Editorial

Centeno no Eurogrupo? É um seguro contra a geringonça

A nomeação de Mário Centeno para o Eurogrupo poderá ser a melhor notícia dos últimos tempos para Portugal. Será um seguro de saúde contra um 4º resgate.

Mário Centeno esteve à beira de ser ‘despedido’ por Marcelo Rebelo de Sousa por causa do acordo feito e negado com António Domingues para a CGD. Agora, pode ser hoje confirmado como presidente do Eurogrupo, que reúne os ministros das Finanças da zona euro. Centeno está no sítio certo à hora certa e isso pode revelar-se não só muito importante para Portugal nos próximos dois anos, como pode vir a ser mesmo a nossa salvação de um 4º resgate externo.

A imprensa internacional – e Schauble, até – insiste em comparar Centeno a Ronaldo, mas é claro que não vê os ‘jogos’ da liga portugesa, só os resumos. Ronaldo é o melhor jogador do mundo. Mário Centeno é daqueles jogadores de futebol que faz jogadas geniais sem saber como, marca golos impossíveis porque o vento está de feição. Agora, pode ser escolhido hoje para um cargo internacional de relevo. É, em primeiro lugar, muito importante para o próprio, para a sua carreira académica e profissional. Mas é inquestionável a relevância da função para o país, não exatamente pelas razões que António Costa e Centeno andam a vender aos portugueses.

As razões são outras, e a mais relevante é que esta escolha funcionará como guarda-chuva, para o Mário-presidente-do-eurogrupo nos proteger do Centeno-ministro-das-finanças. Não se enganem – Jerónimo de Sousa, aliás, já viu tudo -, não é Centeno que vai mudar o Eurogrupo, é o Eurogrupo que vai obrigar Centeno a fazer o que tem de fazer, a reduzir o défice, sobretudo o défice estrutural, e a dívida pública. Sob pena de passar do céu para o inferno num instante. E Portugal com ele. Os tempos na Europa são outros, sim, em relação ao discurso duro de 2011, mas apenas porque se fez um caminho, com erros pelo meio, claro, com excessos. Mas será de uma ingenuidade quase pueril admitir que, a partir de agora, os países do euro querem uma gestão como a que está a ser seguida em Portugal. Pelo contrário, viram em Centeno alguém que geriu com sucesso os ventos a favor e pode ser o rosto de que precisam para humanizar, no discurso, as políticas europeias.

Mário Centeno tem (os seus) méritos… É ministro das Finanças de um governo socialista de um país do Sul da Europa no momento em que há uma mudança da presidência do Eurogrupo, um mérito por puro acaso. E manteve o processo e ajustamento do défice (o nominal, não o estrutural) nos últimos dois anos, com uma mudança de sítio da austeridade, um mérito por direito próprio e ajuda económica e monetária alheia.

O facto de ser um ministro das Finanças de um país que saiu de um programa de ajustamento – a terceira razão – é outro trunfo de Centeno. É a prova de que, passados estes anos, as políticas de ajustamento seguidas na União Europeia dão resultados. Claro que, regra geral, este argumento omite a intervenção do BCE, a política monetária expansionista que tem servido para comprar tempo e permitir que os diferentes governos… mas serve para os devidos efeitos.

A escolha provável de Centeno vai pôr Portugal no centro das discussões do euro e, por isso, será um fator acrescido de pressão interna. A narrativa de Centeno sobre a ‘moeda comum’ por oposição à ‘moeda única’, a exportação do modelo português alternativo à correção dos desequilíbrios orçamentais e económicos é mesmo para consumo interno. E não só: Se Centeno e Costa não conseguem fazer reformas em Portugal, é no mínimo uma questão de fé acreditar que terão um papel relevante nas reformas europeias. Mesmo tendo em conta que essas reformas europeias poderiam ser, na sua visão, o que os livraria de medidas necessárias em Portugal. Não é. Só talvez no papel, não na realidade. São boas notícias para o país, mas vão forçar uma rutura na Geringonça, já sob pressão, como tem sido público e notório.

O Presidente da República não está satisfeito com este governo, nem com este ministro, nem com esta nomeação. Foi por isso que, antes de qualquer elogio, lembrou a Costa que Centeno é, primeiro, ministro das Finanças de Portugal. Marcelo sabe que a presidência no Eurogrupo é em acumulação de funções, poderá ser um cargo em full-time apenas no próximo mandato se houver uma reforma do euro. Marcelo esta, agora, sobretudo preocupado com a estabilidade política, mas também deveria estar preocupado com a sustentabilidade das finanças e da economia. Se estiver a ouvir os empresários e gestores certos, certamente estará.

Ao contrário do que pensará o Presidente, a nomeação de Centeno poderá ser o seguro de vida das finanças portuguesas. Porque simplesmente não será possível ser o porta-voz do euro e, ao mesmo tempo, ser ministro das Finanças de um país no caminho para o 4º resgate.

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