”
A primeira trave mestra deste orçamento é a de aceitar os compromissos com Bruxelas que, mesmo que não viessem de Bruxelas, são uma necessidade. O Orçamento tem uma orientação de reduzir o défice das contas públicas. A segunda linha que o caracteriza é o acudir às situações de maior desfavor, em particular, que, como já disse, considero que foi o que o Governo anterior fez. Por isso, não consigo ver assim uma diferença tão grande quanto isso.
A linha de fundo é parecida com a do Governo de Passos Coelho?Igual não é, mas tem um compromisso com o défice e procura acudir às classes mais baixas. Mas este orçamento é muito complexo, bem sei que hoje em dia a informática resolve muitas coisas mas, já há muitos anos que tenho a ideia de que a administração fiscal não consegue executar… Repare, por exemplo, na redução faseada da sobretaxa: entrando mês a mês reduções sucessivas sobre o rendimento, a complexidade administrativa de um processo desses, ainda bem que há informática. Duvido que, na maior parte das repartições de finanças, a maior parte dos funcionários públicos esteja preparada para aplicar tudo. No outro dia dei comigo a pensar no imposto sobre o chumbo, e ocorreu-me que alguém que quer ir à caça é muito taxado. É o imposto sobre os cartuchos, o imposto sobre combustíveis, o tabaco, o vinho… é uma coisa! Quanto é que o imposto sobre o chumbo irá render? Outro dia alguém dizia que abaixo de um milhão de euros o melhor é não lançar imposto nenhum. E eu penso que não vai render um milhão… abre-se um flanco desnecessário.
O que sugeria para aumentar a receita?"Era muito mais prático subir um ponto ao IVA e não deixava de ser uma escolha.”
Era muito mais prático subir um ponto ao IVA e não deixava de ser uma escolha. Além de que devia render o mesmo e de uma forma mais simples. Até agravar a taxa mais alta sobre os artigos de luxo, não tinha nada contra. Para aumentar o IVA não era necessário mexer nas taxas mais baixas.
A sua grande preocupação com este orçamento é 2018?Sim, claramente que sim. O facto de, em 2017, serem tomadas medidas que em 2018 vão produzir efeito sobre 12 meses é criar uma hipoteca sobre o futuro. As pessoas dizem que as medidas só entram faseadamente e mais para o final do ano por causa das eleições. Mas não. As pensões aumentam em agosto porque não há dinheiro para as aumentar em janeiro. O ministro das Finanças e o Governo assumem que não têm dinheiro para pagar o aumento das pensões durante 12 meses este ano, mas para ano terão de o pagar sobre 12 meses. A minha questão é: se este ano não há dinheiro, como é que para o ano vai haver? Por isso é que estou muito curioso sobre o parecer do conselho das finanças públicas, porque já ouvi a Teodora Cardoso afirmar várias vezes que há aqui problemas de sustentabilidade, medidas que são tomadas que são comportáveis para o ano mas poderão não o ser em prazos mais longos.
Sabia que…
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Daniel Bessa: “Se este ano não há dinheiro, como é que vai haver em 2018?”
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